CSM|SP: Registro de Imóveis – Loteamento Urbano – Dúvida inversa prejudicada – Recurso não conhecido – Análise da exigência impugnada a fim de orientar futura prenotação – Registro de carta de arrematação que é suficiente para garantir aos novos proprietários o direito de solicitar o registro de loteamento, desde que sejam observadas as disposições da Lei 6.766/79.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 1002342-40.2016.8.26.0443, da Comarca de Piedade, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados SÉRGIO MONTENEGRO e ADRIANA RODRIGUES GOULART MONTENEGRO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicada a dúvida, impedindo o registro pretendido, e não conheceram do recurso, V.U. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de outubro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1002342-40.2016.8.26.0443

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelados: Sérgio Montenegro e Adriana Rodrigues Goulart Montenegro

VOTO Nº 29.856

Registro de Imóveis – Loteamento Urbano – Dúvida inversa prejudicada – Recurso não conhecido – Análise da exigência impugnada a fim de orientar futura prenotação – Registro de carta de arrematação que é suficiente para garantir aos novos proprietários o direito de solicitar o registro de loteamento, desde que sejam observadas as disposições da Lei 6.766/79.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a sentença de fls. 222/225, que autorizou o registro de loteamento urbano. Sustenta o apelante que a sentença deve ser reformada para obstar o registro do loteamento do imóvel de matrícula 21.856 do Oficial de Registro de Imóveis de Piedade. Aduz que o imóvel objeto do pedido de registro de loteamento foi arrematado em processo ainda não finalizado, razão pela qual não há segurança jurídica aos futuros adquirentes dos lotes e tampouco à coletividade. Por tais razões, pede a reforma da sentença que autorizou o registro de loteamento.

A Procuradoria de Justiça apresentou parecer contrário ao recurso interposto e opinou pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

A recusa ao registro, conforme nota devolutiva de fls. 13/14, ocorreu em razão das seguintes exigências: a) alguns dos documentos obrigatórios não foram apresentados (itens 01 a 04 de fls. 13); b) alguns dos documentos apresentados estavam com o prazo de validade expirado (item 05 de fls. 13); c) o processo no qual o imóvel foi arrematado ainda não foi finalizado, razão pela qual entende o Oficial que não há segurança jurídica aos futuros adquirentes dos lotes e à coletividade.

Os interessados no registro do loteamento impugnaram apenas a terceira exigência (item “c”), deixando de questionar os demais óbices relacionados pelo Oficial na nota devolutiva.

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila, porém, no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

“A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n. 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n. 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (Apelação Cível n. 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, prejudicada a dúvida, o recurso não pode ser conhecido, o que não impede o exame em tese da exigência impugnada a fim de orientar futura prenotação.

Nesse ponto, a sentença proferida, que analisou exclusivamente a exigência impugnada, está correta.

A origem judicial do título não afasta a necessidade de sua qualificação registral, com intuito de se obstar qualquer violação ao princípio da continuidade (Lei 6.015/73, art. 195).

Nesse sentido, douto parecer da lavra do então Juiz Assessor desta Corregedoria Geral de Justiça, Álvaro Luiz Valery Mirra, lançado nos autos do processo n. 2009/85842, que, fazendo referência a importante precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 31.881-0/1), aduz o que segue:

“De início, cumpre anotar, a propósito da matéria, que tanto esta Corregedoria Geral da Justiça quanto o Colendo Conselho Superior da Magistratura têm entendido imprescindível a observância dos princípios e regras de direito registral para o ingresso no fólio real – seja pela via de registro, seja pela via de averbação – de penhoras, arrestos e sequestros de bens imóveis, mesmo considerando a origem judicial de referidos atos, tendo em conta a orientação tranquila nesta esfera administrativa segundo a qual a natureza judicial do título levado a registro ou a averbação não o exime da atividade de qualificação registral realizada pelo oficial registrador, sob o estrito ângulo da regularidade formal (Ap. Cív. n. 31.881-0/1).”

A arrematação, por sua vez, é forma derivada de aquisição da propriedade, como já decidiu este Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida. Registro de carta de adjudicação. Modo derivado de aquisição da propriedade. Modificação do posicionamento anterior do Conselho Superior da Magistratura. Análise da natureza jurídica do ato de adjudicação. Fundamentos que não afastam a natureza derivada da transmissão coativa. Óbices ao registro mantidos. Recurso não provido.” (Apelação Cível: 9000001-34.2013.8.26.0531, Rel. Des. Elliot Akel, j. 7/10/14)

E justamente por se tratar de forma de aquisição de propriedade, não se sustenta o óbice ao registro do loteamento fundado na afirmação de que o processo no qual o imóvel foi arrematado não finalizou e que haveria risco aos futuros adquirentes dos lotes e à coletividade.

Com o registro da carta de arrematação, os suscitantes da dúvida inversa se tornaram proprietários do imóvel matriculado sob nº 21.856 do Registro de Imóveis de Piedade (r.2 de fls. 159). E por ser inerente à propriedade imobiliária, aos proprietários é garantido o direito de registrarem um loteamento, desde que sejam respeitadas as disposições da Lei 6.766/79.

Dessa forma, a existência de ações contra o anterior proprietário do imóvel não pode servir de restrição aos direitos dos atuais proprietários e requerentes do registro de loteamento (§2º do artigo 18 da Lei 6.766/79), razão pela qual deve ser afastado o óbice descrito no item “c” supra.

Ante o exposto, dou por prejudicada a dúvida, impedindo o registro pretendido, e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 1002342-40.2016.8.26.0443 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 50.859

1. Registro, à partida, adotar o relatório lançado pelo insigne Relator da espécie.

2. Permito-me, da veniam, lançar dois reparos.

3. Já é tempo de deixar de admitir o que se convencionou chamar dúvida “inversa”, ou seja, aquela levantada pelo próprio interessado, diretamente ao juízo corregedor.

A prática, com efeito, não está prevista nem autorizada em lei, o que já é razão bastante para repelila, por ofensa à cláusula do devido processo (inc. LIV do art. 5º da Constituição), com a qual não pode coadunarse permissão ou tolerância (jurisprudencial, nota) para que os interessados disponham sobre a forma e o rito de processo administrativo, dispensando aquele previsto no estatuto de regência (Lei n. 6.015, de 31-12-1973, arts. 198 et seqq.).

Se o que basta não bastara, ainda há considerar que ao longo de anos a dúvida inversa tem constituído risco para a segurança dos serviços e mesmo para as justas expectativas dos interessados. É que, não rara vez, o instrumento vem sendo manejado sem respeito aos mais elementares preceitos de processo registral (o primeiro deles, a existência de prenotação válida e eficaz), de modo que termina sem bom sucesso, levando a delongas que o paciente respeito ao iter legal teriam evitado.

4. Peço reverente licença, ainda, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar nãoconhecer do recurso.

Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que não se conheça do recurso e se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É como voto.

DES. RICARDO DIP

PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO 

(DJe de 22.01.2018 – SP)