STJ: Direito Civil e Processual Civil – Sucessão Testamentária – Fideicomisso – Fideicomissário premoriente – Cláusula do testamento acerca da substituição do fideicomissário – Validade – Compatibilidade entre a instituição fiduciária e a substituição vulgar – Condenação de terceiro afastada – Efeitos naturais da sentença.
Acórdão: Recurso Especial n. 1.221.817 – PE.
Relator: Min. Maria Isabel Gallotti.
Data da decisão: 10.12.2013
RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.817 – PE (2010⁄0203210-5)
RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
RECORRENTE : NOVA PIRAJUÍ ADMINISTRAÇÃO S⁄A NOPASA
ADVOGADOS : CARLOS AUGUSTO SOBRAL ROLEMBERG
PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE
CARLOS ANDRADE LIMA
RECORRENTE : ANITA LOUISE REGINA HARLEY
ADVOGADOS : PETER DE CAMARGO E OUTRO(S)
JOSÉ AUGUSTO PINTO QUIDUTE E OUTRO(S)
RECORRIDO : ROBERT BRUCE HARLEY JÚNIOR – ESPÓLIO E OUTROS
REPR. POR : FRANCISCA DE PAULA TAVARES DA SILVA HARLEY – INVENTARIANTE
ADVOGADOS : EDUARDO GUIMARÃES FALCONE E OUTRO(S)
LUIZ ARMANDO BADIN
EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. FIDEICOMISSO. FIDEICOMISSÁRIO PREMORIENTE. CLÁUSULA DO TESTAMENTO ACERCA DA SUBSTITUIÇÃO DO FIDEICOMISSÁRIO. VALIDADE. COMPATIBILIDADE ENTRE A INSTITUIÇÃO FIDUCIÁRIA E A SUBSTITUIÇÃO VULGAR. CONDENAÇÃO DE TERCEIRO AFASTADA. EFEITOS NATURAIS DA SENTENÇA. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas pelo tribunal de origem de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, deve ser rejeitada a alegação de contrariedade do art. 535 do Código de Processo Civil. 2. A sentença não prejudica direitos de pessoa jurídica que não foi citada para integrar a relação processual (CPC, art. 472). Como ato estatal imperativo produz, todavia, efeitos naturais que não pode ser ignorados por terceiros. 3. O recurso de apelação e a ação cautelar são instrumentos processuais distintos e visam a diferentes objetivos. O ajuizamento de ambos para questionar diferentes aspectos do mesmo ato judicial não configura preclusão consumativa a obstar o conhecimento da apelação. 4. De acordo com o art. 1959 do Código Civil, “são nulos os fideicomissos além do segundo grau”. A lei veda a substituição fiduciária além do segundo grau. O fideicomissário, porém, pode ter substituto, que terá posição idêntica a do substituído, pois o que se proíbe é a sequência de fiduciários, não a substituição vulgar do fiduciário ou do fideicomissário. 5. A substituição fideicomissária é compatível com a substituição vulgar e ambas podem ser estipuladas na mesma cláusula testamentária. Dá-se o que a doutrina denomina substituição compendiosa. Assim, é válida a cláusula testamentária pela qual o testador pode dar substituto ao fideicomissário para o caso deste vir a falecer antes do fiduciário ou de se realizar a condição resolutiva, com o que se impede a caducidade do fideicomisso. É o que se depreende do art. 1958 c.c. 1955, parte final, do Código Civil. 6. Recurso especial de Nova Pirajuí Administração S.A. NOPASA a que se dá parcial provimento. 7. Recurso especial de Anita Louise Regina Harley a que se dá parcial provimento.
ACÓRDÃO
A Quarta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento aos recursos especiais de Nova Pirajuí Administração S.A. – NOPASA e de Anita Louise Regina Harley, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Sustentou oralmente Dr. JOSÉ DIOGO BASTOS NETO, pela parte RECORRIDA: ROBERT BRUCE HARLEY JÚNIOR
Sustentou oralmente Dr. JOSÉ AUGUSTO PINTO QUIDUTE, pela parte RECORRENTE: ANITA LOUISE REGINA HARLEY
Sustentou oralmente Dr. CARLOS AUGUSTO SOBRAL ROLEMBERG, pela parte RECORRENTE: NOVA PIRAJUÍ ADMINISTRAÇÃO S⁄A NOPASA
Brasília (DF), 10 de dezembro de 2013(Data do Julgamento)
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.817 – PE (2010⁄0203210-5)
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de recursos especiais interpostos com fundamento no art. 105, III, alínea “a”, da Constituição da República, por Nova Pirajuí Administração S.A. – NOPASA – na qualidade de terceira interessada – e por Anita Louise Regina Harley.
Consta dos autos que o espólio de Robert Bruce Harley Junior, sua inventariante Francisca de Paula Tavares da Silva e os herdeiros Ana Paula Harley, Ana Cecília Harley de Noronha, Robert Bruce Harley, Ana Beatriz Harley e Hugh Anthony Harley ajuizaram ação declaratória de extinção de fideicomisso em face de Anita Louise Regina Harley.
Alegaram que sua avó, a falecida Erenita Helena Groschke Cavalcanti Lundgren – da qual a ré é filha e testamenteira – em disposição de última vontade distribuiu a parte disponível de seu patrimônio da seguinte forma: das ações e cotas de que era titular em sociedades mercantis deixou 50% à testamenteira e, em fideicomisso, 25% para o filho Robert Bruce Harley Junior (do qual os autores são herdeiros) e 25% para a filha Anna Christina Harley, nomeando fiduciária a própria testamenteira.
Ocorre que o fideicomissário Robert Bruce Harley Junior morreu anteriormente à própria fiduciária. Os autores, por isso, pretendem a declaração de extinção do fideicomisso para que lhes sejam transmitidos os bens que compunham a cota de seu pai na deixa testamentária. A ré, a seu turno, em reconvenção, defendeu a tese de que, falecido o fideicomissário antes de realizado o termo imposto pela fideicomitente, a propriedade se consolidou em nome dela, fiduciária.
A sentença foi pelo julgamento de improcedência do pedido e julgamento de procedência da reconvenção, com revogação da tutela antecipada até então deferida. O juízo de primeiro grau apoiou-se nas regras dos artigos 1735, 1738, 1739 e 1740 do Código Civil de 1916, das quais concluiu que o fideicomisso caduca quando o fideicomissário falece antes do fiduciário. Considerou nula a cláusula do testamento que determinava a substituição dos fideicomissários falecidos por seus herdeiros e, assim, impedia a consolidação da propriedade em nome da fiduciária. Entendeu que a disposição contrariava regras de ordem pública do Código Civil.
O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco excluiu o espólio de Robert Bruce Harley Junior e sua inventariante do pólo ativo da lide, pois considerados partes ilegítimas. Deu provimento à apelação dos outros autores para julgar procedente o pedido e declarar extinto o fideicomisso em 7 de novembro de 2001. Afirmou que, com a morte do fideicomissário, os bens que a este caberiam em razão do fideicomisso passariam a ser titularizados por seus herdeiros, a fim de fazer prevalecer a vontade expressa da testadora. Considerou que esta, a par de instituir o fideicomisso, dispôs também sobre a substituição em caso de morte do fideicomissário, o que está de acordo com as regras pertinentes do Código Civil.
O acórdão foi assim ementado (e-STJ fl. 348):
DIREITO CIVIL – SUCESSÃO – TESTAMENTO PÚBLICO – FIDEICOMISSO – EXTINÇÃO – DISCUSSÃO – INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS – ADOÇÃO DAQUELA QUE MELHOR PRESTIGIA A VONTADE DO TESTADOR – AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXTINÇÃO DO FIDEICOMISSO PROVIDA À UNANIMIDADE DE VOTOS – RECONVENÇÃO NÃO ACOLHIDA INDISCREPANTEMENTE – CAUTELAR PREJUDICADA.
Preliminarmente excluem-se a viúva Francisca de Paula Tavares da Silva Harley e o Espólio de Robert Bruce Harley Junior do Pólo Ativo da Ação Declaratória de Extinção de Fideicomisso por carecerem de legitimidade e de interesse processual para figurarem no litígio. Decisão unânime.
Mérito – Sentença de 1º grau que, interpretando cláusula testamentária, se inclinou pela improcedência da ação, sob o fundamento de que havia caducado o fideicomisso em face do falecimento precoce do fideicomissário, enquadrando-se assim nas hipóteses legais previstas nos artigos 1.738 e 1.739 do Código Civil Brasileiro de 1916, sobretudo ao afirmar que não seria possível admitir-se que o fideicomisso fosse além do segundo grau, confundindo a substituição fiduciária com a substituição vulgar do fideicomissário.
– Inaplicabilidade, no caso concreto, das hipóteses legais previstas nos artigos 1.738 e 1.739, do Código Civil Brasileiro de 1916, diante da prevalência da vontade do Testador (inteligência dos Artigos 1.738 “in fine”, 1.735 e 1.666, do Código Civil Brasileiro de 1916).
– Aplicação incompleta do artigo 1.738 do Código Civil Brasileiro de 1916, pelo Juízo de 1º grau e dissociada do artigo 1.735 do mesmo Diploma legal, que estão intrinsecamente ligados, para considerar indevidamente caduco o fideicomisso diante do falecimento prematuro do fideicomissário Robert Bruce Harley Junior.
– É plenamente possível ao Testador dar substituto ao fideicomissário, caso venha o mesmo a falecer antes do fiduciário ou de se alcançar à condição resolutiva do fideicomisso, impedindo, com tal determinação, a caducidade do fideicomisso (Cláusula XXIV, do Testamento).
– Ao instituir o fideicomisso a Testadora designou a sua filha Anita Louise Regina Harley como fiduciária e responsável pela administração e conseqüente devolução do patrimônio fideicomitido, incluindo os acréscimos decorrentes dos rendimentos e frutos deles proveniente, sendo a mesma precisa e contundente, ao assinalar, na Cláusula XXIV do Testamento, a possibilidade de ocorrer à substituição vulgar⁄compendiosa dos fideicomissários, pois assim fazendo não estará indo além do segundo grau da instituição⁄vocação, já que o substituído terá idêntica e igual posição do substituto, sem que se possa afirmar a existência da sucessão fiduciária além do segundo grau de instituição.
– Prevalência da vontade do Testador ao expressar que no caso de morte dos fideicomissários ou de um deles, as ações e quotas legadas não se consolidarão no fiduciário, devendo ser administrados pela Fiduciária em nome dos descendentes dos fideicomissários ou pelo tempo que restar do prazo estabelecido de 20 (vinte) anos ou até a idade de 21 (vinte e um) anos de cada descendente, se essa condição testamentária ocorrer antes de 20 (vinte) anos (Cláusula XXIV, do Testamento).
– Ademais, pelas disposições expressas nas cláusulas XXII e XXIV do Testamento, verifica-se que a Testadora fixou termo, tempo e condição resolutiva para a extinção do fideicomisso, de modo que em nenhuma hipótese os bens fideicometidos viessem a se consolidar na pessoa da fiduciária, devendo, portanto, se buscar ao máximo prestigiar a declaração de última vontade do testador, conforme estipulado no artigo 1.666 do então Código Civil Brasileiro.
Assim, alcançada a condição resolutiva em 07 de novembro de 2001, faz cessar o fideicomisso e obriga a administradora⁄fiduciária a proceder com a respectiva devolução dos bens legados, com os devidos acréscimos resultantes dos rendimentos e frutos dos referidos bens, bem como o pagamento dos dividendos, vantagens ou quaisquer outros rendimentos, sem apego a quaisquer formalidades ou dúvidas ou interpretações que possa servir de apanágio para deixar de cumprir a soberana vontade da Testadora.
– Feitos em pauta, julgados por convocação extraordinária do Exmo. Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça, quando me encontrava de férias, em face da desconstituição temporária da Câmara, por ausência do núimero legal de Desembargadores para a sua composição.
– Apelos providos – Reconvenção julgada improcedente – Cautelar não conhecida, tudo à unanimidade de votos.
Além de declarar extinto o fideicomisso em 7⁄11⁄2001, determinou que os descendentes do fideicomissário Robert Bruce Harley Junior passem à condição de proprietários de 25% das cotas e ações das empresas Zodiac Empreendimentos e Participações Ltda e NOPASA – Nova Pirajuí Administração S⁄A e que as referidas empresas paguem aos autores dividendos, vantagens e quaisquer outros rendimentos decorrentes dos bens que integram o fideicomisso, com efeitos a partir de 7⁄11⁄2001.
Foram opostos embargos de declaração, rejeitados.
Nova Pirajuí Administração S.A. NOPASA alega violação dos arts. 267, VI, 301, X, e 472 do Código de Processo Civil. Sustenta ser parte ilegítima para a causa, porque nesta se discute questão sucessória afeta somente aos recorridos. Além disso, não foi parte no processo, motivo pelo qual não poderia ter sido condenada ao pagamento de rendimentos referentes à participação societária aos autores vencedores.
Anita Louise Regina Harley aponta negativa de vigência dos arts. 155, 267, VI, 301, X, 472, 513, 535, II, 554 e 560 do CPC; 119, 1580, 1666, 1721, 1733, 1734, 1735, 1738, 1739 e 1740 do Código Civil de 1916. Afirma negativa de prestação jurisdicional, pois rejeitados seus embargos de declaração sem exame da matéria neles suscitada (CPC, art. 535, II).
Alega, também, não ter sido dada publicidade aos atos processuais, pois não teria tido informação de que o relator do acórdão recorrido reassumiu a atividade jurisdicional para participar do julgamento no dia em que ele estaria em gozo de férias, o que fez com o que os advogados dela, recorrente, estivessem ausentes e não fizessem sustentação oral (CPC, arts. 155 e 554).
Afirma que as pessoas jurídicas Nova Pirajuí Administração S.A. NOPASA e Zodiac Empreendimentos e Participações Ltda. não poderiam ter sido condenadas, pois não participaram formalmente da relação processual (CPC, arts. 267, VI, 301, X, 472).
Além disso, afirma ter-se operado preclusão consumativa e lógica, que deveria ter sido reconhecida pelo acórdão. Os recorridos ajuizaram apelação mesmo depois de ter impugnado a sentença por meio de ação cautelar (CPC, arts. 513 e 560).
Discorre sobre a indivisibilidade da herança, parte da qual não poderia ser deferida aos herdeiros antes de efetuada a partilha (CC, art. 1580).
Pondera que o percentual deferido pelo acórdão aos recorridos é excessivo e invade a parte que a ela mesmo coube tanto na sucessão testamentária quanto na legítima (CC, art. 1721).
Argumenta, por fim, sobre a substituição fiduciária e a impossibilidade de instituição desta além do segundo grau, o que teria sido permitido pelo acórdão em contrariedade a disposição expressa da lei (CC, arts. 119, 1666, 1733, 1734, 1735, 1738, 1739).
Foram apresentadas as contrarrazões de fls. 571⁄599 e 601⁄617.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.817 – PE (2010⁄0203210-5)
VOTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI(Relatora): Inicialmente, destaco que o juízo de origem autuou em separado a ação declaratória e a reconvenção, embora tenham sido julgadas pela mesma sentença e, em grau de recurso, pelo mesmo acórdão.
O presente feito, Recurso Especial 1.221.817⁄PE, refere-se aos autos que foram formados para a reconvenção. Os autos da ação declaratória foram recebidos nesta Corte Superior e catalogados como Recurso Especial 1.215.953⁄PE.
Conforme relatado, a questão que se discute neste processo é relacionada à validade de cláusula testamentária que determina a substituição do fideicomissário por seus dependentes no caso de vir este a falecer antes do fiduciário. Os autores da ação sustentam a validade da cláusula com base na parte final do art. 1735 do Código Civil de 1916. No entendimento da ré reconvinte, ao contrário, com o falecimento do fideicomissário, caducou o fideicomisso, tendo a propriedade plena se consolidado na pessoa da fiduciária, na forma do disposto no art. 1.738 do Código Civil de 1916, regra legal que sustenta ser de ordem pública e ter sido violada pela cláusula testamentária, a qual seria, pois, nula.
O que se pretendia com a ação, portanto, era a declaração da extinção do fideicomisso, pois o mais jovem herdeiro do fideicomissário morto atingiu a maioridade, termo imposto pela fideicomitente para que os substitutos do fideicomissário recebessem os bens fideicometidos.
No pólo ativo da ação estavam os herdeiros do fideicomissário e no pólo passivo a irmã deste, testamenteira de Erenita Helena Groschke Cavalcanti Lundgren e por esta escolhida para ser a fiduciária. Era o que bastava para a triangularização da relação processual, dados o conflito apresentado em juízo e o tema posto em debate.
Nova Pirajuí Administração S.A., todavia, foi condenada a distribuir dividendos aos autores retroativos à data de extinção do fideicomisso (7.11.2001). Não integrou – nem era o caso – nenhum dos pólos da ação, mas está submetida aos efeitos do acórdão recorrido, que emitiu provimento desfavorável a ela.
Nesse contexto, por não ser parte do processo – já que não era parte na relação jurídica material descrita na causa de pedir – a recorrente Nopasa não pode sofrer condenação.
Não foi o que ocorreu, porquanto o acórdão recorrido não observou os limites subjetivos que lhe foram impostos. A relação jurídica processual estava regularmente formada entre herdeiros do fideicomissário e a fiduciária; as partes discutiam a validade e eficácia das cláusulas da instituição do fideicomisso. Sujeitos alheios a essa relação não poderiam sofrer os efeitos da sentença. O acórdão recorrido, então, não pode ter eficácia contra Nopasa, embora válido e eficaz entre as partes.
Violado foi, portanto, o art. 472 do Código de Processo Civil. É o suficiente para se afastar a condenação de Nova Pirajuí Administração S.A. – NOPASA. São oportunas, todavia, algumas outras considerações.
Como se verifica dos autos, os autores, apesar de indicarem como ré apenas Anita Louise, pediram a condenação de Nopasa (fl. 387) ao pagamento de verbas referentes a dividendos e distribuição de lucros.
E, tal como já consagrado pela jurisprudência consolidada desta Corte, a petição inicial deve ser interpretada como um todo harmônico. Consideram-se como pedidos não só os requerimentos formulados em tópico expressamente intitulado “pedidos” ou algo semelhante, mas também o que como tal se possa facilmente inferir do teor da petição.
No caso concreto, todavia, o pedido de condenação de Nopasa destoa do conteúdo da petição inicial. A causa de pedir descreve relação travada entre membros de uma família que não chegaram a um acordo sobre como deveria ser cumprido o testamento que instituiu o fideicomisso. Trata-se de típica relação de família e conflito sucessório e o que se pede, coerentemente, é a declaração de extinção do fideicomisso. O pleito de condenação de pessoa jurídica estranha à relação material apresentada não está em harmonia com o texto apresentado em toda a peça inicial e NOPASA, nesse contexto, é parte passiva ilegítima.
Embora o nome dado à ação pelos autores não vincule o provimento judicial que se requer e que, ao final, pode ser deferido, certo é que a narração dos fatos e a argumentação por eles desenvolvida deve ser coerente e compatível com os pedidos feitos. No caso, o nome dado à ação é mesmo indicativo de sua real intenção de ser declarados beneficiários do fideicomisso instituído.
Não é, portanto, o caso de se anular o processo para que se faça a citação de Nopasa. É o bastante considerar válido o acórdão e eficaz contra os sujeitos que efetivamente participaram do processo, mas ineficaz contra aquela sociedade anônima, mesmo porque sua condenação, pelos motivos expostos, foi inusitada e desbordou dos limites da lide subjacentes.
Atente-se, também, para as considerações feitas na decisão proferida na Reclamação nº 8.573, ajuizada pela sociedade. É certo que, embora não sendo parte, submete-se a NOPASA aos efeitos naturais da decisão judicial sobre a propriedade das cotas acionárias e, assim, não pode se opor ao pagamento de rendimentos acionários a serem distribuídos nos exercícios posteriores ao acórdão recorrido e vindouros a quem de direito.
Da doutrina, colhe-se o seguinte:
“Por alguns efeitos reflexos da sentença, todavia, são legitimamente atingidos certos sujeitos que não hajam sido partes no processo. Trata-se de terceiros que, embora não sejam sujeitos ativos ou passivos da própria relação jurídico-substancial versada no litígio, são titulares de outras relações jurídicas que de alguma forma se relacionam com esta ou dela são dependentes.
(…)
A projeção ultra partes dos efeitos reflexos da sentença é consequência da eficácia natural desta, que a todos se impõe na medida do objeto do julgamento proferido e sem incluir a disciplina imperativa de relações jurídicas cujo titular não haja sido parte (Liebman). A sentença que priva meu devedor de uma propriedade, julgando procedente a demanda reivindicatória que alguém lhe moveu, repercute economicamente em meu patrimônio porque já não disporei do bem para futura penhora, sendo esse um legítimo efeito reflexo que não posso evitar; mas a sentença que anula a compra-e-venda de um imóvel não implica anulação de alienações subsequentes, realizadas antes da instauração do processo, porque a isso se opõem as garantias constitucionais do contraditório e do devido processo legal. (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, volume III, Malheiros, 6ª edição, p. 215)
“A sentença, do mesmo modo que todo ato jurídico – diz Chiovenda – existe e vale em relação a todos (…). Mas afirmar que a sentença, e, pois, a coisa julgada, vale em relação a terceiros, não quer dizer que possa prejudicar terceiros. Apenas quer dizer que terceiros não podem deconhecê-la, não que por ela podem ser prejudicados” (AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de Direito Processual Civil, 3º volume, 21ª ed., SP: Saraiva, 2003, p. 75⁄76)
“A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros’. Não quer dizer isto que os estranhos possam ignorar a coisa julgada. ‘Como todo ato jurídico relativamente às partes entre as quais intervém, a sentença existe e vale com respeito a todos’ [Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, 3ª ed., v. I, nº 133, p. 414]. Não é certo, portanto, dizer que a sentença só prevalece ou somente vale entre as partes. O que ocorre é que apenas a imutabilidade e a indiscutibilidade da sentença não podem prejudicar, nem beneficiar, estranhos ao processo em que foi preferida a decisão trânsita em julgado (…). Assim, um estranho pode rebelar-se contra aquilo que foi julgado entre as partes e que se ache sob autoridade da coisa julgada, em outro processo, desde que tenha sofrido prejuízo jurídico”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 51ª ed., RJ: Forense, 2010, p. 557)
Sobre o mesmo tema, assim já se manifestou este Tribunal Superior:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. TERCEIRO INTERESSADO. EFICÁCIA NATURAL E IMUTABILIDADE DA SENTENÇA. DISTINÇÕES. EFEITOS PERANTE TERCEIROS. ART. 472 DO CPC. SÚMULA 202⁄STJ.
1. Não há dúvida de que a coisa julgada, assim considerada “a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença” (CPC, art.467), embora tenha efeitos restritos “às partes entre as quais é dada” (art. 472 do CPC, primeira parte), não inibe que essa sentença produza, como todo ato estatal, efeitos naturais de amplitude subjetiva mais alargada.
2. Todavia, conforme estabelece o mesmo art. 472 do CPC, a eficácia expansiva da sentença não pode prejudicar terceiros. A esses é assegurado, em demanda própria (inclusive por mandado de segurança), defender seus direitos eventualmente atingidos por ato judicial produzido em demanda inter alios. Aplicação da Súmula 202⁄STJ.
3. Precedente: REsp 1.251.064⁄DF, 1ª Turma, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 27.03.2012.
4. Recurso improvido.
(REsp 1281863⁄DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10⁄04⁄2012, DJe 16⁄04⁄2012).
Por essas razões, observa-se que a NOPASA, pessoa jurídica não integrante da relação processual, não pode ser prejudicada com a condenação ao pagamento aos autores, retroativo a 7.11.2001, de dividendos e outros rendimentos já distribuídos nas épocas próprias aos acionistas então constantes de seus registros societários.
Isso, todavia, em nada infirma as providências determinadas pela decisão objeto da Reclamação 8.573 no sentido de determinar o depósito à disposição do juízo sucessório dos dividendos vindouros relativos às ações cuja propriedade é controvertida.
O decidido nos presentes autos a propósito da extinção do fideicomisso, e a partilha das ações e cotas societárias no inventário, não poderá deixar de ser observado pela NOPASA, à qual não é dado ignorar a sentença como ato estatal e imperativo. O asserto judicial a propósito da propriedade das ações e consequente distribuição dos respectivos dividendos e rendimentos outros entre os sócios litigantes são efeitos naturais da sentença, cuja observância se impõe à sociedade anônima, sem lhe afetar o patrimônio e a estrutura societária, e nem nada prejudicar a situação jurídica da empresa.
Passa-se agora ao exame do recurso especial de Anita Louise Regina Harley. Cumpre observar inicialmente que o acórdão recorrido se manifestou de forma suficiente e motivada sobre o tema em discussão nos autos. Ademais, não está o órgão julgador obrigado a se pronunciar sobre todos os argumentos apontados pelas partes, a fim de expressar o seu convencimento. No caso em exame, o pronunciamento acerca dos fatos controvertidos, a que está o magistrado obrigado, encontra-se objetivamente fixado nas razões do acórdão recorrido. Afasto, pois, a alegada violação do art. 535 do CPC.
No que se refere aos arts. 267, VI, 301, X, 472 do CPC, verifica-se que a recorrente busca defender interesse de pessoas que não representa nestes autos. Afirma que Nova Pirajuí Administração S.A. NOPASA e Zodiac Empreendimentos e Participações Ltda. não poderiam ter sido condenadas, pois não participaram formalmente da relação processual. Ocorre que não cabe à recorrente pedir provimento judicial a respeito, já que lhe é vedado em nome próprio pleitear direito alheio (CPC, art. 6º).
Também não há como acolher a alegação de que não foi dada a devida publicidade aos atos processuais, tendo o processo sido julgado sem que fosse concedida aos advogados da recorrente a oportunidade de sustentação oral. Consta dos autos que, desde a inclusão dos feitos em pauta de julgamento, houve publicação desta no Diário da Justiça. A análise desse fato é inviável em recurso especial, segundo dispõe a Súmula 7⁄STJ.
Os arts. 513 e 560 do CPC, a seu turno, são indicados pela recorrente como violados porque, segundo ela, teria havido preclusão lógica e consumativa não reconhecida pelo acórdão recorrido. Argumenta que a apelação dos recorridos não deveria ter sido conhecida, pois versa a mesma matéria discutida na ação cautelar ajuizada contra os efeitos da mesma sentença.
A argumentação, todavia, não procede. Com efeito, a apelação e a ação cautelar são instrumentos processuais bem distintos e visam a diferentes objetivos. A cautelar não é meio de impugnação de decisões judiciais com vistas a sua reforma, ao passo que a apelação, sim, é recurso e objetiva nova decisão. E assim esses meios processuais foram usados no caso concreto. Os recorridos ajuizaram a cautelar a fim de suspender os efeitos da sentença e fazer prevalecer a tutela deferida antecipadamente. A apelação, por sua vez, foi interposta para que a sentença fosse reformada. Não há que se falar, portanto, em ato repetido que devesse ser desconsiderado em razão de preclusão lógica ou consumativa.
Os demais dispositivos versam sobre a questão principal resolvida pelo acórdão recorrido, qual seja, a validade de disposições testamentárias referentes à instituição fideicomissária.
Transcrevo a seguir os dispositivos do Código de 1916 relevantes para a solução da controvérsia:
Art. 1.729. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro, ou legatário, nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança, ou o legado. Presume-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se refira.
Art. 1.733. Pode também o testador instituir herdeiros ou legatários por meio de fideicomisso, impondo a um deles, o gravado ou fiduciário, a obrigação de, por sua morte, a certo tempo, ou sob certa condição, transmitir ao outro, que se qualifica de fideicomissário, a herança, ou o legado.”
Art. 1.734. O fiduciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita e resolúvel.”
Art. 1.735. O fideicomissário pode renunciar à herança, ou legado, e, neste caso, o fideicomisso caduca, ficando os bens propriedade pura do fiduciário, se não houver disposição contrária do testador.
Art. 1.738. Caduca o fideicomisso, se o fideicomissário morrer antes do fiduciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória do direito deste último. Neste caso a propriedade consolida-se no fiduciário nos termos do art. 1.735.
Art. 1.739. São nulos os fideicomissos além do segundo grau.
Mostram-se oportunas, neste passo, algumas considerações sobre o fideicomisso.
Segundo a doutrina, “o fideicomisso constitui modalidade importante de substituição, que repercute com frequência nas sucessões testamentárias. Consiste na instituição de herdeiro ou legatário, com o encargo de transmitir os bens a uma outra pessoa a certo tempo, por morte, ou sob condição preestabelecida. O herdeiro ou legatário instituído denomina-se fiduciário ou gravado, e o substituto ou destinatário remoto dos bens chama-se fideicomissário.” (Caio Mário da Silva Pereira, “Instituições de Direito Civil”, vol. VI, Direito das Sucessões, Forense, 16ª edição, p. 325).
Constituem deveres do fiduciário inventariar os bens fideicometidos, administrá-los, conservá-los e restituí-los.
No caso concreto, como visto, tem-se por testadora a Sra. Erenita Helena Groschke Cavalcanti Lundgren, a fiduciária é a recorrente e o fideicomissário é o já falecido Robert Bruce Harley Junior, pai dos recorridos. Controverte-se, então, se os recorridos devem receber os bens fideicomitidos.
Estabelecia o então vigente art. 1739 do Código Civil de 1916 (art. 1959 do CC atual), tido por violado, que os fideicomissos além do segundo grau são nulos. De fato, não é possível nomear alguém como fiduciário a fim de que, depois de certo termo ou condição, transfira bens a outrem que, também, deve cumprir aqueles deveres de fiduciário para, por sua vez e depois de outro termo ou condição, novamente transferir os bens a outros e assim sucessivamente. Evita-se, dessa maneira, concentrar na mesma pessoa a figura de fideicomissário e de fiduciário e impedir a livre circulação de bens.
Não é o que ocorre no caso concreto. Como já enfatizado, há apenas um fiduciário (a recorrente) e um grau de fideicomissário. Em nenhum momento se falou em fiduciários sucessivos, nem em beneficiários (fideicomissários) que se tornassem fiduciários de bens a serem transmitidos a outros beneficiários.
O que houve, isso sim, foi a regular substituição de um dos sujeitos (no caso, o fideicomissário) em razão de sua morte, o que foi feito em conformidade com o art. 1729 do Código Civil de 1916 (atual art. 1947), acima transcrito.
Ao contrário do que argumenta a recorrente, o acórdão recorrido não criou tipo híbrido de fideicomisso. Reconheceu, apenas, que a par da substituição fideicomissária, operou-se a substituição vulgar do fideicomissário. Como lecionava Caio Mário:
Não é, porém, vedado conciliar o fideicomisso com a substituição vulgar, designando um substituto para o caso de o fideicomissário não poder ou não querer aceitar. Esta conjugação das duas espécies (vulgar e fideicomissária) é o que na linguagem dos autores se designava, e ainda pode denominar-se substituição compendiosa, por encerrar num só ato o resumo ou compêndio da ambas. (ob. cit., p. 330).
A previsão testamentária, como se vê, é válida e não repugna o que se entende sobre a matéria:
A substituição compendiosa constitui um misto de substituição vulgar e de substituição fideicomissária. É o que se verifica na hipótese em que o testador dá substituto ao fiduciário ou ao fideicomissário, prevendo que um ou outro não queira ou não possa aceitar a herança ou o legado, hipótese essa que não viola o Código Civil, art. 1.960, visto que tal substituição continua sendo de segundo grau. (Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito das Sucessões, Saraiva, 26ª edição, p. 402).
Também caduca o fideicomisso se o fideicomissário falecer antes do fiduciário, consolidando-se a propriedade nas mãos deste (art. 1958). Isso também ocorre se o fideicomissário falecer antes do testador. Tais disposições são de caráter supletivo, e nada impede que o testamento estabeleça substituições vulgares no caso de pré-falecimento, renúncia ou indignidade do fideicomissário. (Arnoldo Wald, Direito Civil, Direito das Sucessões, Saraiva, 15ª edição, p. 303)
Sobre a viabilidade da solução adotada pelo acórdão recorrido, assim arremata Pontes de Miranda:
Se a verba estatui “lego a A, passando a B aos 30 anos, ou, se B tiver falecido, ou se já se casou, a C, por morte de A”, vale. A é fiduciário, B e C fideicomissários condicionais disjuntivos (ou B ou C), substituindo C a B em caso de morte. (Tratado de Direito Privado, Tomo 58, Bookseller, 1ª edição, p. 301);
O próprio parecer citado pela recorrente, embora seja de conclusão que ela aponta ser-lhe favorável, contém o seguinte trecho que se harmoniza com o que dito acima:
Nosso ordenamento jurídico admite a chamada substituição vulgar plúrima, que consiste na nomeação de vários substitutos para, simultaneamente, assumirem o lugar do fiduciário e⁄ou do fideicomissário, na falta de um deles ou de ambos, no momento da abertura da sucessão e⁄ou da substituição.
Em resumo, o que se veda é a substituição fiduciária além do segundo grau. O fideicomissário, porém, pode ter substituto, que terá posição idêntica ao do substituído. O substituto não recebe do fideicomissário, mas do fiduciário (continua no segundo grau), pois o que a lei proíbe é a sequência de fiduciários, não a substituição vulgar do fiduciário ou do fideicomissário. Assim, não se pode mandar que o fideicomissário entregue a terceiros, mas pode ser prevista sua substituição em caso de sua morte.
Veja-se que o art. 1738 do Código Civil de 1916 (atual art. 1958), que dispõe sobre a caducidade do fideicomisso em caso de premoriência do fideicomissário com relação ao fiduciário, remete ao art. 1735 (atual art. 1955). Este último prevê que, caducando o fideicomisso, a propriedade do fiduciário deixa de ser resolúvel, se não houver disposição contrária do testador. Não se cuida, portanto, de regra legal cogente, mas, ao contrário, dispositiva, segundo texto expresso de lei.
Conclui-se, portanto, que as disposições testamentárias questionadas pela recorrente são válidas e atêm-se ao poder de disposição conferido pela lei.
Acrescente-se, ainda, que é dado ao testador regular termos e condições da deixa testamentária. No caso, foi estabelecido o termo de 20 anos ou, no caso de morte do fideicomissário, a data em que o mais jovem sucessor deste atingisse a maioridade, disposição que também se insere no poder de disposição do particular.
Uma pequena correção, porém, deve ser feita no dispositivo do acórdão recorrido. Não se deve entender que 25% das quotas das pessoas jurídicas devam ser transmitidas aos recorridos, mas que devem ser transmitidas 25% das quotas e respectivos rendimentos que a testadora possuía em sua parte disponível (e que vinham sendo administradas pela fiduciária). Não se está aqui a reexaminar fatos nem a dar nova interpretação a cláusulas contratuais, apenas se aceitam os fatos tais como descritos no acórdão recorrido (e-STJ 979):
“Na verdade, o testamento em discussão foi lavrado por Erenita Helena Groschke Cavalcanti Lundgren em favor de seus filhos, Anita Louise Regina Harley, Robert Bruce Harley Junior e Anna Helena Christina Harley Lundgren, quanto à parte disponível do seu patrimônio, formado por ações e cotas societárias…”
Não se definiu, por ora, quantas ações ou quotas societárias compunham o acervo transmitido. Do acórdão também se colhe o seguinte (e-STJ fl. 988, grifei):
“Naquela ocasião, entendeu a testadora, Sra. Erenita Helena Groschke Cavalcanti Lundgren, de destinar, quanto à parte disponível de seu patrimônio, formada por ações e cotas societárias das empresas Nopasa – Nova Pirajuí Administração S⁄A e Zodiac Empreendimentos e Participações S⁄A, da seguinte forma: 50% (cinquenta por cento) delas à Sra. Anita Louise Regina Harley; 25% (vinte e cinco por cento) à Robert Bruce Harley Jr., e, finalmente, 25% (vinte e cinco por cento) à Anna Christina Harley Lundgren.”
Evidentemente que o resultado desses 25% será definido após ultimado o competente processo de inventário e partilha, quando será apurada a legítima de cada herdeiro necessário e a parte disponível, na qual se situam as ações e cotas objeto da disposição testamentária e do fideicomisso extinto em 7.11.2001. Não significam, necessariamente, 25% de todas as quotas das sociedades mercantis em questão, a não ser que se admita, o que não é sequer alegado, que a testadora detinha 100% das ações e quotas dessas sociedades e que todas elas estivessem compreendidas na parte disponível de seu patrimônio.
Deve, portanto, ser efetuada a correção do item “b” dos dispositivos do acórdão recorrido (e-STJ fl. 384), para que, onde se lê “passem à condição de proprietários de 25% (vinte e cinco por cento) das cotas e ações das empresas”, leia-se “sejam declarados proprietários de 25% (vinte e cinco por cento) das cotas e ações que constituíam a parte disponível do patrimônio da testadora, a serem oportunamente partilhadas, bem como seus respectivos rendimentos desde a data da extinção do fideicomisso 7.11.2001”.
Em face do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial de Nova Pirajuí Administração S.A. – NOPASA – e dou parcial provimento ao recurso de Anita Louise Regina Harley, tão-somente para ser feita a correção acima descrita.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.817 – PE (2010⁄0203210-5)
RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
RECORRENTE : NOVA PIRAJUÍ ADMINISTRAÇÃO S⁄A NOPASA
ADVOGADOS : CARLOS AUGUSTO SOBRAL ROLEMBERG
PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE
CARLOS ANDRADE LIMA
RECORRENTE : ANITA LOUISE REGINA HARLEY
ADVOGADOS : PETER DE CAMARGO E OUTRO(S)
JOSÉ AUGUSTO PINTO QUIDUTE E OUTRO(S)
RECORRIDO : ROBERT BRUCE HARLEY JÚNIOR – ESPÓLIO E OUTROS
REPR. POR : FRANCISCA DE PAULA TAVARES DA SILVA HARLEY – INVENTARIANTE
ADVOGADOS : EDUARDO GUIMARÃES FALCONE E OUTRO(S)
LUIZ ARMANDO BADIN
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presidente, inicialmente, saúdo os competentes e combativos advogados. Agradeço-os pelas esclarecedoras sustentações orais e pela entrega de memoriais. Cumprimento também a Ministra ISABEL GALLOTTI pelo cuidadoso e percuciente voto.
Realmente, o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco analisou as cláusulas testamentárias à luz do Código de 1916, concluindo pela legalidade dessas cláusulas, não havendo violação aos dispositivos legais invocados.
Acompanho o voto da Sra. Ministra Relatora. Entendo não se ter verificado, no caso, a caducidade do fideicomisso por existirem substitutos, e tampouco as disposições testamentárias teriam constituído um segundo fideicomisso. Portanto, nesse ponto, o acórdão recorrido não merece reparo.
Acompanho o voto da Sra. Ministra Relatora também quanto ao PROVIMENTO PARCIAL dado aos recursos da Nopasa e de Anita Harley.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2010⁄0203210-5
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.221.817 ⁄ PE
Números Origem: 01555482 120060482509 1516974 1555482
PAUTA: 10⁄12⁄2013 JULGADO: 10⁄12⁄2013
Relatora
Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : NOVA PIRAJUÍ ADMINISTRAÇÃO S⁄A NOPASA
ADVOGADOS : CARLOS AUGUSTO SOBRAL ROLEMBERG
PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE
CARLOS ANDRADE LIMA
RECORRENTE : ANITA LOUISE REGINA HARLEY
ADVOGADOS : PETER DE CAMARGO E OUTRO(S)
JOSÉ AUGUSTO PINTO QUIDUTE E OUTRO(S)
RECORRIDO : ROBERT BRUCE HARLEY JÚNIOR – ESPÓLIO E OUTROS
REPR. POR : FRANCISCA DE PAULA TAVARES DA SILVA HARLEY – INVENTARIANTE
ADVOGADOS : EDUARDO GUIMARÃES FALCONE E OUTRO(S)
LUIZ ARMANDO BADIN
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Inventário e Partilha
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). JOSÉ DIOGO BASTOS NETO, pela parte RECORRIDA: ROBERT BRUCE HARLEY JÚNIOR
Dr(a). JOSÉ AUGUSTO PINTO QUIDUTE, pela parte RECORRENTE: ANITA LOUISE REGINA HARLEY
Dr(a). CARLOS AUGUSTO SOBRAL ROLEMBERG, pela parte RECORRENTE: NOVA PIRAJUÍ ADMINISTRAÇÃO S⁄A NOPASA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento aos recursos especiais de Nova Pirajuí Administração S.A. – NOPASA e de Anita Louise Regina Harley, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Documento: 1288361 Inteiro Teor do Acórdão – DJe: 18/12/2013