CGJ|SP: Tabelião de Notas – Recusa de lavratura de escritura de rerratificação de compra e venda – Requerimento formulado pelos interessados e participantes do negócio – Recusa indevida, em razão do disposto nos itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ – Demonstração, ademais, pela prova documental, que o valor indicado na escritura lavrada não correspondeu ao real valor da transação, e que erro efetivamente ocorreu – Recurso provido.

PROCESSO Nº 2014/137496 – SÃO JOÃO DA BOA VISTA – A. B. M. dos S. e Outros – Advogado: R. F., OAB/SP XX.XXX. (386/2014-E)
TABELIÃO DE NOTAS – Recusa de lavratura de escritura de rerratificação de compra e venda – Requerimento formulado pelos interessados e participantes do negócio – Recusa indevida, em razão do disposto nos itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ – Demonstração, ademais, pela prova documental, que o valor indicado na escritura lavrada não correspondeu ao real valor da transação, e que erro efetivamente ocorreu – Recurso provido.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Trata-se de recurso administrativo interposto por A. B. M. dos S. e S. R. D. de M., contra a decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de São João da Boa Vista, que indeferiu o pedido de retificação de escritura de compra e venda de imóvel lavrada pela referida unidade, sob o fundamento de que nos termos dos itens 53 e 54 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, o ato lavrado somente pode ser retificado por erro, inexatidões materiais e irregularidades constatáveis documentalmente, e desde que não modifiquem a declaração de vontade das partes, porém, no caso vertente, não se pode afirmar com absoluta precisão que a escritura não refletiu a vontade das partes, além de a retificação pretendida atingir a esfera jurídica de entes públicos, onde não há consenso, o que é vedado pelo artigo 13 da Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça.
Afirmam os recorrentes que o valor da escritura não refletiu o efetivo preço estimado pelas partes para o negócio realizado, porque foi utilizado o valor real estimado pelo Município. Dizem que se torna fácil explicar o valor inserido pelo fato de a guia do ITVI não poder ser emitida por outro valor que não aquele estimado, sob pena de responsabilidade do Tabelião perante o fisco, situação que não passou pelo conhecimento dos envolvidos no negócio, porque são pessoas leigas.
Mencionam a declaração de renda do vendedor e do comprador, na qual consta que o imóvel possuía efetivamente o valor de R$ 100.000,00 e que por este preço foi realizada a transação, embora a escritura pública tenha atribuído erroneamente o valor de R$ 244.460,00, e que o único interesse é adequar a escritura à realidade do negócio, mantido o recolhimento do ITVI com base no valor venal do imóvel.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
Discute-se neste procedimento duas situações, uma referente à retificação que é realizada na própria escritura lavrada e outra referente à retificação de uma escritura mediante lavratura de outra, denominada “rerratificação”.
É cediço que as escrituras públicas como regra não comportam retificação e devem ser corrigidas por meio de lavratura de nova escritura pública e não por determinação judicial.
Como preleciona o eminente Pontes de Miranda: “falta competência aos juízes para decretar sanções e, até para retificar erros das escrituras públicas: escritura pública somente se retifica por outra escritura pública, e não por mandamento judicial” (RT 182/754  –  Tratado de Direito Privado – Tomo III, 338  –  pág. 361). No mesmo sentido é a lição de Washington de Barros Monteiro, na obra “Curso de Direito Civil”, vol. I, pág. 263.
Portanto, não cabe ao juiz retificar escrituras que encerram tudo que se passou e foi declarado perante o Oficial, tanto que os livros de notas sequer apresentam colunas de averbações destinadas a tal fim, justamente por inexistir previsão legal a respeito.
Não obstante, nos casos em que a retificação decorre de mero erro material, perceptível pela simples confrontação de documentos ou outras provas com o erro alegado, excepcionalmente se admite a retificação.
Neste sentido são os precedentes desta E. Corregedoria Geral da Justiça, a exemplo do Processo CG nº 2011/95458 no qual o parecer da lavra do MMº Juiz Auxiliar da Corregedoria Jomar Juarez Amorim foi aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça Maurício Vidigal, e dispõe que “…a retificação de escritura pública pelo próprio notário é cabível em situações excepcionais, de erro material evidente” e, em seguida, faz menção ao parecer no mesmo sentido da lavra do MMº Juiz Auxiliar da Corregedoria Walter Rocha Barone, no Processo CG nº 26.445/2010, o qual cita como precedentes os Processos CG nºs. 129/87, 114/89, 178/96 e 398/00.
Em suma, quando se trata de erro material facilmente constatado, é possível em caráter excepcional a retificação pelo Tabelião, porém, nos demais casos, exige-se a correção mediante lavratura de nova escritura, destinada a retificar o erro existente naquela já lavrada e confirmar os seus demais termos que não foram objeto da retificação.
Nesta última hipótese, na qual o erro não é meramente material, exige-se a presença de todos aqueles que participaram do ato anterior.
Ambas as hipóteses mencionadas estão disciplinadas nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, no Capítulo XIV, itens 53 e 54, que assim dispõem:
53. Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, constatáveis documentalmente e desde que não modificada a declaração de vontade das partes nem a substância do negócio jurídico realizado, podem ser corrigidas de ofício ou a requerimento das partes, ou de seus procuradores, mediante ata retificativa lavrada no livro de notas e subscrita apenas pelo tabelião ou por seu substituto legal, a respeito da qual se fará remissão no ato retificado.
53.1. São considerados erros, inexatidões materiais ou irregularidades, exclusivamente:
a) omissões e erros cometidos na transposição de dados constantes dos documentos exibidos para lavratura do ato notarial, desde que arquivados na serventia, em papel, microfilme ou documento eletrônico;
b) erros de cálculo matemático;
c) omissões e erros referentes à descrição e à caracterização de bens individuados no ato notarial;
d) omissões e erros relativos aos dados de qualificação pessoal das partes e das demais pessoas que compareceram ao ato notarial, se provados por documentos oficiais;
54. Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, quando insuscetíveis de saneamento mediante ata retificativa, podem ser remediados por meio de escritura de retificação-ratificação, que deve ser assinada pelas partes e demais comparecentes do ato rerratificado e subscrita pelo Tabelião de Notas ou pelo substituto legal.
A interpretação destas normas autoriza concluir que não é possível a retificação na própria escritura nos casos de alteração da vontade das partes ou modificação da substância do ato, e que, a contrário senso, se houver alteração da vontade das partes ou modificação da substância do ato, independentemente de decorrer ou não de erro, deve-se proceder na forma estabelecida no item 54, qual seja, mediante lavratura de nova escritura com a presença e concordância de todos os envolvidos e participantes da escritura anteriormente lavrada.
Ainda que assim não se entenda e, apenas a título de argumentação, se considere possível a alteração na forma do item 54 apenas se decorrente de erro no sentido estrito da palavra, no caso vertente, a prova documental é suficiente para concluir pela sua ocorrência.
Com efeito, as declarações de renda dos participantes do ato e ora recorrentes, trazidas aos autos, corroboram a alegação de que houve erro porque o valor que constou da escritura não refletiu o real valor do negócio jurídico celebrado, e, conforme bem observado nas razões do recurso, este valor que constou da escritura representou o valor venal lançado no IPTU, correspondeu ao valor da guia do ITVI emitida pelo Tabelião, o qual assim procedeu para se eximir de responsabilidade fiscal, cujo recolhimento foi realizado pelos recorrentes.
No sentido do exposto são os precedentes colacionados pelos recorrentes e o r. parecer da Dra. Procuradora de Justiça.
À vista do exposto, o parecer que respeitosamente submeto ao exame de Vossa Excelência, é de que seja dado provimento ao recurso, para determinar ao Tabelião a lavratura da escritura de rerratificação, conforme requerido.
Sub Censura.
São Paulo, 15 de dezembro de 2014.
ANA LUIZA VILLA NOVA
Juíza Assessora da Corregedoria Geral da Justiça.
CONCLUSÃO
Aprovo o parecer da MMª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso, para determinar ao Tabelião que lavre a escritura de rerratificação requerida pelos interessados.
Publique-se.
São Paulo, 07/01/2015
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça
DJe de 20/01/2015