CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Carta de arrematação – Impossibilidade de registro, diante da quebra do princípio da especialidade objetiva – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3008446-63.2013.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante SANDRO LUIZ ZANINI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SÃO VICENTE.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 3 de março de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 3008446-63.2013.8.26.0590
Apelante: Sandro Luiz Zanini
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Vicente
VOTO N° 34.160
Registro de imóveis – Dúvida – Carta de arrematação – Impossibilidade de registro, diante da quebra do princípio da especialidade objetiva – Recurso desprovido.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do Registro de Imóveis de São Vicente, que se nega a registrar carta de arrematação.
Ao que consta dos autos, o interessado arrematou, em execução que teve curso perante a Justiça do Trabalho, o bem descrito à fl. 30. A carta não foi registrada, porque o Oficial entendeu que haveria quebra dos princípios da especialidade objetiva e unitariedade da matrícula, já que o prédio arrematado está edificado nos terrenos objetos das matrículas de números 3.910 e 45.713, de modo que o registro dependeria de prévia retificação das matrículas e unificação dos terrenos.
A sentença acolheu esse entendimento e julgou procedente a dúvida.
O recorrente afirma, em resumo, que o titulo levado a registro espelha os elementos da matrícula e que o Oficial baseou sua recusa em certidão passada pelo Município de São Vicente, o que não faz parte do registro imobiliário. Diz, também, que não há qualquer ato lançado na matrícula capaz de levar à conclusão de que o imóvel tem vínculo com outra. Obtempera, por fim, que a descrição imprecisa, decorrente de transcrição anterior, não pode ser óbice ao registro de título que espelhe os dados da matrícula.
A Douta Procuradoria opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
O recurso não merece provimento.
Ressalte-se, desde logo, que a origem judicial do título não torna prescindível a qualificação registrária, conforme pacífico entendimento deste Conselho Superior da Magistratura:
Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental (Ap. Cível n° 31881-0/1).
Ao contrário do que afirma o recorrente, o título não espelha a descrição do imóvel da matrícula.
Com efeito, a carta de arrematação, (fl. 30) descreve o imóvel da seguinte maneira: imóvel de matrícula 45713 do Cartório de Registro de Imóveis de São Vicente, características do imóvel: prédio e terreno situado na Rua Frei Gaspar, 1066 – Centro – São Vicente/SP, com 7,87m de frente por 20m aos fundos.
Deveras, a descrição inicial da matrícula 45.713 – fls. 12 – é essa: uma casa residencial sob o n. 1066 da Rua Frei Gaspar, sito nesta cidade, e seu respectivo terreno que mede 7,87m de frente, por 20m da frente aos fundos.
No entanto, é necessário que se examinem as duas matrículas, de números. 45.713 e 3.910, por inteiro.
Na abertura da matrícula 3.910 vê-se a descrição do seguinte imóvel: terreno que mede 7,87 metros de frente para a Rua Frei Gaspar, neste Município e Comarca de São Vicente, deste Estado, por 20 metros da frente aos fundos, dividindo de lado com a parte restante do terreno do qual foi desmembrado, pertencente a Ermelinda Jorge Duarte: de outro divide com quem de direito e nos fundos onde mede 7,87 metros divide com José Alves Gomes, incluindo as benfeitorias existentes sobre referido terreno, consistente de um chalé de madeira, com frente para a Rua Frei Gaspar, sem número.
Indaga-se: qual o ‘terreno do qual foi desmembrado, pertencente a Ermelinda Jorge Duarte’? Pois é exatamente o terreno – mais precisamente, o imóvel – da matricula 45.713 (é possível que Ermelinda Jorge Duarte e Ermelinda Jesus Dias – fl. 12v – sejam a mesma pessoa).
Logo, inicialmente, havia dois terrenos, um desmembrado do outro, relativos a duas matrículas. Posteriormente, Ramez Lascani adquiriu ambos. Pode-se ver, do R.4 da matrícula 3.910, que ele adquiriu o imóvel em 20 de abril de 1979, verificando-se, do R.1 da matrícula 45.713, que adquiriu o outro imóvel no mesmo dia 20 de abril de 1979. Ou seja, Ramez Lascani passou a ser o proprietário constante das duas matrículas.
Na condição de proprietário, averbou a demolição do chalé que existia no terreno da matrícula 3.910 (Av. 5) e a demolição do prédio n. 1.066 da Rua Frei Gaspar, constante da matrícula 45.713 (Av. 2).
Na sequência, em 20 de novembro de 1979, averbou, em ambas as matrículas, a construção de um salão, que tomou o número 1.066 da Rua Frei Gaspar. Tratam-se, respectivamente, das averbações 6 e 3. Vale dizer, o salão ocupou os terrenos de ambas as matrículas e, consequentemente, foi averbada a construção nas duas.
Pode-se inferir da matrícula, também, que Ramez Lascani era sócio da Empresa Jornalística São Vicente Jornal e os dois passaram a ser réus em processos de execução. Sobrevieram penhoras, averbadas, sempre, nas duas matrículas. Foi exatamente o que aconteceu na execução de onde se originou a presente arrematação. Cuida-se da execução ajuizada por Marcelo Francisco, com penhoras averbadas (Av. 11 e Av. 9) em 22 de junho de 2009.
A arrematação, contudo, teve por objeto somente o bem imóvel da matrícula 45.713. Que bem imóvel é esse, que foi objeto da arrematação? Segundo o titulo, um prédio e terreno situado na Rua Frei Gaspar, 1066 – Centro – São Vicente/SP, com 7,87m de frente por 20m aos fundos.
Ora, esse prédio e terreno situado na Rua Frei Gaspar, 1066 Centro – São Vicente/SP, com 7,87m de frente por 20m aos fundos nem existe mais. Ele foi demolido em 1979 e o arrematante tinhaconhecimento disso, pois a demolição está averbada (Av. 2). O que existe,hoje, é um salão, que, no entanto, de acordo com as Av. 6 e 3, dasmatrículas 3.910 e 45.713, embora tenha tomado o n° 1.066 da Rua FreiGaspar, não é o prédio descrito na carta de arrematação.
O arrematante não pode alegar ignorância desses fatos, pois as averbações deram publicidade às demolições e à construção de um salão, sobre os imóveis de ambas as matrículas.
O registro da carta de arrematação implicaria evidente quebra do princípio da especialidade objetiva. Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro.
Aliás, é de se perguntar: o que aconteceria se, registrada a carta de arrematação, sobreviesse, nas demais execuções trabalhistas, arrematação do imóvel objeto da matrícula 3.910?
Se o arrematante entende, conforme o título, que arrematou um prédio e terreno situado na Rua Frei Gaspar n. 1.066, o que aconteceria se o mesmo prédio da Rua Frei Gaspar n. 1.066 fosse arrematado, como objeto da matrícula 3.910, em outro processo (basta ver a Av. 6 da matrícula 3.910 para se perceber que a construção do salão que recebeu o n. 1.066 da Rua Frei Gaspar abrange também o imóvel da matrícula 45.713)?
O embaraço na resposta a essas perguntas decorre do fato de que o título está equivocado. Ignoraram-se as averbações e levou-se à praça um bem imóvel com descrição imprecisa, falha. Isso, porém, não se coaduna com o princípio da especialidade objetiva, que deve ser respeitado.
Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, nego provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
(DJe de 30.04.2015 – SP)