STJ: Civil – Direito das Sucessões – Cônjuge – Herdeiro necessário – Art. 1.845 do CC – Regime de Separação Convencional de Bens – Concorrência com descendente – Possibilidade – Art. 1.829, I, do CC.
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.382.170 – SP (2013/0131197-7)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
RECORRENTE : FLÁVIA MATARAZZO
ADVOGADOS : FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS E OUTRO(S)
JOSÉ BEN HUR DE ESCOBAR FERRAZ JUNIOR
FLÁVIO CÉSAR DE TOLEDO PINHEIRO E OUTRO(S)
RECORRIDO : SILVIA MARIA ARANHA MATARAZZO
ADVOGADOS : MARIO SERGIO DE MELLO FERREIRA
FERNANDO SILVA PRIORE E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC.
1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil).
2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil.
3. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Raul Araújo acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro João Otávio de Noronha e negando provimento ao recurso especial, por maioria, negar provimento ao recurso especial, vencido o Sr. Ministro Moura Ribeiro, Relator.
Lavrará o acórdão o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
Brasília (DF), 22 de abril de 2015(Data do Julgamento)
MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.382.170 – SP (2013/0131197-7)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
RECORRENTE : FLÁVIA MATARAZZO
ADVOGADOS : FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS E OUTRO(S)
JOSÉ BEN HUR DE ESCOBAR FERRAZ JUNIOR
FLÁVIO CÉSAR DE TOLEDO PINHEIRO E OUTRO(S)
RECORRIDO : SILVIA MARIA ARANHA MATARAZZO
ADVOGADOS : MARIO SERGIO DE MELLO FERREIRA
FERNANDO SILVA PRIORE E OUTRO(S)
VOTO-VENCIDO
O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO:
Trata-se de recurso especial interposto por FLÁVIA MATARAZZO com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo com a seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário. Decisão que declarou o cônjuge supérstite não herdeiro nem meeiro – Viúva que foi casada com o autor da herança pelo regime da separação convencional. Decisão que contraria a lei, em especial os arts. 1.845 e 1.829 do Código Civil. Decisão reformada. Agravo provido (e-STJ, fl. 351).
A recorrente aponta ofensa ao art. 1.829, I, do CC/02, além de dissídio jurisprudencial.
Afirma, em síntese, que o cônjuge casado no regime de separação convencional de bens, com pacto nupcial, não concorre com herdeiro necessário do autor da herança.
Sustenta que o acórdão recorrido contrariou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a qual, no julgamento do Recurso Especial nº 992.749/MS, firmou o entendimento de que tanto na separação legal como na separação convencional, não remanesce, para o cônjuge, direito à meação, tampouco à concorrência, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte (e-STJ, fl. 383).
Acrescenta que o Tribunal a quo violentou a vontade do defunto, concedendo herança ao cônjuge sobrevivente, como se fosse ‘herdeiro necessário’, quando, na verdade, a viúva é apenas herdeira testamentária (e-STJ, fl. 383).
Contrarrazões do recurso especial (e-STJ, fls. 452/471).
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso especial (e-STJ, fls. 487/502).
É o relatório.
VOTO-VENCIDO
O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO:
Na sessão de julgamento da Terceira Turma, aos 18/11/2014, o presente feito foi afetado para que o tema aqui destacado (interpretação do art. 1.829, I, do CC/02) possa ter entendimento pacificado no âmbito desta Seção, considerando a existência de precedentes divergentes nas Turmas julgadoras.
Na referida sessão, tendo em vista que no julgamento do Recurso Especial nº 1.472.945/RJ, realizado na sessão do dia 23/10/2014, da relatoria do Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, a Terceira Turma, por maioria de votos, modificou o entendimento que até então prevalecia, o que foi retratado no Recurso Especial nº 992.749/MS, da relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI, meu voto seguiu no sentido de prestigiar a maioria, ressalvado o meu entendimento contrário.
Naquela oportunidade, se discutiu o alcance da norma do art. 1.829, I, do CC/02, e a Terceira Turma concluiu que:
[…] a mais adequada interpretação, no que diz respeito à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autos da herança, sendo essa, de resto a interpretação literal, lógica e sistemática do próprio dispositivo […].
Agora, diante da afetação da matéria para esta Segunda Seção, apresento meu posicionamento sobre o tema, baseado no voto-vista que proferi no julgamento do aludido recurso, no qual fui vencido, para que a questão seja debatida por todos os ilustres componentes.
De início, conquanto se combata no apelo nobre decisão interlocutória proferida em ação de inventário, não se deve aplicar a regra do art. 542, § 3º, do CPC, ao caso concreto, porque o procedimento pode se encerrar sem que haja propriamente decisão de mérito.
Presentes os requisitos de admissibilidade, passo ao exame do mérito do recurso especial.
A questão central da lide é a interpretação do art. 1.829, I, do CC/02, no que se refere ao regime de separação convencional total de bens, visando definir a possibilidade de participação da cônjuge supérstite na sucessão do autor da herança como herdeira necessária e em concorrência com a descendente do falecido.
A recorrida, casada sob o regime da separação convencional total de bens, interpôs na origem agravo de instrumento contra decisão proferida nos autos do inventário de FRANCISCO MATARAZZO, seu marido, porque não foi reconhecida a sua condição de meeira e nem sequer de herdeira necessária.
O Tribunal local proveu o recurso porque a viúva não foi casada com o autor da herança pelo regime da separação obrigatória , assim não se aplica a ela a exceção legal que impede certas pessoas de sucederem na condição de herdeiro necessário (e-STJ, fl. 353). Acrescentou que essa era a vontade do falecido, que inclusive a beneficiou no testamento que deixou (e-STJ, fls. 355/356).
A recorrente sustenta que cônjuge casado no regime de separação convencional de bens, com pacto nupcial, não concorre com herdeiro necessário do autor da herança.
Foge à minha compreensão jurídica que o regime da separação convencional total de bens não produza efeitos após a morte de um dos cônjuges.
Não pode haver efeito jurídico diverso para quem se casa com pacto de separação total de bens, diante dos que se casam em tal regime por força de lei, porque a norma não fez tal distinção. Isso porque não tem sentido possibilitar aos cônjuges a livre escolha do regime de bens, formalizada no pacto antenupcial, para depois lhes negar os efeitos práticos do regime licitamente escolhido.
O art. 1.687 do CC/2002 dispõe que estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
Cabe esclarecer que o art. 1.829, I, do CC/02 estabelece que a sucessão legítima é deferida aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado com o falecido no regime da separação obrigatória de bens.
Portanto, a melhor exegese é aquela que entende não ser possível a alteração dos efeitos jurídicos do regime matrimonial post mortem na separação convencional de bens, devendo ser mantida a coerência ante a vontade manifestada pelos cônjuges durante a vida em comum.
Dessarte, pouco importa se os cônjuges permaneceram casados por poucos meses ou longos anos, pois o direito à sucessão não pode ser visto como um “prêmio” concedido ao cônjuge supérstite, mas, sim, como um direito que lhe é resguardado em respeito ao regime de bens que adotaram e à proteção que cada um quis dar à sua prole post mortem .
A liberdade prevista no art. 5º, caput, da CF, é sintetizada na autonomia da vontade no âmbito do Direito privado, desde que ele não o vede.
O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e impede a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, corrobora a interpretação conjunta dos arts. 1.829, I, e 1.687 do CC/02.
Não há que se confundir regime de bens e direito sucessório, mas há que se interpretar, de forma sistemática, os dispositivos legais que permitam a preservação dos fins da livre manifestação de vontade admitida pela lei, já que aquele deita efeitos sobre este.
O regime da separação total de bens é obrigatório tanto por força do pacto antenupcial quanto por força de lei, e os seus objetivos jurídicos devem preponderar.
Interpretação diversa esvaziaria o art. 1.687 do CC/02 e, por consequência, a livre manifestação da vontade no momento crucial da morte de um dos cônjuges.
Esse é o posicionamento de MIGUEL REALE:
Se o cônjuge casado no regime de separação de bens fosse considerado herdeiro necessário do autor da herança, estaríamos ferindo substancialmente o disposto no art. 1.687, sem o qual desapareceria todo o regime da separação de bens, em razão do conflito inadmissível entre esse artigo e o art. 1.829, I, fato que jamais poderá ocorrer numa codificação à qual é inerente o princípio da unidade sistemática.
Entre uma interpretação que esvazia o art. 1.687 no momento crucial da morte de um dos cônjuges e uma outra que interpreta de maneira complementar os dois citados artigos, não se pode deixar de dar preferência à segunda solução, a qual, ademais, atende à interpretação sistemática, essencial à exegese jurídica.
Se, no entanto, apesar da argumentação por mim aqui desenvolvida, ainda persistir a dúvida sobre o inc. I do art. 1.829, o remédio será emendá-lo, eliminado o adjetivo “obrigatória”. Com essa supressão o cônjuge sobrevivente não teria a qualidade de herdeiro, ‘se casado com o falecido no regime de comunhão universal, ou no de separação de bens’. (“Estudos Preliminares do Código Civil”. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, pág. 63).
EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE compartilha do mesmo entendimento:
A coerência e cientificidade de Reale mais uma vez se impõe: desconsiderar os efeitos decorrentes do regime de separação convencional revela-se, senão difícil, impossível, e desconsiderar a vontade manifesta das partes materializada no pacto antenupcial implicaria invalidar um ato jurídico formal, que produziu todos os efeitos durante a vida em comum do casal e, pois, não poderia deixar de valer após a morte de um de seus subscritores.
Desconsiderar o escopo da separação convencional, devidamente materializada no formalismo do pacto antenupcial, acarretaria uma insegurança jurídica que fica negada veementemente, pelas mais elementares noções de Direito. Ou, como agudamente concluiu Daneluzzi, ‘os titulares dos bens tinham certeza que eles permaneceriam no âmbito de determinada família; o que veio a causar espécie é que essas pessoas não terão mais a mesma certeza, o que poderá provocar insegurança jurídica, em que pesem as justificativas para tal mudança coadunarem com o anseio de transformação familiar, privilegiando a afetividade, em detrimento da consanguinidade’ (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.) “Comentários ao Novo Código Civil”. Ed. Forense, São Paulo, 5ª ed., 2009, v. XXI, pág. 277/278).
No julgamento do REsp nº 1.111.095/RJ pela Quarta Turma, o Ministro FERNANDO GONÇALVES proferiu voto-vista seguindo a citada orientação doutrinária de MIGUEL REALE e concluiu que a melhor exegese do art. 1.829, I, do CC/02 não é a que considera o cônjuge sobrevivente, casado no regime de separação convencional de bens, herdeiro necessário.
Confira-se, por oportuno, a argumentação utilizada:
De fato, o legislador reconhece aos nubentes, já desde o Código Civil de 1916, a possibilidade de autodeterminação no que se refere ao seu patrimônio, autorizando-lhes a escolha do regime de bens, dentre os quais o da separação total, no qual, segundo Pontes de Miranda, “os patrimônios dos cônjuges permanecem incomunicáveis, de ordinário sob a administração exclusiva de cada cônjuge, que só precisa da outorga do outro cônjuge, para a alienação dos bens de raiz” (Tratado de Direito Privado. São Paulo: Ed. Borsói, tomo 8, p. 343), incomunicabilidade que se perpetua com o falecimento de um deles, dada a possibilidade de se excluir o cônjuge sobrevivente da qualidade de herdeiro, através de testamento, como no caso em comento.
Assim, qualquer que seja a razão pela qual os cônjuges decidem por renunciar um ao patrimônio do outro, essa determinação é respeitada pela lei anterior. No novo Código Civil, porém, adotada interpretação literal do art. 1829, se conclui pela inclusão do cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário, o que no caso de separação convencional de bens, significa que é concedido aos consortes liberdade de autodeterminação em vida, retirada essa, porém, com o advento da morte, transformando a sucessão em uma espécie de proteção previdenciária.
Cuida-se, iniludivelmente, de quebra na estrutura do sistema codificado. Com efeito, não há como compatibilizar as disposições do art. 1639, que autoriza os nubentes a estipular o que lhes aprouver em relação a seus bens, bem como do art. 1687, que permite a adoção do regime de separação absoluta de bens (afastando, inclusive, a necessidade de outorga do outro cônjuge para a alienação de bens), com os termos do art. 1829, que eleva o cônjuge sobrevivente à qualidade de herdeiro necessário, determinando, inexoravelmente, a comunicabilidade dos patrimônios. De fato, seria de se questionar o porquê de se escolher a incomunicabilidade de bens, se eles necessariamente se somarão no futuro.
Tal inconsistência é apontada pelo Professor Miguel Reale, que a respeito do tema assim se pronuncia, verbis:
Em um código os artigos se interpretam uns pelos outros”, eis a primeira regra de Hermenêutica Jurídica estabelecida pelo Jurisconsulto Jean Portalis, um dos principais elaboradores do Código Napoleão.
Desse entendimento básico me lembrei ao surgirem dúvidas quanto ao verdadeiro sentido do inciso I do art. 1.829 do novo Código Civil, segundo o qual a sucessão legítima cabe, em primeira linha, aos “descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal de bens ou da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”.
Há quem entenda que, desse modo, o cônjuge seria herdeiro necessário também na hipótese de ter casado no regime de separação de bens (art. 1.687), o que não me parece aceitável.
Essa dúvida resulta do fato de ter o art. 1.829, supratranscrito, excluído o cônjuge somente no caso de “separação obrigatória”. A interpretação desse dispositivo isoladamente pode levar a uma conclusão errônea, devendo, porém, o intérprete situá-lo no contexto sistemático das regras pertinentes à questão que está sendo examinada. (Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61 e 62)
Tecidas essas considerações, o ilustre professor faz um aparte para explicar a razão pela qual se teve por bem incluir o cônjuge como herdeiro necessário foi a alteração do regime legal de bens, da comunhão para a comunhão parcial, o que pode resultar em nada sobrar para o meeiro, se o patrimônio do falecido se compuser exclusivamente de bens particulares. De todo modo, sobre a interpretação do art. 1.829, I, concluiu: Recordada a razão pela qual o cônjuge se tornou herdeiro, não é demais salientar a importância que o elemento histórico tem no processo interpretativo. Tendo, pois, presente a finalidade que o legislador tinha em vista alcançar, estamos em condições de analisar melhor o sentido do mencionado inciso, mantida que seja sua redação atual.
Nessa ordem de idéias, duas são as hipóteses de separação obrigatória: uma delas é a prevista no parágrafo único do art. 1.641, abrangendo vários casos; a outra resulta da estipulação feita pelos nubentes, antes do casamento, optando pela separação de bens.
A obrigatoriedade da separação de bens é uma conseqüência necessária do pacto concluído pelos nubentes, não sendo a expressão ‘separação obrigatória’ aplicável somente nos casos relacionados no parágrafo único do art. 1641.
Essa minha conclusão ainda mais se impõe ao verificarmos que – se o cônjuge casado no regime de separação de bens fosse considerado herdeiro necessário do autor da herança – estaríamos ferindo substancialmente o disposto no art. 1687, sem o qual desapareceria todo o regime de separação de bens, em razão de conflito inadmissível entre esse artigo e o art. 1829, inc. I, fato que jamais poderá ocorrer numa codificação à qual é inerente o princípio da unidade sistemática.
Entre uma interpretação que esvazia o art. 1687 no momento crucial da morte de um dos cônjuges e uma outra que interpreta de maneira complementar os dois citados artigos, não se pode deixar de dar preferência à segunda solução, a qual, ademais, atende à interpretação sistemática, essencial á exegese jurídica. (Op. cit, p. 62 e 63).
Pouco resta a acrescentar.
De fato, a interpretação ampliativa do termo “separação obrigatória”, constante do art. 1829, inciso I, do Código Civil de 2002, para abranger não somente as hipóteses elencadas no art. 1640, parágrafo único, mas também os casos em que os cônjuges estipulam a separação absoluta de seus patrimônios, não esbarra na intenção do legislador quando decide corrigir eventuais injustiças decorrentes da alteração do regime legal, ao mesmo tempo em que respeita o direito de autodeterminação concedido aos cônjuges no atinente a seu patrimônio tanto pela legislação anterior, quanto pela presente.
Além disso, se evita a perplexidade retratada no caso em comento, no qual os cônjuges de maneira cristalina e reiterada estipulam a forma de destinação de seus bens e acabam por ter suas determinações feridas, ainda que post mortem .
Cumpre assinalar que a proteção ao cônjuge sobrevivo, para aqueles que não se conformam com a renúncia ao patrimônio do falecido feita quando da escolha do regime de bens, pode se dar por outras formas que não sua qualificação como herdeiro necessário, a exemplo da estipulação de usufruto vitalício a seu favor, nos exatos moldes do presente caso.
Naquela oportunidade, o Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, com propriedade, consignou no seu voto-vista as seguintes conclusões:
– tendo sido fixado, em pacto antenupcial firmado sob a égide do Código Civil de 1916, o regime de separação de bens, em estrita observância ao referido princípio da autonomia da vontade, lei alguma posterior poderia alterá-lo por se tratar de ato jurídico perfeito;
– permanecendo, portanto, com plena eficácia, o pacto antenupcial, devem ser respeitados os atos jurídicos subseqüentes, dele advindos, especialmente o testamento celebrado por um dos cônjuges;
– existe no plano sucessório, influência inegável do regime de bens no casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e sem relacionamento no tocante às causas e aos efeitos esses institutos que a lei particulariza nos direitos de família e das sucessões;
– a dissolução do casamento pela morte dos cônjuges não autoriza que a partilha de seus bens particulares seja realizada por forma diversa da admitida pelo regime de bens a que submetido o casamento e nem transforma o testamento, se feito por qualquer deles em conformidade com as disposições da lei e levando em conta o pacto antenupcial adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito e inacabado.
O aludido julgado ficou com a seguinte ementa:
DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. PACTO ANTENUPCIAL. SEPARAÇÃO DE BENS. MORTE DO VARÃO. VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL. ATO JURÍDICO PERFEITO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. HERDEIRO NECESSÁRIO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA.
1. O pacto antenupcial firmado sob a égide do Código de 1916 constitui ato jurídico perfeito, devendo ser respeitados os atos que o sucedem, sob pena de maltrato aos princípios da autonomia da vontade e da boa-fé objetiva.
2. Por outro lado, ainda que afastada a discussão acerca de direito intertemporal e submetida a questão à regulamentação do novo Código Civil, prevalece a vontade do testador. Com efeito, a interpretação sistemática do Codex autoriza conclusão no sentido de que o cônjuge sobrevivente, nas hipóteses de separação convencional de bens, não pode ser admitido como herdeiro necessário.
3. Recurso conhecido e provido” (REsp nº 1.111.096/RJ, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS, Rel. p. acórdão Ministro FERNANDO GONÇALVES, Quarta Turma, DJe de 11/02/2010).
EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, ao tratar do assunto, afirma que o art. 1.829, inciso I, do CC/02 deve ser interpretado de forma ampla, de modo a excluir da concorrência na herança o cônjuge sobrevivente com os descendentes, se casado com o falecido no regime da separação convencional:
‘o crucial e polêmico questionamento, sempre invocado, é o de se a previsão do art. 1.829, I, do Código Civil, exclui da concorrência o cônjuge sobrevivente com os descendentes na herança, apenas e tão-somente se casado com o falecido no regime da separação obrigatória, isto é, refere-se apenas à situação matrimonial imposta por lei, ou abrange, indistintamente, todo e qualquer regime de separação de bens, tanto o legal quanto o convencional (ou consensual).
Tudo aponta para uma exegese finalista (ou teleológica) que guarda coerência com o sistema civil brasileiro encarado como um todo e, portanto, tendente a interpretar a nova norma codificada de forma ampla, abrangendo, indistintamente, tanto o regime da separação legal de bens quanto o convencional (LEITE, Eduardo de Oliveira. “Comentários ao Novo Código Civil. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 5ª edição., 2009, vol. XXI, pág. 276).
ZENO VELOSO, sobre o dispositivo legal supracitado, afirma que o legislador cominou um ônus (impossibilidade de concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido na herança) aos que se casaram no regime de separação obrigatória de bens, porque o patrimônio que permaneceu incomunicável em vida não deve mudar de situação depois da morte, pelo menos com relação aos descendentes do falecido, que ficarão com todos os bens que ele deixou, sem precisar dividi-los com o cônjuge sobrevivente (“Direito hereditário do cônjuge e do companheiro”. Ed. Saraiva, São Paulo, 2010, p. 69/70).
MARIA BERENICE DIAS defende que a redação do art. 1.829, I, do CC/02 não atende ao princípio da razoabilidade, por afrontar a igualdade e a liberdade que sustentam o dogma maior da dignidade humana:
A falta de congruência da lei torna-se mais evidente ao se atentar que, no regime convencional da separação, em que um cônjuge não é herdeiro do outro, o sobrevivente é brindado com o direito de concorrer com os sucessores .
Tratamentos tão antagônicos e paradoxais não permitem identificar a lógica que norteou a casuística limitação levada a efeito pelo legislador. Quando se depara com situações que refogem à razão, não se conseguindo chegar a uma interpretação que se conforme com a justiça, há que reconhecer que deixou o codificador de atender ao princípio da razoabilidade, diretriz constitucional que cada vez mais vem sendo invocada para subtrair eficácia a leis que afrontam os princípios prevalentes do sistema jurídico. São a igualdade e a liberdade, que sustentam o dogma maior de respeito à dignidade humana. E nada, absolutamente nada autoriza infringência ao princípio da igualdade, ao se darem soluções díspares a hipóteses idênticas e tratamento idêntico a situações diametralmente distintas. Também nítida é a afronta ao princípio da liberdade ao se facultar a escolha do regime de bens e introduzir modificações que desconfiguram a natureza do instituto e alteram a vontade dos cônjuges.
Desarrazoado não disponibilizar a alguém qualquer possibilidade de definir o destino que quer dar a seus bens. (Disponível em http://www.mariaberenice.com.br, visualizado em 9/10/2014)
Ao dizer que a redação do inciso I do art. 1.829 do CC/02 é tormentosamente terrível , SÍLVIO DE SALVO VENOSA pontifica que em matéria de direito hereditário do cônjuge, assim como do convivente, este Código Civil de 2002 representa uma tragédia jurídica, um desprestígio e um despreparo do nosso meio jurídico e de nossos legisladores, tamanhas as impropriedades dos textos que afluem para perplexidades interpretativas e acrescenta que melhor será que seja reescrito e que se apague o que foi feito, como uma mancha na cultura jurídica nacional . Ressalta que o mal está feito e a lei está vigente , recomendando que ela seja aplicada da forma mais socialmente aceitável e adverte que injustiças e insegurança sociais serão inevitáveis (“Código Civil Interpretado”, Ed. Atlas, São Paulo, 2010, pág. 1.662)
O casal NERY também entende que a escolha do regime matrimonial deve ser preservada após a morte e que a regra inserida no art. 1.829, inciso I, do CC/02 não se coaduna com a finalidade do regime jurídico da separação de bens:
I: 16. Separação convencional. Crítica e sugestão “de lege ferenda”. O CC fez uma escolha política: quis, como regra, instituir como herdeiro necessário o cônjuge sobrevivente. (…)
De fato, a solução do CC 1829 I não se coaduna com a finalidade institucional do regime jurídico da separação de bens no casamento. Manifestações da doutrina e do público em geral evidenciam, entretanto, que a vontade da lei não corresponderia à vontade geral com relação, principalmente, à condição de herdeiro dos casados sob o regime da separação convencional de bens.
Destarte, fazemos sugestão para que a norma possa ser reformada, no sentido de excluir-se do CC 1829 I a expressão “obrigatória”, bem como a remissão equivocada ao CC 1640 par.ún.
Com isso, não concorreria com o herdeiro descendente do morto o casado sob o regime da separação de bens, em qualquer de suas modalidades (separação obrigatória e separação convencional) (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”. Ed. RT, São Paulo, 3ª ed., 2005, pág. 844).
Por isso, enquanto não houver a alteração legislativa, a melhor solução será interpretar o texto legal de acordo com o sistema jurídico estabelecido na Constituição Federal e no Código Civil.
É louvável a posição que vê na Lei Maior proteção ao cônjuge sobrevivente como corolário da dignidade da pessoa humana.
No entanto, sob outro prisma, os filhos teriam diminuída sua participação na herança, apesar da livre manifestação da vontade pactuada em vida pelos cônjuges, na maioria das vezes, com a pretensão de melhor proteger o direito sucessório da prole. E não se pode esquecer que os filhos também merecem a proteção da lei, visando a preservação da sua dignidade.
MAURO ANTONINI, que compartilha da posição aqui abraçada, também não vê solução para o cônjuge que pretende preservar íntegro o direito sucessório da prole, pois a única hipótese que vislumbra (pacto antenupcial com cláusula de exclusão da concorrência do cônjuge com os descendentes na sucessão causa mortis ), também necessitaria de um melhor olhar jurídico:
O problema não resolvido pelo atual Código – e parece ser a fonte de preocupação do professor Miguel Reale – é o receio do cônjuge, casado por separação convencional, de, com sua morte, parte de seu patrimônio se transferir ao sobrevivente e, depois, aos filhos exclusivos deste ou a um possível novo cônjuge. Não se vislumbra, no entanto, saída para essas situações em face da redação atual do art. 1.829, I. Uma
solução, “de lege ferenda”, seria a proposta pelo professor Miguel Reale, de suprimir a expressão obrigatória, passando a ser excluído da concorrência o cônjuge casado por qualquer modalidade de separação, convencional ou legal. A desvantagem seria a de que o sistema do atual Código, de proteger o cônjuge sobrevivente em cota hereditária nos bens particulares, seria desvirtuado, retrocedendo-se ao sistema do Código Civil de 1916, com significativo atraso em relação às legislações de outros países, mais avançadas, que conferem maior proteção ao viúvo.
Outra solução, também “de lege ferenda”, talvez mais apropriada, seria permitir que, no pacto antenupcial, ao se optar pela separação convencional, fosse possível acrescentar a exclusão da concorrência com os descendentes na sucessão “causa mortis”. A questão seria relegada, assim, à opção dos nubentes, segundo suas conveniências, preservando-se, em contrapartida, a possibilidade de manter a maior proteção do cônjuge pela qual optou o atual Código. Essa solução, como salientado, demanda alteração legislativa por causa da norma que veda o pacto sucessório (sobre a impossibilidade de pacto sucessório, ainda que para fins de renúncia a direito hereditário, em pacto antenupcial, confira-se lição de MONTEIRO, Washington de Barros. “Curso de Direito Civil, 21 ed. São Paulo, Saraiva, 1983, v. II, p. 152). Essa alteração legislativa parece possível, uma vez que, por exemplo, há disposições do Código Civil Português que permitem pacto sucessório restrito entre cônjuges no pacto antenupcial (cf. arts. 1.700 a 1.707) (PELUZO, Cezar (org.). “Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. Ed. Manole, São Paulo, 1ª ed., 2007, pág.1.822).
Por fim, o acórdão de relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI bem expressa o meu entendimento sobre a matéria:
Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência. – Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica. – Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal , no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.
– Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os descendentes.
– O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional . Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância.
– Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.
– Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos.
– No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte: (i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.
– A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida”.
– Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações.
– Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado.
– Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria.
– Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente, após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura pública.
– O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação viável do art. 1.829, inc. I, do CC/02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade. Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado prejudicado. (REsp nº 992.749/MS, Terceira Turma, julgado em 1º/12/2009, DJe 5/2/2010).
Feitas tais considerações, a melhor interpretação do art. 1.829, I, do CC/2002, é a que está em consonância com o disposto no art. 1.687 do mesmo diploma, valorizando a autonomia da vontade dos cônjuges na escolha do regime de bens, mantendo os seus efeitos jurídicos intactos após a morte de um deles.
Para finalizar, vale lembrar o ensinamento de CLÓVIS BELIVÁQUA no sentido de que o regime da separação pode resultar de pacto antenupcial ou da imposição da lei nos casos do art. 258, parágrafo único (“Código Civil dos Estados Unidos do Brasil”, Ed. Paulo Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, v. II, 1956, 11ª ed, pág. 156), o que melhor se coaduna com o disposto na norma em comento.
De outra parte, a pretensão da recorrente de redução do percentual do legado deixado pelo falecido à viúva não está respaldada em nenhuma dispositivo de lei federal, revelando a deficiência da fundamentação, o que atrai a incidência da Súmula nº 284 do STF.
Nessas condições, pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial para reformar o acórdão recorrido e declarar que a viúva supérstite, casada pelo regime da separação convencional de bens, não ostenta a qualidade de herdeira necessária, mas apenas de legatária instituída por testamento deixado pelo finado.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.382.170 – SP (2013/0131197-7)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
RECORRENTE : FLÁVIA MATARAZZO
ADVOGADOS : FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS E OUTRO(S)
JOSÉ BEN HUR DE ESCOBAR FERRAZ JUNIOR
FLÁVIO CÉSAR DE TOLEDO PINHEIRO E OUTRO(S)
RECORRIDO : SILVIA MARIA ARANHA MATARAZZO
ADVOGADOS : MARIO SERGIO DE MELLO FERREIRA
FERNANDO SILVA PRIORE E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC.
1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil).
2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil.
3. Recurso especial desprovido.
VOTO VENCEDOR
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:
Trata-se de recurso especial cuja questão de fundo diz respeito à possibilidade de o cônjuge supérstite participar, na sucessão, como herdeiro necessário – em concorrência, portanto,com os herdeiros do falecido – nos casos de casamento realizado sob o regime de separação convencional de bens.
O acórdão estadual consigna, em síntese, que “a viúva não foi casada com o autor da herança pelo regime da separação obrigatória, assim não se aplica a ela a exceção legal que impede certas pessoas de sucederem na condição de herdeiro necessário”.
O relator, por seu turno, está a prover o recurso especial por entender, em síntese, que”não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida ena morte”. Assevera que “a interpretação sistemática do Código Civil autoria a conclusão”.
Inicialmente, gostaria de dizer que não tenho dúvida de que a metodologia do Direito nos sugere a interpretação sistemática para dirimir questões de maior complexidade e amplitude jurídicas.
Mas interpretação sistemática importa interpretação “no sistema”, “dentro do sistema”.
E temos, no caso presente, dois sistemas diferentes: um é o da partilha de bens em vida; o outro é oda partilha de bens causa mortis. Se a mulher se separa, se divorcia e o marido morre, ela não herda. Esse é o sistema de partilha em vida. Contudo, se ele vier a morrer durante a união, ela herda porque o Código a elevou à categoria de herdeira. São coisas diferentes.
Quem determina a ordem da vocação hereditária é o legislador. Ele pode construir umsistema para a separação em vida diverso do da separação por morte. E ele o fez. Ele estabeleceuum sistema para a partilha dos bens por causa mortis e outro sistema para a separação em vidadecorrente do divórcio. O legislador distinguiu. Então, a interpretação aqui é sistemática sim, mas dentro dos respectivos sistemas. Não posso pegar um princípio daqui e outro princípio dali, fazer uma miscelânea e criar uma norma diferente daquela que está no Código.
Em seu voto, o relator traz à baila, a título de paradigma, acórdão proferido no julgamento do REsp n. 1.111.095/RJ, precedente que, a meu ver, não se aplica ao presente caso.
Ali, a situação é outra. O cônjuge varão fez um testamento em 2001, deixando a totalidade de seus bens para o sobrinho, vindo a falecer em 26 de maio de 2004, quando vigente o novo Código Civil,que alterou a ordem da vocação hereditária para incluir o cônjuge supérstite como herdeiro. Logo após, morre a esposa. Os herdeiros desta defendiam, então, que a parte que estava reservada a elana sucessão do falecido seria deles.
Ora, o nosso direito é categórico, e muito, ao tratar a questão. Dizia o Código Civil de1916 no art. 1.577: “A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que seregulará conforme a lei em vigor”. Capacidade para suceder é exatamente a ordem da vocaçãohereditária, de quem sucede.
Qual era a discussão naquele caso do Recurso Especial n. 1.111.095/RJ? O cônjuge fezum testamento, deixando a totalidade dos bens para o sobrinho. Todavia, no momento em que veio afalecer, já havia nova ordem de vocação hereditária estabelecida pelo novel Código Civil. Nessecontexto, o testamento teria, necessariamente, que respeitar a participação da esposa, já que ela,com o novo Código Civil, passou à condição de herdeira.
Contudo, não foi esse o entendimento da Quarta Turma do STJ. E qual foi ofundamento utilizado? O do ato jurídico perfeito. Pasmem! Ato jurídico perfeito em matéria detestamento e naquelas condições seria incabível. Todos o sabem. É regime jurídico. Observa-se a leida data da elaboração do testamento nos aspectos formais e, no aspecto sucessório, a data deabertura de sucessão. Como frisado, o art. 1.577 do Código Civil de 1916 (art. 1.787 do novoCódigo) já preceituava: “A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que seregulará conforme a lei em vigor”. A lei é bastante clara. Não há ato jurídico contra a lei. Não houvemudança da lei desrespeitando o ato jurídico. A Código já dizia que a lei vigente à data da abertura éque regula a sucessão.
A teoria do ato jurídico perfeito, lamentavelmente, em termos de aspecto jurídico,vingou. Por que lamentavelmente? Porque quebrou toda a tradição do nosso direito, desde Clóvis eCarlos Maximiliano, passando por Caio Mário da Silva Pereira e Paulo Nader, entre outros.
De qualquer modo, esse é apenas um acórdão que, quero crer, não prevaleceria na atualcomposição da Turma julgadora. E mais: é um acórdão que não tem nada a ver com o caso ora emexame.
Aqui, a questão que se discute não é da lei vigente ao tempo da sucessão, mas saber sea legislação atual confere à mulher casada sob o regime da separação convencional a condição deherdeira necessária.
A Terceira Turma, ao abordar a questão, no julgamento dos REsps. ns. 1.430.763/SP e1.346.324/SP – ocorrido na assentada de 19/8/2014 (DJe de 2/12/2014) e no qual fui designadorelator para os respectivos acórdãos –, entendeu que sim, que no regime de separação convencionalde bens o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido.
Circunscrevo-me, portanto, a renovar, a seguir, os argumentos expendidos naquelaoportunidade, de todo aplicáveis à hipótese dos presentes autos:
“Estabelece o novo Código Civil, em seu art. 1.845, o seguinte: ‘São herdeirosnecessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge’ . Nada mais.
Ora, pelas mais comezinhas regras de hermenêutica, sabe-se que, onde a leinão distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo. Referido dispositivo legal não abrenenhuma exceção à regra, ou seja, o cônjuge será sempre herdeiro necessário,independentemente do regime de bens adotado pelo casal.
E a norma contida no art. 1.829, I, do mesmo codex não altera essa realidade.
O que ali está definido são as situações em que o herdeiro necessário cônjugeconcorre com o herdeiro necessário descendente. Aí, sim, a lei estabelece que, adepender do regime de bens adotado, tais herdeiros necessários concorrem ou nãoentre si aos bens da herança. E percebam: a lei não afasta a condição de herdeironecessário do cônjuge nos casos em que não admite a concorrência; simplesmenteatribui ao descendente a primazia na ordem da vocação hereditária. Sob esse aspecto,não vejo nenhuma dificuldade em interpretar referido dispositivo legal. A conclusãoda eminente relatora, de não admitir a condição de herdeiro necessário ao cônjugecasado sob o regime de separação total de bens, a meu ver – e com renovada vênia–, viola, de maneira escancarada, o já mencionado art. 1.845 do Código Civil.
A qualidade de ‘necessário’ atribuída ao cônjuge não o torna privilegiado emrelação aos descendentes ou aos ascendentes do falecido. Poderia a lei simplesmentemantê-lo como herdeiro facultativo, na forma do Código Civil de 1916, e ainda assimdispor que ele concorreria com os descendentes e ascendentes tal qual estabelecidono atual art. 1.829, I e II. Não era indispensável a condição de ‘necessário’ para essafinalidade. Sua inclusão no rol de herdeiros necessários no novo Código significouavanço apenas no que tange à garantia conferida à legítima de que agora participa,embora lhe tenha lhe trazido também ônus, como o dever de conferir o valor dasdoações recebidas do de cujus.
Em resumo, entendo que a interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil develimitar-se à definição das hipóteses em que descendentes e cônjuge sobreviventeconcorrem aos bens da herança, mas nunca levar à conclusão de que o cônjuge nãoseja herdeiro necessário, sob pena de ofensa ao art. 1.845.
Não concordo também com a interpretação dada ao art. 1.829, I, do CódigoCivil pela qual se afasta a possibilidade de o cônjuge casado no regime de separaçãoconvencional de bens concorrer com o descendente na sucessão do falecido.
Como decidi no voto divergente proferido no REsp n. 1.111.095/RJ –, emboraa hipótese lá tratada não seja exatamente igual à do caso presente –, ‘importadestacar que, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar em razão doregime de casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou de separaçãoobrigatória, não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de separação de bensnão obrigatório, de forma que, nessa hipótese, o cônjuge casado sob tal regime, bemcomo sob comunhão parcial na qual não haja bens comuns, é exatamente aquele quea lei buscou proteger, pois, em tese, ele ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, jáque, segundo a regra anterior, além de não herdar (em razão da presença dedescendentes) ainda não haveria bens a partilhar’ .
Essa, aliás, é a posição dominante hoje na doutrina nacional, embora nãouníssona. Confira-se:
‘Retornando à leitura e interpretação do art. 1.829, I, do CC, e já sabendoquando não há concorrência sucessória entre descendente e cônjuge – observadasas questões suscitadas acima –, podemos concluir que haverá, então, concorrênciaentre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do de cujus no regime daseparação convencional de bens (CC, arts. 1.687 e 1.688), no regime da participaçãofinal nos aquestos (CC, arts. 1.672 e s.) e no regime da comunhão parcial de bens, seo autor da herança deixou bens particulares (quanto a tais bens), observando o queeu disse antes, quando falei na hipótese de o casamento estar submetido a regimeda comunhão universal, mas o de cujus ter deixado bens particulares, que, portanto,não se comunicam.
Para fixar bem o entendimento, relembre-se: o Código Civil, no art. 1.829, I,indicou, expressamente, os regimes de bens do casamento em que não ocorre aconcorrência sucessória do cônjuge com os descendentes, e não está citado oregime da separação convencional, razão pela qual só se pode chegar a umaconclusão: há concorrência entre o cônjuge e os descendentes se o casamentoseguiu esse regime da separação convencional, referido no art. 1.687.
[…]
Esse pacífico e generalizado entendimento, doutrinário e jurisprudencial, foiabalado, todavia, por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (Terceira Turma,Resp n. 992.749-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 1º-12-2009). ATurma, por unanimidade, acolheu o pedido de três herdeiros, filhos do de cujus,para negar a procedência do pedido de habitação (rectius : habilitação) noinventário, formulado pela madrasta deles, viúva do pai, sendo o casamentosubmetido ao regime da separação convencional de bens, conforme pactoantenupcial que os nubentes haviam celebrado.
Na Ementa, consta que ‘O regime da separação obrigatória de bens,previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i)separação legal, (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra davontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime deseparação de bens, à sua observância. Não remanesce, para o cônjuge casadomediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrênciasucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes navida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge não é herdeiro necessário’ .
Trata-se de uma decisão, data maxima venia, que viola diretamente preceitolegal (CC, art. 1.829, I). A separação obrigatória (cogente) não se confunde com aseparação convencional, que decorreu da livre manifestação de vontade dosinteressados. A meu ver, o acórdão do STJ, no aludido recurso especial, baralhouos conceitos de regime de bens e de sucessão hereditária. O art. 1.829, I, do CódigoCivil indicou, expressamente, os regimes de bens do casamento em que não háconcorrência sucessória entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes dofalecido. E o regime de separação convencional de bens não está referido na relaçãolegal, não estando autorizado o intérprete a espichar o elenco normativo, que nãopode ser ampliado, como regra excepcional que é.
Provavelmente, o STJ decidiu considerando o caso concreto: na época deseu casamento, o falecido contava cinquenta e um anos e a esposa, vinte e um; oautor da herança, quando se casou em segundas núpcias, já havia formado o seupatrimônio e padecia de doença incapacitante; o casamento durou pouco tempo:apenas dez meses. Talvez isso tudo explique, mas não justifica, o mencionadoaresto. Esse meu posicionamento, obviamente, é científico, puramente doutrinário, eaproveito para ratificar meu grande apreço e admiração pela notável figura demagistrada que a Ministra Nancy Andrighi.Apesar desse julgado da Terceira Turma do STJ – que deverá ficar sozinho–, vão prevalecer e continuar sendo aplicadas as disposições do Código Civil: ocônjuge casado sob o regime da separação obrigatória de bens não concorre comos descendentes do de cujus; o cônjuge casado sob o regime da separaçãoconvencional de bens concorre, sim, com os descendentes do falecido. É a doutrinaadotada neste livro.’ (Zeno Venoso. Direito hereditário do cônjuge e docompanheiro , 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 69/72.)
Flávio Tartuce e José Fernando Simão referem-se ao mesmo acórdãoproferido no REsp n. 992.749/MS, nos seguintes termos:
‘[…] No Recurso Especial 992.749/MS, decidiu a Terceira Turma do STJ oseguinte: ‘O regime de separação obrigatória de bens previsto no art. 1.829, inc.I, do CC/2002, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii)separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, eambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime da separação de bens àsua observância. Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação debens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se oregime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte’ (Informativon. 418 do STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 1º.12.2009).
Mostrar a fragilidade dos argumentos adotados se faz necessário.
Basicamente dois são os argumentos equivocados que serviram de fundamento àdecisão.
O primeiro deles é o seguinte: ‘O regime de separação obrigatória de bensprevisto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i)separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra davontade das partes’. O grande problema do argumento é que ele não encontraguarida na doutrina pátria. Trata-se, na verdade, de tese que contraria todas aslições dos civilistas mais antigos aos mais novos.
A doutrina brasileira repudia tal entendimento, sendo que, partindo daslições de Beviláqua e chegando a Maria Helena Diniz, o desacerto da informaçãocontida no acórdão revela-se evidente.
A separação obrigatória não é gênero e não congrega duas espécies.Trata-se de equívoco conceitual. A separação de bens é que constitui gênero quecongrega duas espécies: (a) separação convencional (que decorre de pactoantenupcial) e (b) separação obrigatória ou legal (regra restritiva prevista no art.1.641). Assim, o primeiro fundamento não é suficiente para afastar a concorrênciasucessória das pessoas casadas pelo regime da separação obrigatória.
O segundo fundamento é igualmente frágil (‘Não remanesce, para o cônjugecasado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrênciasucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes navida e na morte’). Ora, afirmar que o regime de bens obriga as partes depois de suamorte revela teratologia. Obrigação, como se sabe é o vínculo jurídico entre ocredor e o devedor. Na realidade, o que afirma o julgado, utilizando-seinadequadamente a palavra obriga, é que o regime de bens produz efeitos depoisda morte dos cônjuges e, portanto, após findo o casamento. Isso porque a mortepõe fim ao casamento, permitindo, inclusive, que o supérstite se case novamente. Amorte põe fim à sociedade conjugal por força expressa do art. 1.571, I, do CódigoCivil e, sendo assim, o regime de bens também se extingue com a morte.
Na verdade, pretende a decisão em comento utilizar-se da ideia deultratividade, ou seja, a eficácia de um instituto que não mais existe. Repita-se quese a morte extingue o casamento, extingue a sociedade conjugal e também o regimede bens, não se admitindo que o instituto permaneça produzindo efeitos depois deextinto. Haveria algo como uma eficácia póstuma do regime de bens que um diaexistiu. Curiosa a interpretação jurisprudencial, porque, novamente, não encontraguarida na doutrina pátria’ (Direito Civil: direito das sucessões , vol. 6., 6ª ed. SãoPaulo: Método, 2013, p. 162/168.)
Peço vênia para transcrever também esclarecedora lição de Mauro Antonini:
‘[…] uma vez que o inciso I exclui a concorrência no regime da separaçãoobrigatória de bens, sem mencionar a separação convencional, passou-se aentender na doutrina que, sendo convencional, o cônjuge concorre à herança emtodos os bens. Mantém-se, assim, a coerência com a regra geral enunciada: naseparação convencional todos os bens são particulares, de modo que o viúvo nãotem meação a resguardá-lo, devendo ser deferida cota hereditária para protegê-lo.
Ante a consagrada dicotomia entre separação obrigatória e convencional,aquela imposta pela lei a determinadas situações, esta resultante da opção dosnubentes em pacto antenupcial, a doutrina majoritária aponta equívoco na remissão,do inciso I do art. 1.829, ao art. 1.640, parágrafo único, pois a separação obrigatóriaestá contemplada no art. 1.641 e o art. 1.640, parágrafo único, não diz respeito àseparação obrigatória ou convencional. Diante desse equívoco que, à primeira vista,parecia evidente, o Projeto de Lei n. 276/2007 (reapresentação do PL n. 6.960/2002)propõe corrigir a remissão, passando a constar art. 1.641.
Essas conclusões que pareciam tranquilas foram refutadas pelo professorMiguel Reale, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 12 de abril de2003, no qual afirmou que a menção à separação obrigatória visa a abranger tanto aseparação imposta por lei como a convencional. Argumenta o professor que,prevalecendo a concorrência na separação convencional, seria esvaziado o art.1.687, que disciplina o regime de separação de bens, no momento crucial da mortede um dos cônjuges.
Respeitados o saber e a autoridade do ilustre professor, não é possívelconsiderar incluída a separação convencional na expressão separação obrigatória.
Em primeiro lugar, por ser, como se disse, consagrada em doutrina e jurisprudência adicotomia entre as expressões separação obrigatória, imposta por lei, e separaçãoconvencional, sem se confundi-las. Assim sendo, não é possível, por maior que sejaa autoridade da fonte histórica, adotar interpretação contrária ao texto expresso dalei. Por isso o professor propugna que, não prevalecendo a posição por eledefendida, seja alterado o inciso I, para excluir a expressão obrigatória (em razão dacrítica por ele formulada, foi apresentado o Projeto de Lei n. 1.792/2007 parapromover tal alteração, incluindo a separação convencional nas exceções àconcorrência de cônjuge e descendentes).
Em segundo lugar, por não parecer verdade que a concorrência com osdescendentes, no caso da separação convencional, esvazia o art. 1.687, quedisciplina tal regime de bens. A separação convencional não acarretava, no regimedo Código Civil de 1916, nem no atual, vedação a direito sucessório do cônjugesobrevivente. Pelo contrário, o cônjuge figurava no Código anterior, e ainda figurano atual, na terceira classe da ordem de vocação hereditária e recolhe toda a herançaà falta de descendentes e ascendentes, qualquer que seja o regime de bens. Alémdisso, no atual Código, como adiante será visto em detalhes, o cônjuge sempreconcorre com ascendentes, qualquer que seja o regime de bens. No Código Civil de1916 (art. 1.611, § 1º), o casado pela separação convencional tinha direito aousufruto vidual; no Código atual, é assegurado a ele o direito real de habitação.
Como se percebe nessas situações, não há incompatibilidade entre proteçãopatrimonial sucessória ao cônjuge sobrevivente e o regime de separaçãoconvencional. Diante disso, a ampliação dessa proteção, estendendo-lhe o direito àconcorrência com os descendentes, não acarreta conflito com o art. 1.687.
Em terceiro e último lugar, é de se repisar o atual Código ter visado àproteção muito mais ampla do que a do sistema anterior ao cônjuge sobrevivente.
Procurou, ainda, deferir-lhe cota hereditária, em concorrência com os descendentes,nos bens particulres, para que não fique desprotegido na viuvez. A concorrência naseparação convencional está afinada com esses princípios. Seria incoerenteassegurar ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares,ainda que sejam os únicos deixados pelo de cujus, e não conferir o mesmo direito aocasado pela separação convencional. Quando se casaram pela comunhão parcial, ointuito foi evitar a comunicação dos bens anteriores ao casamento. Apesar dessaopção dos nubentes, na sucessão, o viúvo terá participação hereditária nessesbens. Pela mesma razão deve ser assegurada cota na herança dos bens particularesquando se trata de separação convencional’ (Código Civil comentado,Coordenador Ministro Cezar Peluso, 4ª ed. Barueri: Manole, 2010, p. 2.153/54.)
Diversos outros autores de nomeada seguem a mesma trilha, entre os quais sedestacam Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil: Direito dasSucessões , vol. VI, 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 132/133); Maria HelenaDiniz (Direito das Sucessões, 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 113); Fábio UlhoaCoelho (Curso de Direito Civil, vol. 5, 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 259/260);Luiz Paulo Vieira de Carvalho (Direito Civil: questões fundamentais e controvérsiasna parte geral, no direito de família e no direito das sucessões , 3ª ed. Niterói:Impetus, 2009, p. 283).
No mesmo sentido, caminha o Enunciado n. 270 do Conselho da JustiçaFederal, aprovado na III Jornada de Direito Civil:
‘O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito deconcorrência com os descendentes do autor da herança quando casados noregime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes dacomunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bensparticulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo osbens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.’
Acentuo ainda que o art. 1.829, I, do Código Civil, ao elencar os regimes debens nos quais não há concorrência entre cônjuge supérstite e descendentes dofalecido, menciona o da separação obrigatória e faz constar entre parênteses o art.1.640, parágrafo único. Significa dizer que a separação obrigatória a que alude o
dispositivo é aquela prevista no artigo mencionado entre parênteses.
Como registrado na doutrina de Mauro Antonini, já referida, a menção ao art.1.640 constitui equívoco a ser sanado. Tal dispositivo legal não trata da questão. Areferência correta é ao art. 1.641, que elenca os casos em que é obrigatória a adoçãodo regime de separação.
Nessas circunstâncias, uma única conclusão é possível: quando o art. 1.829,I, do CC diz separação obrigatória, está referindo-se apenas à separação legalprevista no art. 1.641, cujo rol não inclui a separação convencional. Parece-meelementar o raciocínio.”
Ante o exposto, e com devida vênia do eminente relator, nego provimento ao recursoespecial.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2013/0131197-7 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.382.170 / SP
Números Origem: 00076459620118260000 00229444120108260100 100100229440 229444120108260100
76459620118260000
PAUTA: 11/02/2015 JULGADO: 11/02/2015
Relator
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS
Secretária
Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FLÁVIA MATARAZZO
ADVOGADOS : FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS E OUTRO(S)
JOSÉ BEN HUR DE ESCOBAR FERRAZ JUNIOR
FLÁVIO CÉSAR DE TOLEDO PINHEIRO E OUTRO(S)
RECORRIDO : SILVIA MARIA ARANHA MATARAZZO
ADVOGADOS : MARIO SERGIO DE MELLO FERREIRA
FERNANDO SILVA PRIORE E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Inventário e Partilha
SUSTENTAÇÃO ORAL
Sustentou oralmente o Dr. FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS, pela
RECORRENTE FLÁVIA MATARAZZO.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessãorealizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, Relator, dando parcial provimento aorecurso especial, e o voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha inaugurando a divergência enegando provimento ao recurso especial, pediu VISTA o Sr. Ministro Raul Araújo.
Aguardam os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, AntonioCarlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.382.170 – SP (2013/0131197-7)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
RECORRENTE : FLÁVIA MATARAZZO
ADVOGADOS : FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS E OUTRO(S)
JOSÉ BEN HUR DE ESCOBAR FERRAZ JUNIOR
FLÁVIO CÉSAR DE TOLEDO PINHEIRO E OUTRO(S)
RECORRIDO : SILVIA MARIA ARANHA MATARAZZO
ADVOGADOS : MARIO SERGIO DE MELLO FERREIRA
FERNANDO SILVA PRIORE E OUTRO(S)
VOTO-VISTA
MINISTRO RAUL ARAÚJO:
No presente recurso especial, houve dissenso entre os votos do ilustre MinistroMOURA RIBEIRO, relator do feito, e do eminente Ministro JOÃO OTÁVIO DENORONHA, que inaugurou a divergência.
Diante da riqueza dos debates e da qualidade dos votos proferidos, pedi vista dosautos para uma melhor capacitação acerca da controvérsia, quanto à questão.
O cerne do debate, como já devidamente salientado nos votos divergentes, cinge-se àinterpretação do art. 1.829, I, do Código Civil, mais especificamente quanto à qualidade de herdeironecessário conferida ao cônjuge supérstite, quando casado com o falecido sob o regime deseparação convencional de bens.
A norma pertinente do Código Civil de 2002 tem o seguinte enunciado:“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte :
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvose casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou noda separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único), ou se, noregime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixadobens particulares;
II – (…)
III – (…)
IV – (…).” (grifou-se)
A divergência estabelecida reside, basicamente, na equiparação ou não da hipótesede regime de separação convencional de bens à de separação obrigatória (expressamentedisciplinada no art. 1.641 do CC/2002), para fins de inclusão ou não do cônjuge sobrevivente no rolde herdeiros necessários do falecido.
O eminente Ministro MOURA RIBEIRO adotou a seguinte interpretação para oreferido dispositivo legal, em resumo:
“A questão central da lide é a interpretação do art. 1.829, I, do CC, noque se refere ao regime da separação convencional total de bens,visando definir a possibilidade de participação do cônjuge supérstite nasucessão como herdeiro necessário em concorrência com a descendentedo falecido.
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Pois bem. Foge à minha compreensão jurídica o regime da separaçãoconvencional total de bens que produza efeitos após a morte de um doscônjuges.
Não pode haver efeito jurídico diverso para quem se casa com pacto deseparação total de bens, diante dos que se casam em tal regime por forçade lei, porque a norma não fez tal distinção. Isso porque não faz sentidopossibilitar aos cônjuges a livre escolha do regime de bens, formalizadano pacto antenupcial, para depois negar os efeitos práticos do regimelicitamente escolhido.
O art. 1.687 do Código Civil dispõe que “estipulada a separação debens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um doscônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.”
Cabe esclarecer que o art. 1.829, I, do Código Civil estabelece que asucessão legítima é deferida aos descendentes em concorrência com ocônjuge sobrevivente, salvo se casado com o falecido no regime daseparação obrigatória de bens.
Portanto, a melhor exegese é aquela que entende não ser possível aalteração dos efeitos jurídicos do regime matrimonial post mortem naseparação convencional de bens, devendo ser mantida a coerência antea vontade manifestada pelos cônjuges durante a vida em comum.
Dessarte, pouco importa se os cônjuges permaneceram casados porpoucos meses ou longos anos, pois o direito à sucessão não pode servisto como um “prêmio” concedido ao cônjuge supérstite, mas sim comoum direito que lhe é resguardado, em respeito ao regime de bens queadotaram e à proteção que cada um quis dar à sua prole post mortem.
A liberdade, prevista no art. 5º, caput, da CF, é sintetizada na autonomiada vontade no âmbito do Direito privado.
O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda ainterferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitaslicitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vidafamiliar, corrobora a interpretação conjunta dos arts. 1.829, I, e 1.687do Código Civil.
Não há que se confundir regime de bens e direito sucessório, mas há quese interpretar, de forma sistemática, os dispositivos legais que permitam apreservação dos fins da livre manifestação de vontade admitida pela lei.
O regime da separação total de bens é obrigatório tanto por força dopacto antenupcial quanto por força de lei e os seus objetivos jurídicosdevem preponderar.
Interpretação diversa esvaziaria o art. 1.687 do Código Civil e, porconsequência, a livre manifestação da vontade no momento crucial damorte de um dos cônjuges.
Esse é o posicionamento de MIGUEL REALE:
Se o cônjuge casado no regime de separação de bens fosseconsiderado herdeiro necessário do autor da herança,estaríamos ferindo substancialmente o disposto no art. 1.687,sem o qual desapareceria todo o regime da separação de bens,em razão do conflito inadmissível entre esse artigo e o art. 1.829,I, fato que jamais poderá ocorrer numa codificação à qual éinerente o princípio da unidade sistemática.
Entre uma interpretação que esvazia o art. 1.687 no momentocrucial da morte de um dos cônjuges e uma outra que interpretade maneira complementar os dois citados artigos, não se podedeixar de dar preferência à segunda solução, a qual, ademais,atende à interpretação sistemática, essencial à exegese jurídica.
Se, no entanto, apesar da argumentação por mim aquidesenvolvida, ainda persistir a dúvida sobre o inc. I do art.1.829, o remédio será emendá-lo, eliminado o adjetivo”obrigatória”. Com essa supressão o cônjuge sobrevivente nãoteria a qualidade de herdeiro, “se casado com o falecido noregime de comunhão universal, ou no de separação de bens”.(“Estudos Preliminares do Código Civil”. Ed. Revista dosTribunais, São Paulo, 2003, pág. 63).
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No julgamento do REsp nº 1.111.095/RJ, pela Quarta Turma, o MinistroFERNANDO GONÇALVES proferiu voto-vista, seguindo a citadaorientação doutrinária de MIGUEL REALE, e concluiu que a melhorexegese do art. 1.829, inciso I, do Código Civil não é a que considera ocônjuge sobrevivente, casado no regime de separação convencional debens, herdeiro necessário. Confira-se, por oportuno, a argumentaçãoutilizada:
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Naquela oportunidade, o Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, compropriedade, consignou no seu voto-vista as seguintes conclusões:
– tendo sido fixado em pacto antenupcial firmado sob a égide do CódigoCivil de 1916, o regime de separação de bens, em estrita observância aoreferido princípio da autonomia da vontade, lei alguma posterior poderiaalterá-lo por se tratar de ato jurídico perfeito;
– permanecendo, portanto, com plena eficácia o pacto antenupcial,devem ser respeitados os atos jurídicos subsequentes, dele advindos,especialmente o testamento celebrado por um dos cônjuges;
– existe no plano sucessório, influência inegável do regime de bens nocasamento, não se podendo afirmar que são absolutamenteindependentes e sem relacionamento no tocante às causas e aos efeitosesses institutos que a lei particulariza nos direitos de família e dassucessões;
– a dissolução do casamento pela morte dos cônjuges não autoriza que apartilha de seus bens particulares seja realizada por forma diversa daadmitida pelo regime de bens a que submetido o casamento e nemtransforma o testamento, se feito por qualquer deles em conformidadecom as disposições da lei e levando em conta o pacto antenupcialadotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito e acabado.
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Enquanto não houver a alteração legislativa, a melhor solução seráinterpretar o texto legal de acordo com o sistema jurídico estabelecidona Constituição Federal e no Código Civil.
É louvável a posição que vê na Lei Maior proteção ao cônjugesobrevivente como corolário da dignidade da pessoa humana.
No entanto, sob outro prisma, os filhos teriam diminuída suaparticipação na herança, apesar da livre manifestação da vontadepactuada em vida pelos cônjuges, na maioria das vezes, com a pretensãode melhor proteger o direito sucessório de sua prole. E não se podeesquecer que os filhos também merecem a proteção da lei, visando apreservação da sua dignidade.
MAURO ANTONINI, que compartilha da posição adotada pelo Relator,também não vê solução para o cônjuge que pretende preservar íntegro odireito sucessório da prole, pois a única hipótese que vislumbra (pactoantenupcial com cláusula de exclusão da concorrência do cônjuge comos descendentes na sucessão “causa mortis”) também necessitaria dealteração legislativa:
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Feitas tais considerações, a melhor interpretação do art. 1.829, I, doCódigo Civil, é a que está em consonância com o disposto no art. 1.687do mesmo diploma, valorizando a autonomia privada da vontade daspartes na escolha do regime de bens, mantendo os seus efeitos jurídicosintactos após a morte.
Nessas condições, pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO aorecurso especial para reformar o acórdão recorrido e declarar que aviúva supérstite, casada pelo regime da separação convencional de bens,não ostenta a qualidade de herdeira necessária, mas apenas de legatáriainstituída por testamento do finado.”
O preclaro Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, por sua vez, abriu adivergência, proferindo voto oral na sessão de julgamento, fazendo remissão aos fundamentos deoutro voto proferido em caso análogo (REsp 1.430.763/SP). Naquele julgado, assim se manifestou,em síntese:
“Estabelece o novo Código Civil, em seu art. 1.845, o seguinte: “Sãoherdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”.
Nada mais.
Ora, pelas mais comezinhas regras de hermenêutica, sabe-se que, onde alei não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo. Referido dispositivolegal não abre nenhuma exceção à regra, ou seja, o cônjuge será sempre
herdeiro necessário, independentemente do regime de bens adotado pelocasal.
E a norma contida no art. 1.829, I, do mesmo codex não altera essarealidade. O que ali está definido são as situações em que o herdeironecessário cônjuge concorre com o herdeiro necessário descendente. Eaí, sim, a lei estabelece que, a depender do regime de bens adotado, taisherdeiros necessários concorrem ou não entre si aos bens da herança. Epercebam: a lei não afasta a condição de herdeiro necessário docônjuge nos casos em que não admite a concorrência; simplesmenteatribui ao descendente a primazia na ordem da vocação hereditária. Sobesse aspecto, não vejo nenhuma dificuldade em interpretar referidodispositivo legal. A conclusão da eminente relatora, de não admitir acondição de herdeiro necessário ao cônjuge casado sob o regime deseparação total de bens, a meu ver – e com renovada vênia –, viola, demaneira escancarada, o já mencionado art. 1.845 do Código Civil.
A qualidade de “necessário” atribuída ao cônjuge não o tornaprivilegiado em relação aos descendentes ou aos ascendentes dofalecido. Poderia a lei simplesmente mantê-lo como herdeiro facultativo,na forma do Código Civil de 1916, e ainda assim dispor que eleconcorreria com os descendentes e ascendentes tal qual estabelecido noatual art. 1.829, I e II. Não era indispensável a condição de “necessário”para essa finalidade. Sua inclusão no rol de herdeiros necessários nonovo Código significou avanço apenas no que tange à garantiaconferida à legítima de que agora participa, embora lhe tenha trazidotambém ônus, como o dever de conferir o valor das doações recebidas dode cujus.
Em resumo, entendo que a interpretação do art. 1.829, I, do Código Civildeve limitar-se à definição das hipóteses em que descendentes e cônjugesobrevivente concorrem aos bens da herança, mas nunca levar àconclusão de que o cônjuge não seja herdeiro necessário, sob pena deofensa ao art. 1.845.
Não concordo também com a interpretação dada ao art. 1.829, I, doCódigo Civil pela qual se afasta a possibilidade de o cônjuge casado noregime de separação convencional de bens concorrer com o descendentena sucessão do falecido.
Como decidi no voto divergente proferido no REsp n. 1.111.095/RJ –,embora a hipótese lá tratada não seja exatamente igual à do casopresente –, ‘importa destacar que, se a lei fez algumas ressalvas quanto aodireito de herdar em razão do regime de casamento ser o de comunhãouniversal ou parcial, ou de separação obrigatória, não fez nenhuma quando oregime escolhido for o de separação de bens não obrigatório, de forma que,nessa hipótese, o cônjuge casado sob tal regime, bem como sob comunhãoparcial na qual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscouproteger, pois, em tese, ele ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que,segundo a regra anterior, além de não herdar (em razão da presença dedescendentes) ainda não haveria bens a partilhar’.
Essa, aliás, é a posição dominante hoje na doutrina nacional, emboranão uníssona. Confira-se:
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No mesmo sentido, caminha o Enunciado n. 270 do Conselho da JustiçaFederal, aprovado na III Jornada de Direito Civil:
“O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente odireito de concorrência com os descendentes do autor daherança quando casados no regime da separação convencionalde bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ouparticipação final nos aquestos, o falecido possuísse bensparticulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a taisbens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhadosexclusivamente entre os descendentes.”
Acentuo ainda que o art. 1.829, I, do Código Civil, ao elencar os regimesde bens nos quais não há concorrência entre cônjuge supérstite edescendentes do falecido, menciona o da separação obrigatória e fazconstar entre parênteses o art. 1.640, parágrafo único. Significa dizerque a separação obrigatória a que alude o dispositivo é aquela previstano artigo mencionado entre parênteses.
Como registrado na doutrina de Mauro Antonini, já referida, a mençãoao art. 1.640 constitui equívoco a ser sanado. Tal dispositivo legal nãotrata da questão. A referência correta é ao art. 1.641, que elenca oscasos em que é obrigatória a adoção do regime de separação.
Nessas circunstâncias, uma única conclusão é possível: quando o art.1.829, I, do CC diz separação obrigatória, está referindo-se apenas àseparação legal prevista no art. 1.641, cujo rol não inclui a separaçãoconvencional. Parece-me elementar o raciocínio.”
Com a devida vênia do eminente Ministro Moura Ribeiro, acompanho adivergência inaugurada pelo eminente Ministro João Otávio de Noronha.
De início, a propósito do tema ora em debate, é importante registrar a notóriaintenção do legislador em conferir especial atenção ao cônjuge supérstite na seara do direitosucessório, com as alterações perpetradas no novo Código Civil, elevando-o à condição de herdeirodo cônjuge falecido.
Tal preocupação do legislador assenta-se na ideia de garantir ao cônjuge supérstitecondições mínimas para sua sobrevivência, de modo a não ficar completamente desamparado com ofalecimento de seu consorte. A real intenção do legislador sinaliza no sentido da preservação domínimo de dignidade do cônjuge sobrevivente, após a morte do outro.
Nesse sentido, confira-se a lição de Giselda Hironaka sobre o tema:
“(…) E nessa ordem de valores parece ter andado bem o legisladorquando elevou o cônjuge e o companheiro a sucessores em grau deconcorrência com os descendentes e ascendentes do de cujus, emquota-parte dependente da verificação de certos pressupostos que serãodevidamente analisados nos tópicos pertinentes. É que, em fazendo comque o cônjuge supérstite concorra na sucessão do morto, premia aqueleque esteve a seu lado até o momento de sua morte sem indagar se estecontribuiu ou não para a aquisição dos bens postos em sucessão. Mas nãodeixa também de privilegiar os descendentes do autor da herança,garantindo-lhes meios de iniciar ou dar continuidade as suas vidas (…)”.(Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes, Comentários ao Código Civil,vol. 20, coord. Antônio Junqueira de Azevedo, São Paulo: Saraiva, 2007, pág.14 – grifou-se)
No que se refere especificamente à controvérsia ora analisada, a solução não sepode dissociar da consolidada regra de hermenêutica segundo a qual não é admitida a interpretaçãoextensiva de norma excepcional que restringe direitos, sob pena de violação aos princípiosconstitucionais da segurança jurídica e da separação dos poderes. Como bem ressaltado pelo em.Ministro João Otávio de Noronha em seu voto, “sabe-se que, onde a lei não distinguiu, nãocabe ao intérprete fazê-lo “.
Com efeito, a regra insculpida no art. 1.829, I, do Código Civil é literal no sentido demencionar que somente o cônjuge casado sob o “regime de separação obrigatória de bens” não podeconcorrer com os descendentes do de cujus, sem nenhuma remissão ao “regime da separaçãoconvencional”.
Nesse sentido, transcreve-se trecho do voto proferido pelo ilustre Ministro RicardoVillas Bôas Cueva, no julgamento do REsp 1.472.945/RJ, que analisou hipótese análoga àpresente, verbis :
“Com efeito, o cônjuge sobrevivente, casado sob a égide do regime deseparação convencional, foi inegavelmente, elevado à categoria deherdeiro necessário, como se afere do teor do art. 1.845 do Código Civilde 2002. Por conseguinte, passou a concorrer com os descendentes nasucessão legítima, já que o referido regime não foi arrolado comoexceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil.
O artigo indicou expressamente quais os regimes de bens nãocomportariam a concorrência entre o cônjuge sobrevivente e osdescendentes do falecido, não havendo referência alguma ao regime daseparação convencional de bens.
Desse modo, incide a reconhecida máxima de hermenêutica de que nãopode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena deviolação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da ConstituiçãoFederal de 1988).
(…)
Ora, não é possível considerar incluída a separação convencional naexpressão separação obrigatória, não havendo sequer falar naaplicação analógica de aspectos restritivos de outros institutos previstospelo legislador para abarcar fatos da vida e atos jurídicos comparticularidades bem definidas, de modo que incabível restringir ainterpretação onde o legislador não o fez.”
O mencionado precedente tem a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO EPARTILHA. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL.PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. CÔNJUGESOBREVIVENTE. CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO HEREDITÁRIACOM DESCENDENTES. CONDIÇÃO DE HERDEIRO.RECONHECIMENTO. EXEGESE DO ART. 1.829, I, DO CC/02.AVANÇO NO CAMPO SUCESSÓRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL.
1. O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casadosob a égide do regime de separação convencional a condição deherdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecidoindependentemente do período de duração do casamento, com vistas agarantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna.
2. O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 doCódigo Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente norol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutávelavanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípioda vedação ao retrocesso social.
3. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencionalsomente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo deadministração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a
morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade doregime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regimematrimonial.
4. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges enão, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações,porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do
princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidadepatrimonial não se perpetua post mortem.
5. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se comonorma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentidocontrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado comoexceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil.
6. O regime da separação convencional de bens escolhido livrementepelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio dopacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ouobrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art.1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência docônjuge com o descendente.
7. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérpreterestringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma daseparação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988).
8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente,assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bensparticulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito quepelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separaçãoconvencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente poracervo particular.
9. Recurso especial não provido.
(REsp 1.472.945/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe de 19/11/2014)
Noutro giro, o entendimento de que deveria prevalecer para fins sucessórios avontade dos cônjuges, no que tange a patrimônio, externada na ocasião do casamento com a adoçãode regime de bens que exclua da comunhão os bens particulares de cada um, não se mostraacertado, data venia.
Com efeito, o regime de bens tal qual disciplinado no Livro de Família do CódigoCivil, entendido o instituto como opção para disciplinar o patrimônio dos nubentes, não rege o direitosucessório, embora tenha repercussão neste. Ora, a sociedade conjugal se extingue com ofalecimento de um dos cônjuges (art. 1.571, I, do Código Civil), incidindo, a partir de então, regraspróprias que regulam a transmissão do patrimônio do de cujus, no âmbito do Direito das Sucessões,que possui livro próprio e específico no Código Civil.
Assim, o regime de bens adotado na ocasião do casamento é considerado e teminfluência no Direito das Sucessões, mas não prevalece tal qual enquanto em curso o matrimônio,não sendo extensivo a situações que possuem regulação legislativa própria, como no direitosucessório.
Assim, no caso em exame, devem ser interpretadas em harmonia as regras dos arts.1.641, 1.829, I, e 1.845 do Código Civil (2002), no sentido do reconhecimento da qualidade deherdeiro necessário do cônjuge sobrevivente, salvo nas hipóteses expressas de exclusão legal.
Por fim, frise-se que a tese ora adotada foi chancelada no Enunciado n. 270 doConselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, verbis:
“O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito deconcorrência com os descendentes do autor da herança quando casadosno regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimesda comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecidopossuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringea tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhadosexclusivamente entre os descendentes.”
Com essas considerações, pedindo vênia ao eminente Ministro Moura Ribeiro,acompanho o bem lançado voto do ilustre Ministro João Otávio de Noronha, negandoprovimento ao recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.382.170 – SP (2013/0131197-7)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
RECORRENTE : FLÁVIA MATARAZZO
ADVOGADOS : FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS E OUTRO(S)
JOSÉ BEN HUR DE ESCOBAR FERRAZ JUNIOR
FLÁVIO CÉSAR DE TOLEDO PINHEIRO E OUTRO(S)
RECORRIDO : SILVIA MARIA ARANHA MATARAZZO
ADVOGADOS : MARIO SERGIO DE MELLO FERREIRA
FERNANDO SILVA PRIORE E OUTRO(S)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Senhor
Presidente, com a devida vênia do Ministro MOURA RIBEIRO, acompanho a divergência.
NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2013/0131197-7 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.382.170 / SP
Números Origem: 00076459620118260000 00229444120108260100 100100229440 229444120108260100
76459620118260000
PAUTA: 22/04/2015 JULGADO: 22/04/2015
Relator
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FLÁVIA MATARAZZO
ADVOGADOS : FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS E OUTRO(S)
JOSÉ BEN HUR DE ESCOBAR FERRAZ JUNIOR
FLÁVIO CÉSAR DE TOLEDO PINHEIRO E OUTRO(S)
RECORRIDO : SILVIA MARIA ARANHA MATARAZZO
ADVOGADOS : MARIO SERGIO DE MELLO FERREIRA
FERNANDO SILVA PRIORE E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Inventário e Partilha
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessãorealizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Raul Araújoacompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro João Otávio de Noronha e negandoprovimento ao recurso especial, a Seção, por maioria, negou provimento ao recurso especial,vencido o Sr. Ministro Moura Ribeiro, Relator.
Lavrará o acórdão o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha os Srs. Ministros Raul Araújo,Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas BôasCueva, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
DJe: 26/05/2015