CSM|SP: Registro de imóveis – Abertura de matrícula – Possibilidade de sobreposição de áreas – Inviabilidade de perícia no âmbito do procedimento de dúvida – Ausência de recolhimento de ITBI da cessão que instrui o pedido – Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0041645-45.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ANNA LUIZA MORAES, é apelado 14° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U. DECLARARÁ VOTO CONVERGENTE O DESEMBARGADOR JOSÉ RENATO NALINI.”, de conformidade com o voto do (a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 30 de junho de 2015.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0041645-45.2013.8.26.0100

Apelante: Anna Luiza Moraes

Apelado: 14° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

Voto n° 34.208

Registro de imóveis – Abertura de matrícula – Possibilidade de sobreposição de áreas – Inviabilidade de perícia no âmbito do procedimento de dúvida – Ausência de recolhimento de ITBI da cessão que instrui o pedido – Recurso improvido.

Cuida-se de apelação contra a decisão de fls. 274/277, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 14° Oficial de Registro de Imóveis da Capital e manteve a recusa de abertura de matrícula a partir de apresentação de escritura de cessão de direitos possessórios, pois haveria sobreposição de áreas.

A apelante alega, em suma, que houve cerceamento de defesa por falta de dilação probatória e que não há sobreposição de áreas. Pugna pela reforma da sentença para que seja feita a abertura de matrícula ou a anulação da sentença para a realização de perícia (fls. 281/305).

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento (fls. 318/319).

É o relatório.

A realização da perícia, solicitada pela parte, não se coaduna com o procedimento de dúvida.

Nesse sentido, recorre-se a excerto de decisão do ilustre Presidente da Seção de Direito Público, Desembargador Ricardo Mair Anafe, quando Juiz da 1ª Vara de Registros da Capital, nos autos do processo 630/94, que espelha remansosa jurisprudência deste Conselho:

“(…) carece de amparo lógico-formal, qualquer pleito de realização de provas ou diligências, porquanto no procedimento de dúvida assim não o admite, como assentou o notável Juiz Auxiliar da Corregedoria, Doutor Vito José Guglielmi, no parecer exarado na A.C. 012102-0/9, D.O.E. 03.07.91, acolhido pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura:

‘A dúvida se limita exclusivamente à apreciação objetiva de título pré-constituído e dos princípios registrários de modo a vedar ou permitir o respectivo acesso à tábua. Nada mais. Daí ser vedada a dilação probatória ou diligências tendentes a sanar irregularidades do título (A. C. 1272-0, 1950-0, 3660-0, 6334-0), nem a realização de perícias ou audição de testemunhas’ (Processo 630/94, 1ª VRPSP, julg. 25.07.94).

Ainda sobre o tema, confira-se Walter Ceneviva, segundo o qual a “restrição do âmbito da diligência se afina com a espécie administrativa em que se enquadra a dúvida, incompatível com a realização de audiência, para depoimento pessoal ou ouvida de testemunhas e com produção de prova pericial” (Lei dos Registros Públicos Comentada, São Paulo: Saraiva, 18ª Ed., p. 452). Superada a questão da perícia, resta que a abertura de matrícula foi prudentemente obstada, pois não há nos autos elementos seguros e suficientes indicando que não haveria a sobreposição de área sugerida pelo oficial.

Não há como afirmar, pelos exame dos autos, que a área da legitimação de posse e da escritura de fl. 20/21, cujo pedido de abertura de matrícula é feito, seja limítrofe à da matrícula 21.608 e não se confunde com ela (estando a área da matrícula 21.608 nos fundos da primeira, como sugere o desenho esquemático de fl. 22 e conforme pretende a recorrente), ou se tal área está contida dentro da área da matrícula 21.608 (que, portanto, a englobaria), conforme desenho esquemático de fl. 43.

É que na matrícula 21.608 consta que o imóvel fica na Rua Sampaio Góes n° 70 e na legitimação de posse/escritura de fl. 20/21, consta que o imóvel (que a parte alega ser outro que em nada se confunde) fica na Rua Sampaio Góes (sem mencionar numeração) e faz fundos com a Rua Sampaio Góes n° 70.

Não consta da matrícula 21.608 que o imóvel faça frente com a área de legitimação de posse, como pretende o desenho de fl. 22. Na matrícula é dado a entender que o imóvel tem a frente para a rua.

Não fosse isso, a falta de comprovação do pagamento do ITBI também impediria a inscrição conforme pretendida pela parte. É entendimento do Conselho Superior da Magistratura que o tributo deve estar recolhido no ato do registro:

A prova do recolhimento do imposto de transmissão ‘inter vivos’, porém, é requisito previsto nos artigos 289 da Lei n° 6.015/73 e 30, inciso XI, da Lei n° 8.935/94, e não pode ser dispensada (cf. CSM, Apelação Cível n° 579-6/3, da Comarca de Ribeirão Pires, de que foi relator o Desembargador Gilberto Passos de Freitas). Essa exigência, por sua vez, não é afastada pela alegação de prescrição porque o procedimento de dúvida tem natureza administrativa e não se presta para sua a declaração, até porque dele não participa o credor tributário.” (Acórdão do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo na Ap. Cív. 1.221-6/8 – Itaquaquecetuba, j. 13.04.2010, Rel. Munhoz Soares).

“(…) são devidos o imposto causa mortis como o incidente sobre a transmissão, inter vivos, por doação: embora único o suporte documental, há, com efeito, fatos geradores distintos justificando, com isso, a dupla incidência tributária, injustamente questionada pela apelante. E sem a comprovação do pagamento dos tributos, o registro do formal de partilha, do qual, repita-se, depende, por força do princípio da continuidade, o da carta de adjudicação, inviabiliza-se.

Consoante o artigo 289 da Lei n.° 6.015/1973, os registradores, no exercício de suas funções, devem “fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”, enquanto o artigo 30 da Lei n.° 8.935/1994, no seu inciso XI, arrola, entre os deveres dos notários e dos registradores, o de “fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar” (CSMSP – Apelação Cível n° 0037763-38.2010.8.26.0114, Rel. Des. José Renato Nalini, j. 04.10.12).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto n° 21.659

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

APELAÇÃO CÍVEL n° 0041645-45.2013.8.26.0100

Apelante: ANNA LUIZA MORAES

Apelado: 14° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

Meu voto acompanha a posição esposada pelo Eminente Corregedor Geral, Desembargador HAMILTON ELLIOT ACKEL, pelo improvimento do recurso.

Ao apresentar sua apelação, a interessada argumentou, em sede de preliminar, com fundamento no artigo 5º da Constituição Federal e no artigo 398 do Código de Processo Civil, a nulidade da sentença.

A seu ver, não teria sido observado o devido processo legal, pois o magistrado proferiu sentença com base apenas na planta ilustrativa apresentada pelo apelado, e evidentemente alterada a mão. Caberia ao magistrado, no caso concreto, determinar a produção de prova pericial, o que seria permitido pela legislação.

Na hipótese vertente, a dúvida foi instruída com a Escritura Pública de Cessão de Direitos Possessórios, demonstrando a aquisição pela apelante do imóvel para abertura de matrícula, a cadeia sequencial de titularidade e a legitimidade de posse.

A matrícula, entretanto, não pôde ser aberta porque o Registrador entendeu ter havido a possibilidade de sobreposição de área: o imóvel que se pretende registrar coincide parcialmente com a localização física do imóvel registrado na matrícula n° 21.608 da mesma serventia, conforme o documento de fls. 43.

Para sanar a ausência de prova, pretende o apelante que seja declarada a nulidade da sentença e lhe seja dada a oportunidade de produção da prova pericial.

O pedido, entretanto, não pode ser acolhido, uma vez que não é compatível com o procedimento de dúvida.

A dúvida “é pedido de natureza administrativa, formulado pelo oficial, a requerimento do apresentante do título imobiliário, para que o juiz competente decida sobre a legitimidade de exigência feita, como condição de registro pretendido” [1].

É procedimento “de jurisdição graciosa, em que não há contraditório entre partes interessadas, mas entre o serventuário, que não tem interesse material a proteger com a suscitação e o suscitado. Há contraditoridade, mas não contenciosidade” [2].

Não é permitida no processo de dúvida a produção de provas, pericial ou testemunhal [3], uma vez que a dúvida não é causa discutida em processo contencioso. A limitação legal não implica em violação ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, pois estes são garantidos com os meios e recursos inerentes ao procedimento específico [4].

O alcance do contraditório no procedimento de dúvida foi explicitado pelo legislador. Nessa toada, os artigos 200 a 202 da Lei 6.015/73 [5] determinam a oitiva do Ministério Público, a realização de diligências, restritas a pedido de esclarecimento ou exibição documental [6], e a garantia do direito de recorrer ao terceiro prejudicado.

Todos os direitos fixados na Lei ao apelante foram satisfeitos, não se configurando a nulidade do título judicial.

Quanto ao mérito, a hipótese é de manutenção da decisão. A autonomia do imóvel a ser registrado em nova matrícula não foi demonstrada, e a abertura da matrícula tal como solicitada acenaria com a possibilidade reconhecimento de direitos contraditórios, o que é vedado pelos princípios que informam o Registro de Imóveis.

Sabidamente a ocasião da primeira matrícula é o momento ideal para adequação do registro à realidade. A abertura de matrícula de um imóvel exige-lhe a determinação e a especialidade. Sem a determinação não pode haver nenhum efeito inscritivo [7].

A especialidade, contida no art. 176 da lei n. 6.015/73, exige a identificação do imóvel como um corpo certo, permitindo o encadeamento dos registros e averbações subsequentes, em conformidade ao princípio da continuidade.

Consoante parecer da lavra do Desembargador Ricardo Dip, que precedeu ao julgamento da Apelação Cível n.° 6.838-0, no dia 30 de março de 1987, relator Desembargador Sylvio do Amaral:

a aferição da disponibilidade não é só aritmética ou quantitativa, mas também qualitativa ou geodésica, impondo a situação da parte dentro do todo de que se destaca, de modo a permitir conhecimento seguro quer da base imobiliária que se separa com a fragmentação, quer da que permanece no registro de origem, evitando sobreposições atuais ou futuras.

Na mesma linha, os julgamentos das Apelações Cíveis n.° 11.447-0/5 e n.° 25.179-0/9, realizados pelo Conselho Superior da Magistratura em 03.09.1990 e 31.08.1995, relatores Desembargadores Onei Raphael e Antônio Carlos Alves Braga, respectivamente.

Na matrícula 21.608 consta que o imóvel registrado se localiza na Rua Sampaio Góes n° 70, e “o seu terreno distante aproximadamente 59.50 m da esquina com a Rua Afonso Braz, com 7,50 m de frente, por 21,00 da frente aos fundos, com 157,50 m², confrontando de um lado com o prédio n° 06 de Adolfo Krable ou sucessores, de outro lado e fundos com a Maria Ossano Sacchitelli” (fls. 17 e 263/264).

A apelante pretende abrir matrícula para outro imóvel determinado na legitimação de posse/escritura de fl. 20/21, também localizado na Rua Sampaio Góes (sem mencionar numeração), e que faz fundos com a Rua Sampaio Góes n° 70, mas de acordo com o desenho juntado a fls. 22, também tem a frente para a mesma rua.

Como se verifica a partir das descrições apresentadas, caso seja feito o registro da forma proposta pela apelante, não haverá uma identificação segura dos imóveis, e não terão sido observados os princípios da determinação objetiva e da especialidade.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

JOSÉ RENATO NALINI

Presidente do Tribunal de Justiça

Notas:

[1] CENEVIVA, Walter. Lei de Registros Público Comentada, p. 378

[2] Idem, p. 383.

[3] Cumpre registrar que, no procedimento de dúvida, como ensina Loureiro: é pacífico o entendimento de que nesse tipo de procedimento não possam ser produzidos outros tipos de prova, como a testemunhal ou a pericial.

[4] CENEVIVA, Walter, Op. Cit., p. 383

[5] Lei 6015/1773: Art. 200 – Impugnada a dúvida com os documentos que o interessado apresentar, será ouvido o Ministério Público, no prazo de 10 (dez) dias. Art. 201 – Se não forem requeridas diligências, o juiz proferirá decisão no prazo de 15 (quinze) dias, com base nos elementos constantes dos autos. Art. 202 – Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.

[6] CENEVIVA, Walter, Op. Cit., p. 383.

[7] Nesse sentido, DIP, Ricardo. Breves considerações sobre alguns temas relativos à “Retificação de Área”. In: Registro de Imóveis (vários estudos). Porto Alegre, Irib/Sérgio Antônio Fabris Ed, 2005, p. 269.

(DJe de 08.09.2015 – SP)