CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de carta de sentença – Instituição de servidão de passagem – Descrição precária do imóvel serviente – Inexistência de elementos mínimos de identificação e localização – Necessidade de prévia retificação da área, em observância ao princípio da especialidade objetiva e de inscrição no “CAR” (Cadastro Ambiental Rural) – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000002-37.2015.8.26.0082, da Comarca de Boituva, em que é apelante GÁS NATURAL SÃO PAULO SUL S.A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BOITUVA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V. U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO), ARTUR MARQUES, RICARDO TUCUNDUVA (PRES SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), RICARDO ANAFE E EROS PICELI.

São Paulo, 9 de novembro de 2015.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 9000002-37.2015.8.26.0082

Apelante: Gás Natural São Paulo Sul S.A.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Boituva.

VOTO N° 29.044

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de carta de sentença – Instituição de servidão de passagem – Descrição precária do imóvel serviente – Inexistência de elementos mínimos de identificação e localização – Necessidade de prévia retificação da área, em observância ao princípio da especialidade objetiva e de inscrição no “CAR” (Cadastro Ambiental Rural) – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Boituva, que julgou procedente dúvida suscitada para manter a recusa do registro da Carta de Sentença extraída dos autos de desapropriação para fins de constituição de servidão administrativa, porque o imóvel serviente não se encontra devidamente descrito, o que impede o registrador de localizar a parcela ocupada pelo gravame.

A apelante afirma, em síntese, que a pretensão é apenas de registrar a carta de sentença referente à instituição de servidão administrativa na matrícula do imóvel. Diz que, por não se tratar de servidão civil, instituída em favor do particular, mas de servidão administrativa pautada em Decreto de Utilidade Pública, deve prevalecer o interesse público. Aduz que a carta de sentença traz todos os elementos necessários ao registro e acrescenta que a regularização da situação do imóvel é dever do proprietário, e, por fim, que o obstáculo ao ingresso deixará de atender o princípio da publicidade, além de não contribuir para a segurança que deve emanar do registro de imóveis.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

O recurso não comporta provimento, como bem destacado no parecer da ilustrada Procuradoria Geral de Justiça.

O imóvel serviente tem área extensa (84.694,625m²) e descrição geodésica precária (fl. 53). Essa imprecisão impossibilita o registro da área dominante, objeto da servidão, descrita no memorial descritivo apresentado, pois o registrador não consegue identificar onde exatamente esta se insere na área serviente.

O inciso II, do artigo 176, da Lei de Registros Públicos, dispõe sobre os requisitos da matrícula, e, no número “3”, alíneas “a” e “b”, consagra o princípio da especialidade objetiva, ao exigir a identificação do imóvel como um corpo certo, permitindo o encadeamento dos registros e averbações subsequentes, em conformidade ao princípio da continuidade.

Afrânio de Carvalho (“Registro de Imóveis”, 4ª edição, Editora Forense) acentua que o princípio da especialidade “significa que toda inscrição dever recair sobre um objeto precisamente individuado” e, ao se referir ao mandamento da individuação do imóvel lançado no regulamento dos registros públicos, consigna que “além de abranger a generalidade dos atos, contratuais e judiciais, o mandamento compreende também a generalidade dos imóveis, urbanos e rurais, exigindo a cabal individuação de todos para a inscrição no registro”, e que “sua descrição no título há de conduzir ao espírito do leitor essa imagem. Se a escritura de alteração falhar nesse sentido, por deficiência de especialização, terá de ser completada por outra de rerratificação, que aperfeiçoe a figura do imóvel deixada inacabada na primeira. Do contrário, não obterá registro.”

Assim, sem a prévia retificação da área do imóvel serviente, não há como fazer a inscrição da servidão pois, como dito, impossível localizar onde exatamente ela se encontra no imóvel serviente.

Nas Apelações Cíveis n°s. 0001243-53.2013.8.26.0315 e 0001619-65.2014.8.26.0586, e que também tiveram como apelante a empresa Gás Natural São Paulo Sul, decidiu-se, do mesmo modo, no sentido da necessidade da prévia retificação da área serviente para possibilitar o registro do título apresentado. As ementas dos acórdãos assim dispõem, respectivamente:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – FALTA DE REPRESENTAÇÃO – ADVOGADO NÃO CONSTITUÍDO PELA APELANTE NOS AUTOS – PREJUDICIALIDADE – EXAME EM TESE DA PERTINÊNCIA DA RECUSA – ESCRITURA DE INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM – DESCRIÇÃO PRECÁRIA DO IMÓVEL SERVIENTE – NECESSIDADE DE PRÉVIA RETIFICAÇÃO, A FIM DE PERMITIR A CORRETA LOCALIZAÇÃO DA SERVIDÃO DO IMÓVEL SERVIENTE – PRECEDENTES DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – RECURSO NÃO CONHECIDO.”

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA PROCEDENTE – RECUSA DE INGRESSO DE CARTA DE SENTENÇA – INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM – DESCRIÇÃO PRECÁRIA DO IMÓVEL SERVIENTE – INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE IDENTIFICAÇÃO E LOCALIZAÇÃO – NECESSIDADE DE PRÉVIA RETIFICAÇÃO DA ÁREA, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE OBJETIVA – RECURSO NÃO PROVIDO.”

Por fim, quanto à necessidade de inscrição no “CAR” (Cadastro Ambiental Rural) enquanto este não havia sido implantado, o entendimento sedimentado, pautado em julgamento do Superior Tribunal de Justiça, era no sentido desnecessidade de averbação da reserva legal nas hipóteses de retificação de área. A partir da implantação efetivada, a inscrição passou a ser obrigatória.

Com efeito, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 218.781 (2002/0146843-9), o voto do Ministro Herman Benjamin, julgado em 9/12/09, o qual está amparado em julgamento daquele mesmo Tribunal de relatoria da Ministra Nancy Andrighi no REsp 831.212/MG, Terceira Turma, DJ 22.9.09, assim dispõe:

“…o proprietário e o possuidor estão obrigados a respeitar percentual, no mínimo que seja, do Código Florestal aplicável ao bioma em que se insere o imóvel. A especialização é de rigor, inclusive como condição para que o oficial do Registro de Imóveis pratique outros atos registrários. Nesse sentido a posição do STJ, em que foi precursora a eminente Ministra Nancy Andrighi, conforme o precedente abaixo:

Direito ambiental. Pedido de retificação de área de imóvel, formulado por proprietário rural. Oposição do MP, sob o fundamento de que seria necessário, antes, promover a averbação da área de reserva florestal disciplinada pela Lei 4.771/65. Dispensa, pelo Tribunal. Recurso especial interposto pelo MP. Provimento.

É possível extrair, do art. 16, §8°, do Código Florestal, que a averbação da reserva florestal é condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel sujeito à disciplina da Lei 4.771/65. Recurso especial provido.”

Outros precedentes no mesmo sentido seguiram-se aos acima mencionados:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Retificação de registro de imóveis – Averbação da reserva legal como condição da retificação – Necessidade – Recurso provido.” (Processo CG 2012/49715, parecer do MMº Juiz Assessor da Corregedoria Gustavo Henrique Bretas Marzagão, datado de 28/9/12, aprovado pelo então DD Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini).

Conforme já mencionado, o “CAR” está agora implantado, razão pela qual a inscrição é obrigatória, como previsto no subitem 125.2, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Em suma, é a matrícula que define, em toda sua extensão, modalidades e limitações, a situação jurídica do imóvel, razão pela qual o registro da carta de sentença apresentada, mesmo nos casos de instituição de servidões administrativas, deve ser feita em observância ao princípio da especialidade objetiva e às demais disposições legais e normativas, o que não se verifica no caso vertente.

O argumento de que é ônus do proprietário do imóvel promover sua retificação não serve de justificativa para afastar a exigência prevista em lei. Além do mais, embora o titular do domínio tenha como regra legitimidade para pedir a retificação da área, nada obsta que tal pretensão seja apresentada por quem demonstre interesse, como é o caso da apelante, que necessita da retificação para possibilitar o registro do título apresentado, pois, não seria razoável que ficasse à mercê da inércia de terceira pessoa quanto a tal providência.

É neste sentido que deve ser interpretada a expressão “interessado” trazida no artigo 213, inciso I, da Lei de Registros Público, e que confere à recorrente legitimidade para requerer a retificação.

Isto posto, nego provimento ao recurso.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

(DJe de 26.01.2016 – SP)