1ª VRP|SP: Dúvida – Carta de Sentença – Princípio da continuidade – Outorgante proprietário tabular de 1/8 do imóvel – Título que transfere a totalidade do bem – Insuficiência de contrato particular para sanar o óbice – Não se presume o afastamento de requisitos legais de registro, sendo necessária menção expressa na sentença – Necessidade de escritura pública – Impossibilidade de registro – Dúvida procedente.
Processo 1119500-15.2015.8.26.0100
Dúvida
Registro de Imóveis
H. V. e outros
Dúvida – Carta de Sentença – Princípio da continuidade – Outorgante proprietário tabular de 1/8 do imóvel – Título que transfere a totalidade do bem – Insuficiência de contrato particular para sanar o óbice – Não se presume o afastamento de requisitos legais de registro, sendo necessária menção expressa na sentença – Necessidade de escritura pública – Impossibilidade de registro – Dúvida procedente.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de H. V., após negativa de registro de Carta de Sentença expedida pelo 17º Tabelião de Notas da Capital, extraída dos autos nº 0039974- 27.2012.8.26.0001, inventário e partilha dos bens de H. L. V., cujo objeto é o imóvel de matrícula nº 29.864 da citada Serventia.
O Registrador alega que o entrave se deu pois a partilha foi feita como se o imóvel fosse de propriedade da de cujus em sua totalidade. Ocorre que na matrícula ela é proprietária da parte ideal de 1/8. Aduz que consta na carta de sentença contrato particular em que são cedidos os 7/8 restantes, mas que o título não pode ter ingresso no fólio registral por não se tratar de escritura pública.
Juntou documentos às fls. 13/182.
O suscitado apresentou impugnação as fls. 191/192. Aduz que o magistrado que julgou a partilha considerou idôneo o contrato particular e reconheceu a propriedade total do imóvel como sendo de H. V., além de arguir a impossibilidade de se lavrar escritura definitiva nos termos do contrato particular.
O Ministério Público opinou às fls. 197/198 pela procedência da dúvida.
É o relatório. Decido.
Os títulos judiciais não são imunes à qualificação pelo Oficial de Registro de Imóveis. Conforme ampla e pacífica jurisprudência, a origem do título não afasta a necessidade de que este se adeque ao princípios que regem os registros públicos, e cabe ao Registrador verificar se estes serão respeitados com o registro do título. Isto posto, a Carta de Sentença apresentada não observa o princípios da continuidade.
Diz a Lei 6.015/73:
“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”; e “Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”
E aqui se observa que a Lei não será cumprida caso o ingresso seja admitido. Consta na matrícula que H. L. V. é proprietária de 1/8 do imóvel, enquanto no título apresentado esta é dada como titular da totalidade do bem.
Assim, não há perfeito encadeamento dos títulos, qual seja o título que outorga os 7/8 restantes à falecida. A alegação de que existe instrumento particular que comprova a alienação do imóvel não é suficiente para afastar a exigência, diante do disposto no art. 1.245 do Código Civil, que corresponde ao inciso II do Art. 134 do Código Civil de 1916, vigente à época da celebração do instrumento:
“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.”
Nem se diga que o juízo homologou o contrato particular ou anuiu com ele: não se pode supor que houve o afastamento de regras legais, sendo necessário que haja menção expressa na sentença. Contudo, foi apenas homologado o plano de partilha, sem nenhuma menção à validade do contrato particular que obrigasse o Oficial a fazer o registro afastando o princípio da continuidade.
Além disso, há cláusula expressa no contrato particular (fls. 48/50) de que este daria origem a escritura pública definitiva, ou seja, demonstrando sua validade apenas obrigacional entre os envolvidos.
Do exposto, julgo procedente a presente dúvida, mantendo o óbice registrário.
Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
São Paulo, 17 de fevereiro de 2016
Tania Mara Ahualli
Juíza de Direito
(DJe de 22.02.2016 – SP)