TJ|MG: Ação declaratória. Doação. Instrumento particular. Assinatura a rogo. Requisitos legais não atendidos. Curador especial. Honorários de sucumbência. Pagamento. Dever do Estado. – Sendo o doador analfabeto, imperiosa se faz a observância de condições para a validade do ato, notadamente, de que o negócio seja formalizado via escritura pública ou mediante interveniência de mandatário especialmente constituído. Tal cuidado visa proteger justamente aquele que não têm plena condição de acesso ao conteúdo da obrigação, resguardando a boa-fé indispensável ao ato. – O curador especial que atua no processo com fincas no art. 9° do CPC possui direito a honorários advocatícios custeados pelo Estado.

Íntegra

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0568.09.011331-3/001

Relatora:  Des.(a) Cláudia Maia

Relatora do Acórdão: Des.(a) Cláudia Maia

Data do Julgamento: 05/05/2016

Data da Publicação: 13/05/2016

EMENTA:

AÇÃO DECLARATÓRIA. DOAÇÃO. INSTRUMENTO PARTICULAR. ASSINATURA A ROGO. REQUISITOS LEGAIS NÃO ATENDIDOS. CURADOR ESPECIAL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. PAGAMENTO. DEVER DO ESTADO. – Sendo o doador analfabeto, imperiosa se faz a observância de condições para a validade do ato, notadamente, de que o negócio seja formalizado via escritura pública ou mediante interveniência de mandatário especialmente constituído. Tal cuidado visa proteger justamente aquele que não têm plena condição de acesso ao conteúdo da obrigação, resguardando a boa- fé indispensável ao ato. – O curador especial que atua no processo com fincas no art. 9° do CPC possui direito a honorários advocatícios custeados pelo Estado.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0568.09.011331-3/001 – COMARCA DE SABINÓPOLIS – APELANTE(S): ISMAR FRANCISCO DOS SANTOS – APELADO(A)(S): JOÃO PEREIRA DOS SANTOS, ANITA DOS SANTOS, FELÍCIO PEREIRA DOS SANTOS, GERALDINA PEREIRA DA COSTA, MARIA DO CARMO DOS SANTOS, SEBASTIÃO PEREIRA DOS SANTOS, ELIZABETH PEREIRA DOS SANTOS BRAGA, GERALDO PEREIRA DOS SANTOS, JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA DOS SANTOS, JOSÉ PEREIRA DOS SANTOS, MARIA PEREIRA DOS SANTOS, MARIZA PEREIRA DOS SANTOS BRITO, WILSON PEREIRA DOS SANTOS E OUTRO(A)(S), FRANCISCO PEREIRA SANTOS, LUZIA AUGUSTA PEREIRA ARAÚJO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

DESª. CLÁUDIA MAIA, RELATORA

DESª. CLÁUDIA MAIA (RELATORA)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Ismar Francisco dos Santos contra sentença de fls. 143/145, proferida pelo Juiz de Direito investido na Vara Única da Comarca de Sabinópolis, por meio da qual julgou improcedente o pedido da ação declaratória de validade de doação por instrumento particular ajuizada contra Wilson Pereira dos Santos e outros.

Nas razões recursais de fls. 147/149, afirma que a declaração de fls. 10 se presta como instrumento válido de doação, pois, embora constitua instrumento particular, atende a todos os requisitos de validade necessários ao ato e assevera que os demais herdeiros concordaram com a doação realizada pela sua genitora. Por fim, pede pela reforma da sentença no tocante à sua condenação ao pagamento dos honorários da Curadora Especial nomeada para representar os réus ausentes, por se tratar de munus público.

Intimados, os réus não apresentaram contrarrazões (fls. 156v.).

Em síntese, é o relatório.

Conheço do recurso, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade. Cuida-se de ação declaratória de validade de doação por instrumento particular ajuizada por Ismar Francisco dos Santos contra Wilson Pereira dos Santos e outros, sob a alegação de que recebeu de sua genitora o imóvel situado na Rua Padre Teófilo, n. 196, situado no município de Materlândia, onde construiu uma casa de 5 dormitórios.

Afirma que, embora não possuísse o registro do imóvel, a doadora era sua proprietária e que este representa menos da metade de sua legítima. Pugna pela declaração de validade do ato, a fim de possibilitar a transferência de propriedade perante o registro do imóvel.

Após detida análise dos autos, concluo que a sentença não merece reforma, pois, sendo a doadora analfabeta, imperiosa se mostrava a observância de condições específicas para a validade do ato, notadamente que o negócio fosse formalizado via escritura pública ou mediante interveniência por mandatário especialmente constituído. Tal cuidado visa proteger justamente aquele que não têm plena condição de acesso ao conteúdo da obrigação, resguardando a boa-fé indispensável ao ato.

Eis a dicção da doutrina a respeito:

O analfabeto, ou quem se encontre em situação de não poder assinar o nome, só por escritura pública, ou por intermédio de procurador bastante, pode contrair obrigação (Washington de Barros Monteiro in Curso de Direito Civil, Parte Geral, 10. ed. Saraiva: São Paulo, 1971).

Da mesma forma segue o escólio de Moacyr Amaral Santos:

O analfabeto poderá participar validamente de instrumento particular por meio de quem o represente, isto é, por meio de procurador a quem haja outorgado poderes por instrumento público. A não ser por essa forma, vedado é ao analfabeto obrigar-se por instrumento particular (in Prova Judiciária no Cível e Comercial, 4ª ed. Max Limonad: São Paulo, 1972).

Na espécie, a doadora assinou instrumento particular de doação a rogo sem a devida assistência de procurador especialmente constituído, circunstância suficiente a viciar o ato de forma absoluta.

Segue ampla jurisprudência desta Casa sobre o tema em baila:

O analfabeto é pessoa capaz, mas deve contratar apenas por escritura pública ou, se por escrito particular, através de procurador constituído” (TJMG – Apelação Cível 1.0043.09.019253-5/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes, publicação da súmula em 30/06/2011).

Apesar de o analfabeto ser plenamente capaz de praticar determinados atos na esfera civil, a contratação de empréstimo bancário somente deve ser feito por escritura pública ou através de procurador constituído (TJMG – Apelação Cível 1.0511.08.013489-9/001, Relator(a): Des.(a) Alvimar de Ávila, publicação da súmula em 12/11/2012).

O negócio jurídico firmado por pessoa analfabeta há que ser realizado sob a forma pública ou por procurador constituído dessa forma. Não observada a forma prescrita em lei, deve ser reconhecida a nulidade do negócio jurídico entabulado (TJMG – Apelação Cível 1.0701.12.024364-0/001, Relator(a): Des.(a) Márcia De Paoli Balbino, publicação da súmula em 27/05/2014).

Pode o analfabeto contrair obrigações, exigindo-se, contudo, para a validade do respectivo contrato que ele seja formalizado por instrumento público ou por instrumento particular assinado a rogo por intermédio de procurador constituído por instrumento público (TJMG – Apelação Cível 1.0557.10.000876-1/001, Relator(a): Des.(a) José de Carvalho Barbosa, publicação da súmula em 21/02/2014).

Apenas por meio de escritura pública pode o analfabeto contrair obrigações, ou somente por intermédio de procurador constituído por instrumento público poderá contrair obrigações pena de nulidade do negócio jurídico que não obedecer tais formalidades (TJMG – Apelação Cível 1.0549.11.001582-9/001, Relator(a): Des.(a) Belizário de Lacerda, publicação da súmula em 29/11/2013).

Destarte, da forma como formalizada, a doação é nula, nos termos do art. 104, inciso III, do Código Civil, combinado com o art. 166, incisos IV e V do Digesto Material.

Ademais, como bem observou o julgador a quo, não consta do presente feito prova da propriedade da doadora, de maneira que, mesmo que obedecidas as formalidades supramencionadas, a teor do disposto no art. 538 do Código Civil, o bem não poderia ter sido objeto de doação.

No que toca à fixação de honorários advocatícios em prol da Curadora Especial, nomeada nos termos do inciso II, do art. 9º do CPC de 1973, a sentença merece retoque, pois a aludida verba deve ser suportada pelo Estado.

Neste sentido, segue precedente desta 14ª Câmara Cível: EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA – MENSALIDADES ESCOLARES – ENSINO SUPERIOR – FREQUÊNCIA ÀS AULAS – IRRELEVÂNCIA – MATRÍCULA NÃO CANCELADA – COBRANÇA DEVIDA – RÉU CITADO POR EDITAL – CURADOR ESPECIAL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – CABIMENTO – PAGAMENTO PELO ESTADO. O suposto fato de o aluno não ter frequentado as aulas não afasta o dever de efetuar o pagamento das mensalidades referentes aos meses contratados, mormente quando não cancelada a matrícula. Nos termos do art. 9º, inciso II, do CPC, a nomeação do curador especial nos casos em que o réu é citado por edital é indispensável, e o trabalho deve ser devidamente remunerado. O art. 22, do Estatuto da OAB, Lei 8.906/94, dispõe que o advogado nomeado para representar o juridicamente necessitado fará jus a honorários advocatícios a serem arbitrados pelo juiz e suportados pelo Estado.

(TJMG – Apelação Cível 1.0525.12.020464-5/001, Relator(a): Des.(a) Marco Aurelio Ferenzini , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/02/2014, publicação da súmula em 12/03/2014) (Destaquei) Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso, a fim de determinar que os honorários de sucumbência devidos à Curadora Especial sejam custeados pelo Estado de Minas Gerais.

Nos termos do parágrafo único do art. 86 do NCPC, condeno o autor ao pagamento das custas recursais pelo autor, suspensas por litigar sob o pálio da gratuidade judiciária.

DES. ESTEVÃO LUCCHESI (REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. MARCO AURELIO FERENZINI – De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO”