TJ|PR: Ação indenizatória – Inventário e partilha extrajudicial – Levantamento de valores pelo inventariante – Recusa do banco em fornecer valores pertencentes ao de cujus ali depositados – Valores que foram fornecidos somente diante do comparecimento pessoal de todos os herdeiros – Inventariante que possui poderes necessários para o saque conferidos pela lei 11.441/07 e artigo 3º da resolução 35 do CNJ – Demora de aproximadamente 50 dias para o fornecimento de cheques administrativos para saque – Falha na prestação do serviço – Dano moral configurado – Quantum arbitrado em R$ 8.000,00 (oito mil reais) – Valor adequado no entendimento deste relator e precedentes desta turma recursal – Aplicação do enunciado 12.13 A da TRU/PR – Sentença reformada.
Recurso Inominado nº 0006945-18.2015.8.16.0014.
Origem: 2º Juizado Especial Cível de Londrina.
Recorrente: Itaú Unibanco S.A.
Recorrido: Rubens Maurício Martins Tristão.
Relator: Juiz Marco Vinícius Schiebel.
EMENTA: AÇÃO INDENIZATÓRIA INVENTÁRIO E PARTILHA EXTRAJUDICIAL LEVANTAMENTO DE VALORES PELO INVENTARIANTE – RECUSA DO BANCO EM FORNECER VALORES PERTENCENTES AO DE CUJUS ALI DEPOSITADOS – VALORES QUE FORAM FORNECIDOS SOMENTE DIANTE DO COMPARECIMENTO PESSOAL DE TODOS OS HERDEIROS- INVENTARIANTE QUE POSSUI PODERES NECESSÁRIOS PARA O SAQUE CONFERIDOS PELA LEI 11.441/07 E ARTIGO 3º DA RESOLUÇÃO 35 DO CNJ – DEMORA DE APROXIMADAMENTE 50 DIAS PARA O FORNECIMENTO DE CHEQUES ADMINISTRATIVOS PARA SAQUE – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM ARBITRADO EM R$ 8.000,00 (OITO MIL REAIS) – VALOR ADEQUADO NO ENTENDIMENTO DESTE RELATOR E PRECEDENTES DESTA TURMA RECURSAL – APLICAÇÃO DO ENUNCIADO 12.13 A DA TRU/PR- SENTENÇA REFORMADA.
Recurso conhecido e provido.
I. Relatório.
Trata-se de demanda indenizatória, aforada por Rubens Maurício Martins Tristão, em face de Itaú Unibanco S.A, em razão de impedimento na realização de movimentação bancária objeto de partilha pelo inventariante.
Aduz o reclamante, em síntese, ser inventariante em inventário extrajudicial, nomeado amigavelmente pelos herdeiros. Afirma ainda que diante da partilha amigável extrajudicial, dirigiu-se o banco reclamado para o levantamento dos valores depositados em várias contas correntes em nome dos seus genitores falecidos, requerendo a transferência direta, por meio de TED, aos herdeiros dos valores especificados na partilha.
Entretanto, sustenta que, após ratificação e retificação da escritura pública requeridos pelo banco reclamado, foi negada a transferência eletrônica direta aos herdeiros, bem como a possibilidade de saque dos valores em nome dos herdeiros. Relata que houve a necessidade de comparecimento pessoal dos herdeiros para o saque dos valores por meio de cheque administrativo, e somente conseguiu levar consigo os cheques administrativos dos herdeiros que possuía procuração. Ainda, alega as negociações para recebimentos dos valores começaram na data de 11/11/2014 e somente foram finalizadas na data de 02/01/2015, o que gerou transtornos imensos e questionamentos por parte dos outros herdeiros.
Assim, pretende indenização pelos danos morais suportados (seq. 1.1).
Em oportunidade de resposta, o reclamado apresentou Contestação (seq. 25.1), argumentando ausência de ilicitude e defeito na prestação do serviço na conduta dos seus funcionários, tendo em vista a inexistência de para a transferência total dos valores pelo inventariante, concedendo somente poderes para representar o espólio judicial e extrajudicialmente, sendo exigidos poderes específicos para a movimentação de contas.
Sobreveio decisão (seq. 38.1) homologada por sentença (seq. 40.1) de improcedência do pedido do reclamante.
Inconformado, o reclamante interpôs Recurso Inominado (seq. 45.1) sustentando a falha na prestação do serviço bancário, tendo em vista a desnecessidade de explicitação dos poderes específicos na escritura pública de inventário e partilha, atraso na liberação dos valores, e conduta arbitrária da instituição financeira reclamada, requerendo por fim, a condenação do reclamado ao pagamento de indenização por danos morais suportados.
É o breve relatório.
II. Passo ao voto.
Satisfeitos os pressupostos processuais viabilizadores da admissibilidade dos recursos, tanto os objetivos quanto os subjetivos, devem ser eles conhecidos.
Esquadrinhando os autos verifica-se que o a r. sentença requesta reparos.
Preambularmente, insta observar que a relação estabelecida entre as partes é tipicamente de consumo, enquadrando-se nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, e assim sendo, perfeitamente aplicável o artigo 6º, em especial o inciso VIII, o qual estabelece a inversão do ônus probatório, desde que verossímil a alegação ou verificada a hipossuficiência do consumidor.
Releva lembrar que se está diante de uma relação de consumo e o artigo 14 do Estatuto Consumerista consagra a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços.
Analisando os autos, depreende-se que o reclamado consta como inventariante na escritura pública de inventário e partilha extrajudicial (seq. 1.3)
A Lei 11.441/07 possibilitou a realização, entre outros, de inventários e partilhas pela via extrajudicial, já a Resolução 35 do CNJ disciplinou a aplicação da lei, e mais precisamente, o artigo 3º desta resolução dispõe sobre as escrituras públicas:
Art. 3º As escrituras públicas de inventário e partilha, separação e divórcio consensuais não dependem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores (DETRAN, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, instituições financeiras, companhias telefônicas, etc.)
Deste modo, o que se verifica é que o reclamante, munido de poderes conferidos pelos herdeiros, pela Lei 11.441/07 e o artigo 3º da Resolução 35 do CNJ, dirigiu-se ao banco reclamado a fim de levantar os valores do inventário ali existentes, contudo, foi impedido de exercer seus poderes arbitrariamente pela instituição financeira, que não levou em consideração a inexistência de um inventário extrajudicial e suas peculiaridades, causando transtornos de grande monta.
Neste sentido, os principais Tribunais de Justiça se posicionam, vejamos.
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL- APELAÇÃO- AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER- VALOR DEPOSITADO EMCONTA BANCÁRIA EM FAVOR DE PESSOA FALECIDA- LEVANTAMENTO PELO INVENTARIAMENTE- INEXIGÊNCIA DE ALVARÁJUDICIAL- ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA DE BENS- NECESSIDADE E SUFICIÊNCIA DOCUMENTO NÃO APRESENTADO- LIBERAÇÃO DO VALOR- IMPOSSIBILIDADE- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. – Após a Lei 11.441/97, que alterou o CPC para permitir que o inventário e respectiva partilha sejam feitos na via extrajudicial, em Cartório de Notas, não é necessária a exigência de alvará judicial para o levantamento de valor depositado em instituição financeira em favor do de cujus, embora seja exigida a escritura pública de inventário e partilha do saldo para tanto. -No caso, ausente a prova da apresentação da escritura pública de inventário e partilha, não era mesmo de ser deferido o pedido do inventariante, de levantamento do valor. -Recurso conhecido e provido em parte. (TJ-MG – AC: 10145130369385001 MG, Relator: Márcia De Paoli Balbino, Data de Julgamento: 24/04/2014, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/05/2014)
Diante de tudo isso, tem-se que o saque dos valores em nome do de cujus nas instituições financeiras para a efetivação de transferência aos herdeiros, não depende de alvará, e sendo assim, tampouco necessitaria o comparecimento pessoal dos herdeiros, pois já possui o inventariante poderes específicos, provenientes da natureza do inventário extrajudicial, e conferidos pela Lei 11.441/07 e artigo 3º da Resolução 35 do CNJ.
Outrossim, o desrespeito às prerrogativas do inventariante, obrigaram os herdeiros a um tempo de espera que superou as expectativas de um inventario realizado pela via extrajudicial, que tem como uma de suas finalidades, a agilidade no procedimento.
Assim, tem-se que as situações vivenciadas pelo reclamante ultrapassaram o mero dissabor cotidiano, caracterizando verdadeiro dano moral, causado pela falha na prestação do serviço por parte do reclamado.
Relativamente ao pedido de danos morais, convém ressaltar a lição do ilustre Orlando Gomes:
“Dano moral é, portanto, o constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de lesão em direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem. (…) Observe-se, porém, que esse dano não é propriamente indenizável, visto como indenização significa eliminação do prejuízo e das consequências, o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial. Prefere-se dizer que é compensável. Trata-se de compensação, e não de ressarcimento. Entendida nestes termos a obrigação de quem o produziu, afasta-se a objeção de que o dinheiro não pode ser o equivalente da dor, porque se reconhece que, no caso, exerce outra função dupla, a de expiação, em relação o culpado, e a de satisfação, em relação à culpa”. (in “Obrigações”, 11ª ed. Forense, pp. 271/272).
Quanto à necessidade de comprovação, importante notar que a caracterização do dano moral decorre da própria conduta lesiva, sendo aferido segundo o senso comum do homem médio, conforme leciona Carlos Alberto Bittar:
“(…) na concepção moderna da teoria da reparação dos danos morais prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação (…) o dano existe no próprio fato violador, impondo a necessidade de resposta, que na reparação se efetiva. Surge “ex facto” ao atingir a esfera do lesado, provocando-lhe as reações negativas já apontadas. Nesse sentido é que se fala em “damnum in re ipsa”. Ora, trata-se de presunção absoluta ou “iure et de iure”, como a qualifica a doutrina. Dispensa, portanto, prova em contrário. Com efeito corolário da orientação traçada é o entendimento de que não há que se cogitar de prova de dano moral.” (in “Reparação Civil por Danos Morais”, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Ed., pp. 202/204).
No que tange ao quantum indenizatório, a dificuldade inerente a tal questão reside no fato da lesão a bens meramente extrapatrimoniais não ser passível de exata quantificação monetária, vez que impossível seria determinar o exato valor da honra, do bem-estar, do bom nome ou da dor suportada pelo ser humano.
Não trazendo a legislação pátria critérios objetivos a serem adotados, a doutrina e a jurisprudência apontam para a necessidade de cuidado, devendo o valor estipulado atender de forma justa e eficiente a todas as funções atribuídas à indenização: ressarcir a vítima pelo abalo sofrido (função satisfativa) e punir o agressor de forma a não encorajar novas práticas lesivas (função pedagógica). Tomando-se por base aspectos do caso concreto, extensão do dano, condições socioeconômicas e culturais das partes, condições psicológicas e grau de culpa dos envolvidos, o valor deve ser arbitrado de maneira que atinja de forma relevante o patrimônio do ofensor, porém sem ensejar enriquecimento ilícito da vítima.
Seguindo essa premissa, tem-se que a importância de R$ 8.000,00 (oito mil reais), é adequada para a solução da controvérsia e coaduna com precedentes desta Turma Recursal.
Diante do exposto, quanto ao mérito, merece provimento o recurso, devendo ser reformada a r. sentença, para o fim de julgar procedente o pedido do reclamante, e condenar o reclamado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00, acrescido de juros de mora de 1% a.m. desde a citação e correção monetária pela média do INPC/IGP-DI, desde a decisão condenatória, de acordo com o Enunciado 12.13, A, da TRU/PR.
É este o voto que proponho.
III. Do dispositivo.
Diante do exposto, resolve esta Turma Recursal, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento, nos exatos termos do voto.
O recorrente vencedor não se impõe o pagamento das verbas sucumbenciais.
O julgamento foi presidido pelo Juiz Dr. Marco Vinícius Schiebel, com voto, e dele participaram os Juízes Dra. Manuela Tallão Benke e Dr. Marcelo de Resende Castanho.
Curitiba, 10 de dezembro de 2015.
Marco Vinícius Schiebel
Juiz Relator