TJ|SP: Recurso Administrativo. Procedimento instaurado para apuração de infração disciplinar do Registrador. Arquivamento determinado pela Juíza Corregedora Permanente. Revisão do julgado, de ofício, pelo Corregedor Geral de Justiça, com aplicação de multa ao Registrador. Possibilidade. Infração não prescrita. Artigo 28, inciso XXVII do RITJSP e item 23.1, do Capítulo XXI das NSCGJ. Qualificação negativa do título. Certidão de penhora que recaiu sobre imóvel. Documento que continha todas as informações necessárias à averbação. Erro grosseiro e inescusável do Registrador, que apenas reconheceu o equívoco na terceira oportunidade, após quase um ano da primeira apresentação. Supostos problemas com assessoria jurídica ou com seus prepostos que não afastam a responsabilidade do Registrador. Infração disciplinar configurada. Manutenção da penalidade aplicada. Penas de repreensão anteriormente cominadas ao recorrente. Artigos 31, incisos I e V, e 32, inciso II, ambos da Lei nº 8.935/94. Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo nº 9000002-14.2015.8.26.0995, da Comarca de São Paulo, em que é requerente B. J. M. D., é requerido CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria, negaram provimento ao recurso. Vencido o 3° Juiz que declarará voto. Com declaração de voto vencedor do 2° Juiz.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE) (Presidente sem voto), LUIZ ANTONIO DE GODOY (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚDLICO).
São Paulo, 23 de maio de 2016
LIDIA CONCEIÇÃO
RELATORA
Voto nº 6.316
RECURSO ADMINISTRATIVO. Procedimento instaurado para apuração de infração disciplinar do Registrador. Arquivamento determinado pela Juíza Corregedora Permanente. Revisão do julgado, de ofício, pelo Corregedor Geral de Justiça, com aplicação de multa ao Registrador. Possibilidade. Infração não prescrita. Artigo 28, inciso XXVII do RITJSP e item 23.1, do Capítulo XXI das NSCGJ. Qualificação negativa do título. Certidão de penhora que recaiu sobre imóvel. Documento que continha todas as informações necessárias à averbação. Erro grosseiro e inescusável do Registrador, que apenas reconheceu o equívoco na terceira oportunidade, após quase um ano da primeira apresentação. Supostos problemas com assessoria jurídica ou com seus prepostos que não afastam a responsabilidade do Registrador. Infração disciplinar configurada. Manutenção da penalidade aplicada. Penas de repreensão anteriormente cominadas ao recorrente. Artigos 31, incisos I e V, e 32, inciso II, ambos da Lei nº 8.935/94. Recurso desprovido.
Vistos.
Cuida-se de recurso administrativo disciplinar, interposto por B. J. M. D., … Oficial de Registro de Imóveis da Capital, contra a r. decisão proferida pelo Exmo. Desembargador Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo (fls. 48/55) que, em procedimento instaurado para apuração de infração disciplinar, nos termos do artigo 32, inciso II, da Lei nº 8.935/94, aplicou ao Registrador, ora recorrente, multa no valor de R$ 50.000,00, pela prática das infrações elencadas pelo artigo 31, incisos I e V, da Lei n. 8.935/941. E, no caso, consistiu a conduta do Registrador em deixar de retificar erro, insistindo em outras duas oportunidades, deixando de qualificar corretamente certidão de penhora sob o argumento da ausência de mandado judicial.
O Exmo. Desembargador Corregedor Geral da Justiça entendeu que o Registrador, ao qualificar negativamente o título apresentado (certidão de penhora emitida pela 39ª Vara Cível do Foro Central Cível da Capital), inobstante a existência de informação constante expressamente na certidão (responsabilidade patrimonial do executado que decorreu do reconhecimento de fraude à execução), além de persistir na conduta mesmo depois de interpelado pela MM. Juíza Corregedora Permanente, incorreu em erro grosseiro e inescusável. Reconheceu, destarte, que tal conduta afrontou as prescrições legais e normativas atinentes ao dever de eficiência e presteza, dando causa a atraso de vários meses no andamento da execução e prejuízo ao exequente, de modo a ser responsabilizado disciplinarmente (cominação de multa).
Inconformado, recorre o Registrador (fls. 62/79), sustentando, preliminarmente, a nulidade da r. decisão em razão da avocação extemporânea do feito, com a aplicação de pena em caso coberto pela coisa julgada administrativa. No mérito, aduz, em síntese, que, tecnicamente, não houve erro, uma vez que inexiste norma que permita a prática de ato de averbação na matrícula com base em simples observação (que não é título) feita em documento eletrônico. Afora isso, assevera que eventual erro foi escusável, decorrente da simples menção, na certidão da penhora, ao artigo 593, inciso II, do Código de Processo Civil, de forma descontextualizada e não instruída com cópia da r. decisão que reconheceu a ineficácia da alienação do imóvel em razão de fraude à execução.
Sustenta que os “outros erros” (sic fls. 78) supostamente praticados pelos serventuários, não foram considerados infrações disciplinares.
Recebido o recurso, mantida a decisão recorrida (fls. 82).
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
Cuida-se de procedimento administrativo instaurado, mediante Portaria da 1ª Vara de Registro Públicos da Capital – Corregedoria Permanente (nº 03/2015 – fls. 02/04), para apuração de suposta infração disciplinar cometida pelo .. Oficial de Registro de Imóveis da Capital, decorrente do erro na qualificação do título pelo Registrador (certidão de penhora “online”).
Depreende-se dos autos que o Registrador, ao receber o título proveniente da 39ª Vara Cível da Capital, qualificou-o negativamente, diante da suposta “ausência de apresentação do mandado judicial determinando a averbação das ineficácias das alienações” (fls. 02).
Instado a prestar informações pela MM. Juíza Corregedora Permanente, o Registrador insistiu por mais duas vezes na qualificação negativa, exigindo, em nota devolutiva, informação que já constava em campo próprio do título apresentado2, e somente admitiu o equívoco na terceira oportunidade. Tal conduta teve como consequência o atraso no andamento da ação de execução em trâmite perante a 39ª Vara Cível da Capital, de quase 1 (hum) ano, bem como suposto prejuízo ao exequente.
Em Juízo (fls. 17/18), o Registrador admitiu o “equívoco relativo a uma penhora online. Foi solicitada uma exigência que já estava mencionada pela Central de Penhoras, gerando a necessidade do reingresso do pedido. Na ocasião o depoente estava enfrentando um problema relativo a sua assessoria jurídica (…) Sanado o problema, foram prestadas novas informações e a penhora teve seu seguimento normal” (g.n.).
E, em que pese a MM. Juíza Corregedora Permanente ter reconhecido que o erro cometido pelo Registrador não configurou falta disciplinar, razão pela qual determinou o arquivamento do feito (fls. 31/34), a hipótese autorizava a avocação do procedimento pelo Exmo. Corregedor Geral de Justiça, Desembargador Hamilton Elliot Akel, acolhendo o parecer dos MM. Juízes Assessores da Corregedoria (fls. 48/54), que julgou procedente o procedimento administrativo instaurado pela Portaria nº 03/2015, e aplicou ao Sr. Oficial do .. Registro de Imóveis da Capital à pena de multa fixada em R$ 50.000,00 (fls. 55), pela prática das infrações elencadas pelo artigo 31, incisos I e V, da Lei nº 8.935/94.
Primeiramente, não se olvida que a lei que dispõe sobre serviços notariais e de registro é omissa no que tange a prescrição das infrações disciplinares praticadas pelos Registradores. No entanto, consoante o entendimento sedimentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, “na ausência de previsão legal específica na lei que regula a aplicação de penalidade administrativa aos notários e oficiais de registro, é possível aplicar o prazo de prescrição previsto no Estatuto dos Funcionários Civis do Estado3.
In casu, se observa que as infrações, supostamente praticadas pelo Registrador, ocorreram entre julho de 2013 e maio de 2014 (fls. 53 vº). Este processo administrativo teve início em 16 de março de 2015 (fls. 04), ou seja, antes do esgotamento do prazo prescricional previsto pelo artigo 261, inciso I e § 1 º, da Lei Estadual nº 10.261/684 (dois anos contados do dia do cometimento das faltas).
Nesse sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. DATA DA PRÁTICA DA CONDUTA ILEGAL. EXPRESSA DISPOSIÇÃO DO ART. 261 DO ESTATUTO DOS SERVIDORES ESTADUAIS DE SÃO PAULO. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Da leitura dos autos, infere-se que: i) o ato considerado irregular punível com multa foi realizado em 2005 enquanto o procedimento administrativo disciplinar somente se iniciou em 2011; ii) o prazo prescricional das infrações sujeitas à multa é de dois anos, conforme disposto no art. 261, inc. I, do Estatuto dos Servidores Públicos de São Paulo. 2. Com efeito, no momento em que a suposta infração administrativa foi praticada, o art. 261, § 1º, do Estatuto dos Servidores Públicos de São Paulo já indicava, expressamente, o momento da prática da falta como o termo inicial do processo administrativo disciplinar. 3. (…). 4. Agravo regimental não provido”. (STJ, AgRg no RMS 46.429/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, T2, j. 16.12.2014, DJe. 19.12.2014) (g.n.).
Deste modo, e ao contrário do sustentado nas razões recursais, não há que se falar em nulidade da r. decisão ou da suposta violação a coisa julgada administrativa, uma vez que, conforme visto, trata-se de infrações disciplinares não prescritas, cujo reexame e/ ou revisão da r. decisão proferida pela Corregedoria Permanente, ainda que de ofício, são providências que competem ao Exmo. Corregedor Geral de Justiça, nos termos do artigo 28, inciso XXVII do Regimento Interno deste Eg. Tribunal de Justiça5 e do item 23.1, do Capítulo XXI das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça6.
Logo, afasta-se a preliminar arguida no recurso.
No mérito, melhor sorte não assiste ao recorrente.
In casu, o próprio Registrador admitiu, em Juízo (fls. 17 / 18), a ocorrência do equívoco na qualificação negativa do título – medida cujo efeito imediato impossibilitou a averbação da penhora na matrícula do imóvel. E, ainda que não houvesse a apresentação do mandado – o que afasta eventual descumprimento – o fato é que sem justificativa plausível, não ocorreu a averbação da penhora como se impunha.
Afora isso, o recorrente atribuiu a ocorrência do fato a “problemas com sua assessoria jurídica” (sic – fls. 17) insistindo, inclusive, que “outros erros” cometidos por seus funcionários sequer foram considerados no julgamento do processo, o que, de forma alguma, o exime de responsabilidade. Nesse sentido, clara é a redação do item 19.1, do Capítulo XXI das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça7.
Nesse diapasão, denota-se que a certidão de penhora apresentada ao Registrador, emitida pelo MM. Juízo da 39ª Vara Cível da Capital, continha, desde o início, todas as informações necessárias à averbação da penhora, inclusive apontando a ocorrência/ reconhecimento de fraude à execução (menção expressa ao artigo 593, inciso II do Código de Processo Civil/1973 – vigente à época – e que, conforme bem assinalado às fls. 52, “era o que bastava para a Serventia de Imóveis (…) porque acostumada ao grande volume de penhoras – fazer a averbação. Não se tratava, destarte, de ato incomum ou que pudesse gerar qualquer tipo de dúvida, mas de simples averbação de penhora, fato comum do cotidiano”).
Assim, não prosperam as assertivas do recorrente, inclusive no que tange a suposta inexistência de norma técnica específica a prática do ato, conforme bem consignado às fls. 51 vº8.
Finalmente, considerando que o Registrador insistiu no erro por mais duas vezes, vindo a reconhecer o equívoco, voluntariamente, somente na terceira oportunidade, quase 1 (hum) ano após a primeira apresentação do título, se vislumbra o caráter grosseiro, inescusável do erro cometido pelo Registrador, que resultou em atraso indevido no trâmite da ação executiva e em efetivo prejuízo ao exequente credor, decorrente, este, da violação ao seu dever de atendimento às partes com eficiência e presteza, bem como a providência que lhe foi solicitada pela autoridade judiciária (artigo 30, incisos II e III, da Lei nº 8.935/94).
Portanto, constatada a prática de infrações disciplinares pelo Registrador, e considerando as anteriores cominações de pena de repreensão ao recorrente (fls. 06/07), de rigor a manutenção da r. decisão proferida pelo Exmo. Desembargador Corregedor Geral da Justiça que bem aplicou a pena de multa, no valor de R$ 50.000,00, em atenção aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade.
Isto posto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação.
LÍDIA CONCEIÇÃO
Relatora
DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE
Respeitados os argumentos expostos pelo eminente Desembargador Ricardo Dip, acompanho a orientação adotada pela ilustre Relatora.
De imediato, anoto que, tendo integrado o Órgão Especial por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 0002389-07.2013.8.26.0000, voltando a analisar o tema nesta oportunidade, reformulei meu pensamento a respeito.
Com a devida vênia, entendo que a orientação adotada em mais recentes julgamentos do Colendo Órgão Especial desta Corte é a que melhor retrata o espírito da lei que disciplina a matéria aqui discutida.
Reporto-me, assim, aos Acórdãos lavrados por ocasião dos julgamentos dos Mandados de Segurança nº 2207878-70.2014.8.26.0000 (julgado em 27 de maio de 2015, sendo Relator o preclaro Desembargador João Saletti) e nº 2225875-32.2015.8.26.0000 (julgado em 04 de maio de 2016, sendo relator o eminente Desembargador Antonio Carlos Villen).
Em ambos, à unanimidade, o Colendo Órgão Especial, reformulando a orientação adotada por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 0002389-07.2013.8.26.0000 (acima mencionado), reconheceu a responsabilidade objetiva dos tabeliães (por atos de seus prepostos).
Oportuno, aqui, transcrever trecho do Acórdão lavrado por ocasião do julgamento do mencionado Mandado de Segurança nº 2225875-32.2015.8.26.0000:
“Tal orientação está de acordo com o disposto no artigo 21, da Lei n. 8.935/94, que Recurso Administrativo nº 9000002-14.2015.8.26.0995 – São Paulo – Declaração de Voto nº 36.377 prevê que ‘O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é de responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços'”.
Em consonância com o dispositivo legal acima citado, os tabeliães e registradores públicos têm o dever funcional de fiscalizar seus funcionários, daí decorrendo sua responsabilidade funcional por ato ilegal praticado por seus prepostos no exercício de suas funções. Orientação diversa estimularia o descumprimento do dever de fiscalizar, pois bastaria a ausência do titular para se eximir de falta praticada por qualquer de seus empregados. Assim, considerar in casu a subjetividade sob o prisma jurídico-penal impediria a responsabilização do delegado por ato de prepostos e dificultaria sobremaneira o controle de eficiência do serviço público.
Esse entendimento, aliás, também foi firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreende do decidido no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 23.587/RJ (Rel. Min. Francisco Falcão, Relator para o acórdão Min. Luiz Fux, j. 7.10.2008, DJe 3.11.2008).
Por fim, entendo que a sanção pecuniária aplicada acha-se suficientemente fundamentada, considerando, inclusive, as anteriores anotações existentes em nome do impetrante (não dotado de folha imaculada – fls. 15/16).
LUIZ ANTONIO DE GODOY
Presidente da Seção de Direito Privado.
VOTO DE VENCIDO:
1. De início, registro que o vertente processo é de jurisdição administrativa, atraindo, pois, em tese, eventual recurso para o egrégio Conselho Nacional de Justiça, embora essa Corte, nos termos de sua jurisprudência atual, não conheça desse gênero impugnativo salvo em situações excepcionais.
2. É por esta natureza administrativada jurisdição aqui expendida que me persuado de rejeitar a arguição de nulidade por apontado vício de competência do M. Juízo da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital de São Paulo.
Deu-se que, já se tendo pronunciado esse M. Juízo pelo arquivamento do caso, impôs-se a ele a determinação da colenda Corregedoria Geral da Justiça de que se instaurasse o processo disciplinar correspondente.
Não se pode supor, à evidência, que a veneranda decisão da Corregedoria Geral haja determinado ao M. Juízo monocrático que se pronuncie contra a própria consciência já anunciada.
Só caberia cogitar que a digna Corregedoria Geral determinou atuasse a Vara de Registros Públicos, na espécie, por meio de delegação de competência. Isto era de todo possível e não induz nulidade.
Mas faz realçar uma circunstância: a de que o processo sob exame teve caráter originário na egrégia Corregedoria Geral da Justiça. Foi esta e não a Vara de Registros Públicos que entendeu cabível instaurar o processo. Foi a Corregedoria Geral e não a Vara de Registros Públicos que determinou a instalação do processo disciplinar. Delegou o processamento, sem, com isto, tornar-se instância recursória.
Afasta-se, pois, a suscitação de nulidade, e, corolário disto, tem-se que, por originária da colenda Corregedoria Geral da Justiça a decisão disciplinar objeto, está bem definida a competência desta Câmara Especial para apreciar e decidir o recurso em pauta.
Acrescente-se que, de toda a sorte, a avocação do processo pela colenda Corregedoria Geral, com imposição sancionatória, reforçaria a origem punitiva em pauta e, pois, a competência recursória desta Câmara.
3. Seria caso, no entanto, a meu ver, de considerar nulo o capítulo sancionador da r. decisão sub examine, por falta de personalização da medida da pena de multa imposta na origem. Com efeito, no r. parecer aprovado pelo eminente Corregedor Geral, Des. Hamilton Ackel, não há motivo explícito algum a justificar a mensuração da gravosa multa infligida ao ora recorrente.
As partes, ainda no processo disciplinar, têm o direito à motivação explícita (i) da pena in se e (ii) de sua medida, o que é exigência constitucional, tanto prevista no inciso IX do art. 93 do Código de 1988 [“todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade ( … )], quanto no inciso LV de seu art. 5° (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”).
A deficiência fundacional da medida sancionadora, na espécie, malferiu, a meu ver, os direitos de contraditório e de ampla defesa do aqui recorrente, que não pode defender-se de maneira adequada se ignora as razões pelas quais a multa objeto lhe foi infligida em tal ou qual extensão numérica.
Postergo, entretanto, essa declaração de nulidade, porque meu voto provê mais amplamente o recurso.
4. Acolho o recurso, quanto ao mérito, por dois motivos:
(a) o de que um suposto erro de qualificação jurídica, é disto que se trata no caso, não pode atrair pena, quando se reconheça a liberdade jurídica do qualificador; o notário e o registrador público são, natural e legalmente, “profissionais do direito” (vide art. 3° da Lei n. 8.935, de 18-11 -1994) – e não funcionários públicos sujeitos a hierarquia-, e gozam de “independência no exercício de suas atribuições” (art. 28 da mesma Lei).
Puni-los apenas porque o Juiz dos Registros não concorda com uma dada interpretação que eles tenham adotado é negar, contra legem et naturam das instituições notariais e registrais, a independência jurídica que, garantia dos registradores e notários, é, mais ainda e sobretudo, garantia da sociedade política.
Não custa lembrar que a própria egrégia Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:
“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9° do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).
Como podem fruir de real independência jurídica um notário ou um registrador que recebam punição disciplinar quando exercitam o próprio de suas funções, que é qualificar fatos e normas, compreendê-los e interpretá-los?
É verdade que, nos termos da repartição competencial da Constituição de 1988, não compete às corregedorias emitir normas substituintes da lei, mas é de admitir que não parece de todo bem que uma dada corregedoria, a despeito de não dispor de competência legislativa, explicite um reconhecimento de liberdade jurídica e dele se afaste, adotando comportamento oposto. (b) Há um segundo motivo a considerar para prover-se o recurso: o de que, em matéria de direito disciplinar, dada a unitariedade fundamental do direito sancionador, não cabe a responsabilização objetiva do registrador e do notário, menos ainda por ato de terceiro.
Para o caso dos autos, o próprio r. parecer de origem, em que se apoiou a venerável decisão sub examine, assevera que a qualificação negativa do título proveio de terceiro, preposto do ora recorrente.
No âmbito da responsabilidade civil, há regra expressa prevendo que o notário e o registrador respondam pelos atos de seus prepostos (art. 22 da Lei n. 8.935/1994), mas, agora com o texto da Lei nº 13.286/2016 (de 10-5), desde que haja prova de uma das modalidades de culpa lato sensu.
Além de não haver, contudo, regra legal símile quanto à responsabilidade disciplinar, se ela houvera, maltrataria o princípio da imputatio moral das condutas na esfera penal: nulla iniuria et nulla poena, sine actione culpaque propria. Ainda uma vez é de invocar a vigente Constituição Federal, que, no inciso XLV de seu art. 5°, dispõe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, não se justificando que, ao reconhecer expressamente a culpa de terceiro, diversa pessoa seja afligida pela pena. Trata-se aqui de direito penal disciplinar e não de direito civil.
5. Restaria, é certo, a possibilidade de imputar-se ao aqui recorrente culpae in elegendovel invigilando, mas nenhuma delas lhe foi atribuída, e condená-lo com apoio nelas seria agora afrontar o direito de defesa e de contraditório e ofender o devido processo legal.
6. Averbe-se que o r. parecer objeto, sobre o qual firmada a veneranda decisão em análise, menciona como fundamento r. precedente afastado pelo egrégio Órgão Especial deste Tribunal de Justiça,em paramétrico julgado (com votação unânime), no Mandado de Segurança n. 0002389-07.2013, de que foi Relator, em 24 de julho de 2013, o Des. ENIO ZULIANI:
“Mandado de segurança impetrado por Tabelião de Protestos contra punição (multa de R$ 50.000,00) aplicada pela Corregedoria, diante de falha cometida por preposto de empresa encarregada de entregar intimação para devedores. Admissibilidade da petição constitucional (art. 5° da Lei nº 12.016/09) e deliberação pelo seu acolhimento, pela ocorrência de condenação sem prova da culpa direta ou indireta do impetrante, sendo inapropriado cogitar de responsabilidade disciplinar objetiva (sem culpa), ainda que para fins pedagógicos. Tabelião que não responderia, administrativamente, caso a falha de intimação tivesse sido praticada por carteiro da EBC, o que impede que se inverta essa regra para penalizá-lo quando não há indicação de ter contratado mal ou pecado na fiscalização dos serviços da terceirizada. Absolvição que se impõe. Ordem concedida.”
Pelo meu voto de vencido, da veniam, dava provimento ao recurso.
Des. RICARDO DIP terceiro juiz
Presidente da Seção de Direito Público
__________
1 “Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei: I · a inobservância das prescrições legais ou normativas; (…) V · o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30”.
2 “Responsabilidade patrimonial decretada pelo MM. Juiz no processo (CPC, Art. 592): Data da Decisão: 09/02/2010 Folhas 371/ 372- ART. 593, II, DO CPC’ (fls. 26 das alegações finais e fls. 75 do recurso).
3 STJ, RMS 26.350/PR, ReL Ministra Denise Arruda, T1, j. 27.10.2009, DJe 23.11.2009.
4 Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo.
5 “Art. 28. Compete ao Corregedor Geral da Justiça: (…) XXVII – avocar, motivadamente e no interesse do serviço cartorário ou da Justiça, sindicâncias ou processos administrativos instaurados pelos corregedores permanentes e reexaminar as decisões proferidas“.
6 “Poderá também, enquanto não prescrita a infração, rever, de ofício ou mediante provocação, as decisões dos Juízes Corregedores Permanentes e aplicar as sanções adequadas”.
7 “Os notários e os oficiais de registros públicos respondem pelas infrações praticadas pessoalmente ou por seus prepostos”