TJ|SP: Agravo de Instrumento – Arrolamento – Renúncia de meação e instituição de usufruto vitalício em favor do viúvo – Possibilidade – Partilha amigável – Usufruto que pode ser destacado da nua propriedade, inclusive porque também possui expressão econômica – Formalização que independe da lavratura de escritura pública – Ato translativo que pode ser tomado por termo nos autos – Inteligência do art. 1.806 do Código Civil – Prova de que a falecida não dispôs de seus bens por testamento que deve ser feita mediante a juntada de certidão do Colégio Notarial – Vedação contratual à transmissão do direito real de uso concedido pela Municipalidade de Diadema – Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 2205525-57.2014.8.26.0000, da Comarca de Diadema, em que são agravantes MANOEL VITAL DE LIMA (INVENTARIANTE) e RITA LEITE DE LIMA (ESPÓLIO), é agravado O JUÍZO.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores FÁBIO QUADROS (Presidente) e TEIXEIRA LEITE.

São Paulo, 29 de janeiro de 2015.

MILTON CARVALHO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto n. 9825.

Agravo de instrumento n. 2205525-57.2014.8.26.0000.

Agravantes: Manoel Vital de Lima e outros.

Agravado: O Juízo.

Comarca: Diadema.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARROLAMENTO. Renúncia de meação e instituição de usufruto vitalício em favor do viúvo. Possibilidade. Partilha amigável. Usufruto que pode ser destacado da nua propriedade, inclusive porque também possui expressão econômica. Formalização que independe da lavratura de escritura pública. Ato translativo que pode ser tomado por termo nos autos. Inteligência do art. 1.806 do Código Civil. Prova de que a falecida não dispôs de seus bens por testamento que deve ser feita mediante a juntada de certidão do Colégio Notarial. Vedação contratual à transmissão do direito real de uso concedido pela Municipalidade de Diadema. Recurso parcialmente provido.

Trata-se de agravo de instrumento tirado da respeitável decisão digitalizada às fls. 95 que, em processo de arrolamento, indeferiu os pedidos dos agravantes que tinham por objeto a renúncia à meação, a concessão de usufruto em benefício do inventariante sobre todos os bens do espólio, e a transmissão da concessão de uso de bem público, bem como que determinou a juntada da certidão de inexistência de testamento em nome da falecida, emitida pelo Colégio Notarial do Brasil.

Sustentam os agravantes que, pelo princípio da economia processual, é possível que o inventariante renuncie à meação de que é titular e que lhe seja concedido usufruto sobre os bens do espólio, assim como a transmissão da concessão de uso de bem público, e que, de outro lado, é desnecessária a juntada de certidão do Colégio Notarial, na medida em que a certidão de óbito é dotada de fé pública e atesta que a falecida não deixou testamento.

Foi indeferida a liminar.

É o essencial a ser relatado.

O recurso é de ser parcialmente acolhido.

Segundo especificado nas primeiras declarações apresentadas no processo de origem, os agravantes pretendem realizar partilha amigável dos bens deixados por R. L. de L., de quem são cônjuge sobrevivente e filhos, pois o inventariante pretende renunciar à meação de que é titular e obter a instituição de usufruto vitalício em seu favor sobre os bens do espólio (fls. 58/59).

Respeitada a convicção da Magistrada a quo, não obstante o patrimônio do viúvo não se confunda com eventuais direitos que ele possa ter sobre os bens integram o espólio de R. L. de L., o Código Civil prevê a renúncia à herança e a cessão de direitos hereditários que, tanto quanto a pretendida renúncia à meação, caracterizam-se como cessão de direitos.

Nesta linha, uma vez que o Código Civil autoriza que a renúncia à herança e a cessão de direitos hereditários se realizem por meio de termo judicial nos autos do inventário (artigos 1.793 e 1.806), não se justifica impedir que, no caso de partilha amigável, o viúvo não possa renunciar à meação de que é titular para, em contrapartida, receber o usufruto dos bens do espólio.

Como lecionam SEBASTIÃO AMORIM e EUCLIDES DE OLIVEIRA: Na mesma ordem de idéias, igualmente possível efetivar por termo nos autos a renúncia à meação. Embora inconfundível com a renúncia à herança, dela se aproxima ao ponto em que implica efetiva cessão de direitos, de modo que utilizáveis os mesmos instrumentos para sua formalização. Com efeito, o direito de cada herdeiro, a título de posse ou propriedade, sobre sua parte ideal na herança, antes da partilha, é juridicamente equivalente ao do cônjuge sobrevivo sobre a metade ideal do patrimônio a partilhar. Um e outro são titulares de direitos hereditários, nada lhes obstando a cessão de tais direitos, antes de partilhado o monte (Inventários e Partilhas Direito das Sucessões – Teoria e Prática, 22ª ed., São Paulo, Universitária de Direito, 2009, p. 64-65) (realces não originais).

Em outro excerto de sua obra, prosseguem os referidos autores: Anote-se a possibilidade de instituição de usufruto em partilha amigável, inclusive por termo nos autos, conforme tem admitido a jurisprudência:

“O usufruto é destacável da nua propriedade como direito autônomo. Tanto a viúva-meeira como os herdeiros possuem partes ideais no todo. Portanto, nada obsta a que se concretizem essas partes pela forma avençada na partilha” (RT 606/106, 541/18, RJTJESP 37/31) (Idem, p. 455).

E são diversos os precedentes jurisprudenciais autorizando, na hipótese de partilha amigável, a instituição do usufruto vitalício em favor do viúvo e a atribuição da nua-propriedade em benefício dos herdeiros, na medida em que o direito real de usufruto vitalício reflete expressivo valor econômico (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2072203-72.2013.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Paulo Alcides, j. 18/02/2014).

Nesse sentido:

Agravo de Instrumento – Partilha amigável – Atribuição do usufruto à viúva-meeira e da nua propriedade aos herdeiros É possível a instituição de usufruto em partilha amigável – O usufruto contém valor econômico distinto da nuapropriedade, podendo a ele ser atribuído a quantia de 1/3 do valor do imóvel – Não houve menção à viúva como uma das herdeiras, o que implica na chamada renúncia translativa – Ao pretender receber apenas o valor correspondente à sua meação, a viúva está cedendo gratuitamente sua quota-parte como herdeira – Para que a partilha possa ser homologada, é necessário que se faça escritura pública ou se faça termo nos autos da cessão e seja recolhido o imposto devido pela transmissão inter vivos – Agravo parcialmente provido. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 0210275-10.2012.8.26.0000, 7ªCâmara de Direito Privado, Rel. Lineu Peinado, j. 28/11/2012) (realces não originais)

Direitos civil e processual civil. Arrolamento. Composição da viúva-meeira e dos herdeiros. Renuncia “translativa”. Instituição de usufruto. Possibilidade. Termo nos autos. CC, art. 1.581. Partilha Homologada. Precedentes. Doutrina. Recurso provido. Não há vedação jurídica em se efetivar renuncia “in favorem” e em se instituir usufruto nos autos de arrolamento, o que se justifica até mesmo para evitar as quase infindáveis discussões que surgem na partilha de bens. (STJ, REsp88.681/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, j. 30/04/1998) (realces não originais)

Ressalta-se que, a despeito de o artigo 1.793, caput, do Código Civil exigir que a cessão de direitos hereditários se faça por escritura pública, em vista do disposto no artigo 1.806 do mesmo Código, é possível equiparar a cessão realizada por termo nos autos àquela realizada por escritura pública.

Diante disto, porque a renúncia à meação consiste em mera cessão de direitos, e que, por isso, pode ser realizada por meio de termo nos autos, assim como a instituição do usufruto em favor do viúvo, desnecessária a determinação de que o inventariante efetue de doação com reserva de usufruto por meio de escritura pública.

Este é o entendimento que vem sendo adotado por esta Corte no julgamento de casos análogos ao presente:

Inventário. Decisão guerreada que afastou a possibilidade da cessão gratuita de meação do viúvo em favor dos herdeiros da falecida determinando a apresentação de novo plano de partilha. Inadmissibilidade. Analogia ao artigo 1806, do CC. Ausência de óbice para que a renúncia à meação seja colhida por termo nos próprios autos do inventário. Lavratura de escritura pública dispensável, tendo em vista a concordância de todos os herdeiros e do renunciante. Recurso provido. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2043628-20.2014.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Fábio Quadros, j. 10/04/2014) (realces não originais)

Inventário – Renúncia à meação pelo viúvo-meeiro – Exigência de escritura pública – Inconformismo – Acolhimento – Ato solene que, para todos os efeitos, representa transmissão de bem imóvel por força de lei – Possibilidade de ser tomada por termo nos autos , independentemente do cumprimento da obrigação tributária incidente – Decisão reformada – Recurso provido. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2060286-56.2013.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Grava Brazil, j. 26/02/2014) (realces não originais)

No tocante às demais pretensões dos agravantes, porém, não comporta reparos a respeitável decisão recorrida.

Conquanto os registros públicos sejam dotados de fé pública e de presunção de veracidade quanto ao seu conteúdo, o assento de óbito da autora da herança foi lavrado com base nas declarações feitas pelo inventariante, razão pela qual a afirmação de que a falecida não deixou testamento conhecido é insuficiente para atestar a inexistência de disposição de última vontade feita pela falecida.

Tanto é assim que o item 26-C.1 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça dispõe que:

A informação sobre a existência ou não de testamento de pessoa comprovadamente falecida somente será fornecida mediante requisição judicial, ou a pedido do interessado munido de comprovação documental do óbito do testador e mediante o recolhimento do valor fixado conforme a Lei Estadual nº 11.331/02, diretamente ao Colégio Notarial do Brasil, Seção de São Paulo, inclusive por vale postal ou ordem de pagamento, salvo em caso de assistência judiciária, cabendo ao Juízo da 2ª Vara de Registros Públicos da Capital decidir as situações especiais porventura surgidas (grifos não originais).

Portanto, correta a determinação do Juízo a quo no sentido de que o inventariante deve apresentar certidão do Colégio Notarial do Brasil, a fim de que se comprove que a falecida dispôs de seus bens por meio de testamento, pois, como já se decidiu, é necessária a juntada da Certidão do Colégio Notarial do Brasil para verificação se o de cujus não deixou testamento (TJSP, Apelação nº 0026327-45.2010.8.26.0482, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Helio Faria, j. 07/11/2012).

E diversamente do quanto alegado pelos agravantes, não basta a mera expedição de alvará para autorizar a transmissão do direito real de uso concedido pela Municipalidade de Diadema em favor da falecida e do viúvo aos herdeiros daquela.

Com efeito, nos termos do parágrafo segundo da cláusula primeira do instrumento de fls. 35/38, pelo qual foi concedido referido direito real à falecida e ao viúvo, é a nula a transferência que não se formalizar perante a Municipalidade e não contar com parecer favorável da comissão de moradores do Núcleo Habitacional Jardim Piraporinha Gazuza.

A transmissão pretendida pelos agravantes, portanto, deverá ser perseguida administrativamente, junto à Prefeitura de Diadema.

Por tais fundamentos, dá-se parcial provimento ao recurso.

MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO

Relator