TJ|RS: Apelação Cível – Registro de Imóveis – Dúvida – Aquisição de propriedade através de doação por parte do condomínio – Possibilidade – Sentença modificada.
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA. AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE ATRAVÉS DE DOAÇÃO POR PARTE DO CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MODIFICADA.
Tratando-se de condomínio devidamente registrado no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), com número próprio e não se tratando somente de sociedade de fato, tem ele personalidade jurídica para adquirir imóveis.
DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME.
APELAÇÃO CÍVEL
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70069628204 (Nº CNJ: 0173014-59.2016.8.21.7000)
COMARCA DE PORTO ALEGRE
CONDOMÍNIO TERRA VILLE – BELÉM NOVO GOLF CLUB APELANTE
TERRA VILLE PARTICIPAÇÕES LTDA. APELANTE
APELADO A JUSTICA
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso de apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. GELSON ROLIM STOCKER (PRESIDENTE) E DES.ª LIÉGE PURICELLI PIRES.
Porto Alegre, 30 de junho de 2016.
DES. GIOVANNI CONTI,
Relator.
R E L A T Ó R I O
DES. GIOVANNI CONTI (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por CONDOMÍNIO TERRA VILLE – BELÉM NOVO GOLF CLUB e TERRA VILLE PARTICIPAÇÕES LTDA., ambos contrários a sentença prolatada ás fls. 91/95 dos autos do procedimento de dúvida suscitado pelo REGISTRO DE IMÓVEIS DA 3ª ZONA.
A fim de evitar tautologia, colaciono o relatório da sentença ora vergastada:
“(…) Trata-se de procedimento de DÚVIDA ofertado pelo REGISTRO DE IMÓVEIS DA 3ª ZONA, relativamente ao acesso registral de escritura pública de doação pura e simples, onde constam Terra Ville Participações Ltda, como outorgante doadora, e Condomínio Terra Ville – Belém Novo Golf Club, como outorgado donatário, tendo por objeto os imóveis das matrículas nºs 104.976, 105.072 e 105.052, livro 2/RG: em suma e principalmente, porque o condomínio, por não possuir personalidade jurídica, não pode figurar como adquirente de bem imóvel.
Juntados documentos. Os suscitados apresentam impugnação, às fls. 46/56, mencionando, em síntese, que se trata de aquisição de áreas que constituem a própria estrutura do condomínio e que servem e só podem servir de servidão de passagem, de escritório da administração e alojamento de funcionários. Tecem considerações, citando jurisprudência, sobre o possibilidade do condomínio adquirir bens imóveis.
O Ministério Público opinou pela improcedência.
Relatei. Decido. (…)”
Em ato contínuo, foi proferido dispositivo sentencial qeu decidiu a lide da seguinte forma:
“(…) Assim sendo, JULGO PROCEDENTE a presente DÚVIDA suscitada pelo REGISTRO DE IMÓVEIS DA 3ª ZONA, para não autorizar o acesso registral da escritura pública de doação pura e simples, onde constam Terra Ville Participações Ltda, como outorgante doadora, e Condomínio Terra Ville – Belém Novo Golf Club, como outorgado donatário, tendo por objeto os imóveis das matrículas nºs 104.976, 105.072 e 105.052, livro 2/RG. (…)”
Em suas razões recursais (fls. 97/108), os apelantes inicialmente apresentaram uma síntese dos fatos. No mérito, afirmaram que se a sentença for mantida, ocorrerá uma “uma aberração jurídica”, pois o Condomínio Terra Ville Belém Novo Golf Clube não poderá ser proprietário de áreas que constituem parte de sua própria infraestrutura. Destacaram que as referidas áreas estão situadas no interior do condomínio e que servem para os próprios condôminos, tais como: servidão de passagem para os condôminos, de escritório da administração do Condomínio e imóvel destinado ao alojamento dos funcionários. Aduziram que uma lacuna legal não pode ferir o seu direito, assim como a sua capacidade de adquirir imóveis que somente servem para suas atividades fins e revertem em proveito único e exclusivo dos condôminos. Ressaltou que o condomínio pode ser demandado em juízo, é sujeito de direitos e obrigações, sendo medida de justiça, portanto, permitir que possa ser proprietário de áreas que revertam em prol do benefício comum. Mencionaram que ao presente caso deve ser aplicado o enunciado n° 246, da III Jornada de Direito Civil, o qual consagra a possibilidade de ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício. Dissertaram sobre a necessidade de se levar a efeito interpretação razoável ao caso em exame, posto que a aquisição da propriedade ora hostilizada não irá gerar prejuízo a terceiros, desvio ou irregularidade. Colacionaram julgados a amparar a sua tese. Por fim, pugnaram pelo provimento do recurso com a conseqüente reforma da sentença.
Remetidos os autos à esta instância, o douto representante do Ministério Público, Dr. Antônio Armando Lotti, emitiu parecer opinando pelo provimento do recurso de apelação (fls. 116/117).
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
V O T O S
DES. GIOVANNI CONTI (RELATOR)
Eminentes colegas.
Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Como visto do relatório, trata-se de recurso de apelação em suscitação de dúvida julgada procedente pelo julgador de primeiro grau, onde o condomínio se insurge contra a decisão que confirmou o decreto de impossibilidade de o condomínio registrar o imóvel que recebeu em doação.
Rogando vênia ao decisor singular, tenho que a dúvida não procede. E isto porque está mais do que provada a existência da personalidade jurídica do condomínio apelante. Não se trata de mera sociedade de fato com capacidade processual. Trata-se, sim, de pessoa jurídica devidamente registrada.
Com efeito, não se nega que a personalidade jurídica do condomínio não encontra respaldo no art. 44 do Código Civil.
Contudo, basta atentar que o recorrente possui registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), o que alcança à ele tratamento similar a uma associação, em termos práticos, não contraria o bom senso e também os interesses dos condôminos, que, por meio da Assembléia Geral, podem definir os limites de atuação daquele, deliberando inclusive sobre situações como na espécie.
Em verdade sequer entendo a resistência da serventia extrajudicial para com os direitos do apelante, pois sua condição está cristalinamente provada nos autos.
Alem disso, há que se considerar a peculiaridade do caso concreto, no sentido de ser possibilitado o registro da escritura pública de doação, porquanto passada em favor do condomínio em legítimo interesse deste, posto que as áreas doadas somente servem a ele e que inclusive serviram de melhoras aos condôminos, ou seja, em favor do bem comum.
A propósito, a própria Lei nº 4.591/64 prevê, no seu artigo 63, §3º, a possibilidade de adjudicação de bens pelo condomínio, com preferência em relação a terceiros, após a realização de leilões, no específico caso de cobrança de débito existente pela falta de pagamento de três prestações do preço por um dos condôminos relativo à construção de prédio por administração.
De tal exceção decorre a conclusão lógica, de que a ausência de personalidade jurídica não constitui óbice à aquisição de imóveis pelo condomínio, e, por conseqüência, ao respectivo registro da propriedade.
Não obstante, a complexidade das relações jurídicas afeitas aos condomínios pela atual legislação impõe lhe seja dado tratamento tal que permita melhor administrá-las conforme interesse dos condôminos.
Ora, o condômino edilício é instituição criada por ato entre vivos ou testamento, passando a gerar efeitos para o mundo jurídico com a respectiva inscrição no Registro de Imóveis (art. 1.332, do CC).
A capacidade processual do condomínio, aliás, amplamente reconhecida pelos Tribunais para o ajuizamento de ações, inclusive as que visam à cobrança de cotas condominiais não adimplidas.
Além disso, no momento em que permitida a cobrança de cotas condominiais não quitadas, ainda que não prevista expressamente no art. 44 do CC, reconhecida está a personalidade jurídica do Condomínio.
Nesse contexto, a vedação do registro da escritura pública de doação passada em favor do apelante, por não deter este personalidade jurídica, não subsiste.
Nesta senda, trago à baila alguns julgados que se coadunam ao entendimento acima exposto:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. DÉBITO CONDOMINIAL. PEDIDO DE ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL DEFERIDO. RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO ADJUDICANTE. CASO EM QUE É DE SER LEVADO EM CONTA QUE O REGISTRO DA CARTA DE ADJUDICAÇÃO SOMENTE NÃO SE DEU EM RAZÃO DA CONVENIÊNCIA DO ADJUDICANTE. ENTRETANTO, É DE SE CONSIDERAR QUE O PEDIDO DE ADJUDICAÇÃO, FORMULADO EM 12.11.2007, SÓ FOI DEFERIDO EM 26.03.2008, SENDO AS PARTES DELE INTIMADO EM 11.06.2008. E SOMENTE A PARTIR DESTA DATA É QUE SE DEVE LIBERAR A AGRAVANTE DO PAGAMENTO DOS ENCARGOS CONDOMINIAIS. ADEMAIS, AS DESPESAS CONDOMINIAIS INCUMBEM A QUEM EFETIVAMENTE USUFRUE DO BEM. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO’ (Agravo de Instrumento Nº 70047732011, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 26/04/2012).”
“APELAÇÃO CÍVEL. DÚVIDA. REGISTRO DE IMÓVEIS. REGISTRO DE CARTA DE ARREMATAÇÃO EM NOME DE CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA QUE NÃO OBSTA A EFETIVAÇÃO DO REGISTRO. PROVIDA À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70026538934, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 13/11/2008.”
“SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. CONDOMÍNIO. ADJUDICAÇÃO. REGISTRO. POSSIBILIDADE. Tratando-se de condomínio devidamente registrado no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), com número próprio e não se tratando somente de sociedade de fato, tem ele personalidade jurídica para adquirir imóveis. Apelação procedente. (Apelação Cível Nº 70024755506, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 19/08/2008).”
“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA. POSSIBILIDADE DE O CONDOMÍNIO ARREMATAR IMÓVEL E O REGISTRAR EM NOME PRÓPRIO. Ao condomínio é dado arrematar e levar a registro imóvel, por força de débito de quotas condominiais. Admissão de que o condomínio, figura jurídica sui generis, possui vida própria tal qual, v.g., a associação, podendo agir de sorte a preservar os seus próprios interesses, sendo permitida a adjudicação e o registro, no caso em testilha, no fito de realizar-se um direito, e assim salvaguardar o patrimônio da coletividade que o compõe. Doutrina e jurisprudência. Apelo PROVIDO, por MAIORIA, vencido o relator’ (Apelação Cível Nº 70021211503, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Francisco Pellegrini, Julgado em 15/04/2008).”
Diante do exposto, dou provimento ao recurso de apelação e, por conseqüência, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo REGISTRO DE IMÓVEIS DA 3ª ZONA, determinando o registro da escritura pública de doação em nome do CONDOMÍNIO TERRA VILLE – BELÉM NOVO GOLF CLUB.
É como voto.
DES. GELSON ROLIM STOCKER (PRESIDENTE) – De acordo com o(a)
Relator(a).
DES.ª LIÉGE PURICELLI PIRES – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. GELSON ROLIM STOCKER – Presidente – Apelação Cível nº 70069628204, Comarca de Porto Alegre: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.”
Julgador(a) de 1º Grau: ANTONIO C.A. NASCIMENTO E SILVA