TJ|BA: Ação Rescisória – Ação de petição de herança – Escritura pública de adoção firmada sob a égide do Código Civil de 1916 – Restrição aos filhos adotivos quanto ao direito sucessório – Morte do adotante em 2002 – Vigência da Carta Constitucional de 1988 que privilegiou o princípio da isonomia – Igualdade entre os filhos – Revogação do art. 377 do Código de Bevilaqua – Direito à herança – Ação julgada procedente para rescindir acórdão proferido pela terceira turma desta corte de justiça.

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Seção Cível de Direito Privado

5ª Av. do CAB, nº 560 – Centro – CEP: 41745971 -Salvador/BA

ACÕRDAO

Classe : Ação Rescisória n.º 0320294-68.2012.8.05.0000

Foro de Origem : Foro de comarca Itambé

Órgão : Seção Cível de Direito Privado

Relator (a) : Des. José Olegário Monção Caldas

Autor : S. R. S. A.

Advogado : Ronaldo Soares (OAB: 8883/BA)

Advogado : Diego Wanderley Pinto Miranda (OAB: 37052/BA)

Réu : J. R. A. B.

Réu : J. M. A. B. M.

Réu : C. A. B.

Advogado : Maraivan Gonçalves Rocha (OAB: 4678/BA)

Advogado : Maraivan Gonçalves Rocha Segundo (OAB: 31536/BA)

Procª. Justiça : Jacqueline Menezes Holanda

Assunto : Petição de Herança

AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE PETIÇÃO DEHERANÇA. ESCRITURA PÚBLICA DE ADOÇÃOFIRMADA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. RESTRIÇÃO AOS FILHOS ADOTIVOS QUANTO AO DIREITO SUCESSÓRIO. MORTE DO ADOTANTE EM 2002. VIGÊNCIA DA CARTA CONSTITUCIONAL DE 1988 QUE PRIVILEGIOU O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. IGUALDADE ENTRE OS FILHOS. REVOGAÇÃO DO ART. 377 DO CÓDIGO DE BEVILAQUA. DIREITO À HERANÇA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE PARA RESCINDIR ACÓRDÃO PROFERIDO PELA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE DE JUSTIÇA.

PRELIMINARES DA CONTESTAÇÃO:

1 – IMPROCEDÊNCIA DA RESCISÓRIA PORCOLIDIR COM ENTENDIMENTO SUMULADO DASUPREMA CORTE.

A análise da presente preambular se confunde com o mérito da demanda. Todavia, vale registrar que não há colisão com o entendimento do Supremo Tribunal Federal por se tratar apenas de interpretação da legislação em vigor.

PRELIMINAR REJEITADA.

2 – INÉPCIA DA INICIAL POR AUSÊNCIA DEREQUERIMENTO DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O art. 490 do Código de Processo Civil enuncia que a petição inicial será indeferida nos casos do art. 295 e quando não efetuado o depósito exigido pelo art.488, inciso II. Ocorre que, no caso dos autos, não há enquadramento às hipóteses do art. 295, não havendo que se falar em inépcia da petição inicial. Ademais, o capítulo da Ação Rescisória do Código de Ritos apenas menciona as situações em que hálegitimidade do Ministério Público para propor apresente demanda. PRELIMINAR REJEITADA.

No mérito, a cláusula constante na Escritura Pública de Adoção, realizada no caso dos autos, sob a égide do Código Civil de 1916, perde sua eficácia com a vigência da Constituição Federal de 1988. No caso dos autos, a morte do adotante ocorreu no ano de 2002, momento em que prevalece o princípio da isonomia insculpido na Carta Constitucional que não faz qualquer distinção entre os filhos.

Assim, a norma suprema revogou o disposto no art.377 do Código Civil anterior que restringia os filhos adotivos em relação ao direito sucessório. Necessária a procedência desta demanda para reconhecer o direito do autor na sucessão do adotante.

AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Rescisória n.º 0320294-68.2012.8.05.0000, da Comarca de Itambé/Ba, acordam os Desembargadores integrantes da Seção Cível de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste acórdão, em julgar procedente a presente ação rescisória, pelas razões explicitadas abaixo.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de Ação Rescisória intentada por S. R. S. A. com o fim de rescindir acórdão proferido pela Terceira Câmara Cível desta Corte de Justiça que, julgando Apelação Cível, deu provimento ao recurso para reformar a sentença e julgar improcedente a ação de petição de herança, deixando de condenar o apelado/autor em custas processuais e honorários advocatícios, em razão do deferimento do benefício da justiça gratuita.

Em sua petição inicial, o autor sustenta que em 10 de outubro de 1968, após alguns anos de convivência com o casal de tios, foi adotado por estes, conforme se constata da Escritura Pública de Adoção, lavrada no Livro nº 35, folhas 146v e 147v, do Tabelionato de Notas da Comarca de Itambé. Acrescenta que com o falecimento do pai em 2002 deveria ter sido chamado a sucedê-lo, mas o Arrolamento Sumário tramitou na vizinha cidade de Itapetinga. Afirma também que após alguns anos de convivência, sua genitora foi buscá-lo e mudaram-se da cidade, perdendo o contato com os tios adotantes.

Sustenta que a referida Escritura foi lavrada sob a égide do Código Civil de 1916, em seu art. 377, que restringia os filhos adotivos em relação ao direito sucessório. Afirma que com o advento da Constituição Federal de 1988 essa norma foi revogada, uma vez que a Carta Republicana concedeu direitos isonômico aos irmãos, sejam legítimos, ilegítimos ou adotados, com o advento da promulgação independentemente de constar no documento de adoção ou em testamento, todas as restrições permitidas pela Constituição anterior e pelo Código Civil de 1916, foram tacitamente revogados, pois contrariam o que a nova Constituição Federal diz.

Ressalta que, com a publicação da Lei nº 8.069/90, ocorreu a ratificação da norma constitucional de isonomia, inclusive estendendo tal igualdade nos direitos sucessórios.

Colacionou cópias da Ação de Petição de Herança.

A sentença singular julgou procedentes os pedidos do autor S. R. S. A., reconhecendo-o como herdeiro necessário do falecido F. A. B. B., em igualdade de condições dos Requeridos e declarou nula a partilha de bens deixados pelo “de cujus”, os quais foram herdados pelos requeridos, com exceção da requerida L. A. B, a qual foi excluída do pólo passivo da lide. Condenou ainda os Requeridos pelas perdas e danos sofridos pelo Autor, em decorrência da posse de má-fé, conforme previsto no art. 1.826 do Código Civil.

Foram opostos Embargos de Declaração às fls. 754-762, os quais não foram acolhidos às fls. 773-774.

Inconformados, os Réus da ação interpõem recurso de Apelação, fls. 780-808.

O Acórdão rescindendo proferido às fls. 831-837 reformou a sentença apelada decidindo pelo provimento do apelo e pela improcedência da ação, deixando de condenar o apelado/autor em custas processuais e honorários advocatícios, em razão do deferimento do benefício da gratuidade da justiça.

O despacho de fl. 842 dos autos recebeu a presente demanda. Às fls. 875-898, os Réus apresentaram contestação aduzindo, preliminarmente, improcedência da Rescisória, revelando-se manifestamente incabível por colidir frontalmente com o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 343, do Egrégio STF e Enunciado nº 400 da Suprema Corte. Afirma que a decisão rescindenda foi bem fundamentada nas normas incidentes ao caso, julgando-o com base em jurisprudência majoritária dos Tribunais Superiores e das instâncias ordinárias.

Suscita, ainda, inépcia da inicial por ausência de requerimento de intimação do representante do Ministério Público, não observando os requisitos do art. 282 do CPC, como no caso de ação que envolve interesse de ente público, sob pena de ser indeferida de plano. Acrescenta que os artigos 82, inciso III e 493 do CPC estabelecem como um dos pressupostos da exordial, em face da obrigatoriedade de sua intervenção, o requerimento de intimação do representante do Ministério Público.

No mérito, os Réus pugnam pela improcedência da Rescisória por atentar contra o disposto no art. 489 do CPC, afirmando que o pedido do autor afronta o texto legal por requerer a suspensão da execução da sentença, o que se afigura juridicamente inviável, por ser vedado pelo dispositivo supramencionado. Assevera a inexistência de violação a literal dispositivo de lei, bem como defende que a adoção referida pelo autor foi feita seguindo a norma vigente à época, o Código Civil de 1916, que no art. 375 refere-se à adoção por escritura pública em que não se admite condição nem termo.

Requer a improcedência dos pedidos.

Impugnação à contestação, fls. 932-939.

Alegações finais às fls. 951-957 e 959-966.

Vieram-me, então, os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

V O T O

Trata-se de Ação Rescisória intentada pelo autor da Ação de Petição de Herança que foi julgada procedente pelo juiz singular, reconhecendo o autor como herdeiro necessário do falecido Francisco Agripino Borges Brito. Em sede de recurso de Apelação Cível a sentença foi reformada, fazendo prevalecer a norma constante no Código Civil de 1916. Este acórdão é o objeto da presente demanda.

Inicialmente, cumpre analisar as preliminares suscitadas. A preambular de improcedência da rescisória por colidir com entendimento sumulado do Egrégio STF. Vale registrar que a presente prefacial se confunde com o mérito da demanda, todavia saliente-se que não há colisão com o entendimento do Supremo Tribunal Federal por se tratar apenas de interpretação da legislação em vigor. Preliminar que se rejeita.

A prefacial de inépcia da inicial também não merece prosperar posto que o art. 490 do Código de Processo Civil enuncia que a petição inicial será indeferida nos casos do art.295 e quando não efetuado o depósito exigido pelo art. 488, inciso II. Ocorre que, no caso dos autos, não há enquadramento às hipóteses do art. 295, não havendo que se falar em inépcia da petição inicial. Ademais, o capítulo da Ação Rescisória do Código de Ritos apenas menciona as situações em que há legitimidade do Ministério Público para propor a presente demanda. Preliminar rejeitada.

No mérito, a adoção realizada no caso dos autos ocorreu no longínquo ano de 1968, momento em que vigia o Código Civil de 1916 que, em seu art. 377, restringia os filhos adotivos em relação ao direito sucessório:

Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária.

Entretanto, a morte do senhor Francisco Agripino Borges Brito ocorreu no ano de 2002 quando já estava em vigor a Constituição Federal de 1988 que concedeu direito isonômico aos irmãos sejam legítimos, ilegítimos ou adotados. Privilegiou-se o princípio da igualdade que se encontra expressamente insculpido no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, informando que:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direitos à, […] igualdade […]”.

Neste sentido, o ex Ministro da Suprema Corte Eros Grau (2008, p.166), ao comentar o texto constitucional, assevera que “com a observação de que, neste enunciado, bem distinto dos que nas nossas Constituições antecedentes o institucionalizaram, há consagração do princípio da igualdade não apenas em termos formais, mas também em termos materiais”. E prossegue arrematando acertadamente, que “Vale dizer: o que a nova Constituição postula, expressamente, é o entendimento segundo o qual a tão-só igualdade perante a lei pouco ou nada significaria”. (GRAU, 2008, p. 166).

Dessa forma, evidente a revogação do art. 377 do Código Civil anterior, não incidindo no caso em apreço pois a lei que rege a sucessão é a vigente no momento da sua abertura e, como em 2002 (momento da abertura da sucessão com a morte do adotante) a Constituição Federal já vigorava, resta claro o direito do autor.

Nesse sentido a jurisprudência pátria:

PETIÇÃO DE HERANÇA. HABILITAÇÃO DE IRMÃO ADOTIVO. ADOÇÃO SIMPLES. ÓBITO OCORRIDO NA VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. EFEITOS DO DISPOSTO NO ART. 227 DA CF/88. PROCEDÊNCIA. O art. 375 do Código Civil de 1916 admitia, em relação aos menores em situação regular, que a adoção fosse efetivada via escritura pública. Atendidos os requisitos legais, a adoção produziu seus efeitos jurídicos e é válida. Os artigos 377 e 1.605, § 2º, do Código Civil de 1916, tornaram-se, posteriormente, incompatíveis com a nova ordem constitucional já que por ela não foram recepcionados. Não há declaração de inconstitucionalidade destes dispositivos por não haver inconstitucionalidade com Constituição futura. A não recepção, como se sabe, dispensa a reserva de plenário. A Constituição Federal de 1988 aboliu toda diferenciação entre filhos legítimos, ilegítimos ou adotados, sem qualquer ressalva de situações preexistentes. Todos passaram a ter os mesmos direitos e em igualdade de condições, inclusive quanto a direitos sucessórios. A sucessão rege-se pela lei vigente ao tempo da sua abertura, o que ocorre com o óbito. É nesse momento que se dá a transmissão da herança e o direito sucessório incorpora-se ao patrimônio dos herdeiros. Se o filho adotado concorre com os demais irmãos na herança do pai adotivo, também o irmão adotivo tem o direito de concorrer à herança da irmã adotiva. (TJ-MG – AC: 10024122859564001 MG, Relator: Wander Marotta, Data de Julgamento: 13/05/2014, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/05/2014).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FILHA ADOTADA. HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO. Ainda que a agravante tenha sido adotada pelo falecido avô sob a vigência do Código Civil de 1916, que afastava o direito à herança em havendo filhos legítimos dos adotantes, o art. 227, § 6º, da CF/88 revogou o art. 377 do CC/16, não havendo mais qualquer discriminação entre os filhos. Ainda, inexistindo proibição na época de adoção pelos avós, deve ser deferida a habilitação da recorrente no inventário do pai adotivo. Precedentes. Preliminar rejeitada. Agravo de instrumento provido. (Agravo de Instrumento Nº 70024185480, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 10/07/2008).

Destarte, conclui-se que a promulgação da Constituição Federal de 1988, independentemente de constar no documento de adoção ou em testamento, revogou todas as restrições permitidas pela Constituição anterior e pelo Código Civil de 1916 por contrariarem a nova ordem constitucional.

Constata-se que o pleito do demandante deve ser acolhido.

Feitas essas considerações, voto no sentido de julgar procedente a presente ação rescisória para rescindir o acórdão proferido por esta Corte no julgamento da Apelação Cível, restabelecendo a sentença singular pelos próprios fundamentos.

É o voto.

Publique-se.

Intimem-se.

Sala das Sessões, 21 de maio de 2015.

PRESIDENTE

DES. JOSÉ OLEGÁRIO MONÇÃO CALDAS

Relator

DR. ________________

Procurador (a) de Justiça