TJ|SP: Obrigação de Fazer – Pretensão de remoção de perfis falsos em nome do autor e fornecimento dos dados de cadastros disponíveis e registros eletrônicos dos responsáveis na rede social do Facebook – Procedência da ação com fixação de sucumbência recíproca entre as partes – Insurgência do provedor réu para ver afastada esta parte da sentença – Descabimento Necessidade de socorro ao Judiciário causado por atividade econômica realizada pela demandada – Responsabilidade do provedor que decorre da natureza lucrativa da ação oferecida ao público – Aplicação do princípio da causalidade – Provedor que deu causa à instauração do processo, devendo arcar com os encargos dele decorrentes – Condenação restrita à divisão das custas processuais – Manutenção do decisum – Apelo desprovido.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2016.0000516603
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 1129333-57.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA, é apelado MARCELLO CARMARGO CAPUANO.
ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmo.
Desembargadores ALEXANDRE LAZZARINI (Presidente) e MAURO CONTI MACHADO.
São Paulo, 26 de julho de 2016.
Galdino Toledo Júnior
RELATOR
Assinatura Eletrônica
Voto nº 20.246
Apelação Cível nº 1129333-57.2015.8.26.0100
Comarca de São Paulo
Apelante: Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.
Apelado: Marcello Camargo Capuano
Voto nº 20.246
OBRIGAÇÃO DE FAZER – Pretensão de remoção de perfis falsos em nome do autor e fornecimento dos dados de cadastros disponíveis e registros eletrônicos dos responsáveis na rede social do Facebook – Procedência da ação com fixação de sucumbência recíproca entre as partes – Insurgência do provedor réu para ver afastada esta parte da sentença – Descabimento Necessidade de socorro ao Judiciário causado por atividade econômica realizada pela demandada – Responsabilidade do provedor que decorre da natureza lucrativa da ação oferecida ao público – Aplicação do princípio da causalidade – Provedor que deu causa à instauração do processo, devendo arcar com os encargos dele decorrentes – Condenação restrita à divisão das custas processuais – Manutenção do decisum – Apelo desprovido.
1. Ao relatório constante de fls. 156/160, acrescento que a sentença julgou procedente ação de obrigação de fazer promovida em face de Facebook Serviço Online do Brasil Ltda., para forçá-la a remover dois perfis falsos criados em nome do autor e quebrar o sigilo telemático para identificação dos seus criadores, com fixação de sucumbência recíproca entre as partes.
Recorre somente o réu Facebook, cingindo-se o inconformismo apenas no tocante a sua condenação nas verbas de sucumbência, alegando que não deu causa ao ajuizamento da ação, porque que não está obrigado a fornecer dados de identificação do usuário, por força do sigilo de informações protegidas pela Constituição Federal, de modo que o autor, necessariamente, precisaria se valer de um processo judicial. Ressalta que ao dar cumprimento à decisão liminar de fls. 33/34, verificou que as URL’s das contas falsas indicadas já haviam sido removidas da sua plataforma eletrônica, antes mesmo da propositura da ação (4.12.2015). De qualquer forma, fez carrear aos autos relatório contendo todos os dados cadastrais e endereço de IP’s dos usuários responsáveis pela criação das contas em nome do autor. Logo, considerando que não deu causa à instauração da demanda, “uma vez que não pode ser obrigado a excluir qualquer material da plataforma do Site Facebook sem ordem judicial expressa nesse sentido, nos termos do artigo 19, caput, § 1.º do Marco Civil da Internet e nem a fornecer a quebra de sigilo de dados sem uma ordem judicial que afaste a excepcionalidade do seu sigilo, de acordo com o art. 5.º, incisos X e XII da Constituição Federal e artigo 10, § 1.º da Lei 12.965/14”, requer o afastamento da condenação que lhe impôs a arcar com metade das custas e despesas processuais (fls. 187/206).
Recurso regularmente processado, com oferecimento de contrarrazões às fls. 214/219.
2. Cuida-se de ação de obrigação de fazer pelo qual o autor pretendeu compelir a empresa ré a excluir dois perfis falsos criados em seu nome e o fornecimento dos dados de cadastros disponíveis e registros eletrônicos dos responsáveis na rede social do Facebook.
Com a concessão da medida liminar (fls. 33/34) a empresa ré informou que as URL indicadas já haviam sido desabilitadas pelos próprios usuários desde 4.12.2015, como apresentou ao Juízo todos os dados cadastrais e IP de conexão dos responsáveis pelas referidas contas (fls. 40/43 e 61/85), daí decorrendo a sentença apelada.
Cinge-se a controvérsia somente quanto ao inconformismo da empresa ré Facebook, quando a sua condenação ao pagamento de metade das custas e despesas processuais, sob a alegação que não deu causa ao ajuizamento deste feito.
Data venia, sem razão o recorrente.
Isto porque, ao contrário do sustentado nas razões recursais, o demandante, após providenciar Ata Notarial perante o 26º Cartório de Notas e Títulos de São Paulo (fls. 13/20), boletim de ocorrência policial (fls. 21/22), fez expedir notificação extrajudicial de fls. 23/25, solicitando que a empresa ré providenciasse a exclusão de dois perfis falsos criados na rede social eletrônica em nome do ofendido, mas a empresa réu preferiu ficar inerte.
Nesse passo, necessitou o ofendido acionar a máquina do judiciário.
Por outro lado, não se pode perder de vista que a responsabilidade do apelante decorre da atividade lucrativa desenvolvida, que integra o gênero provedor de serviços, assumindo ele o risco de seu empreendimento.
Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente, estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento na internet, é tão responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em comunidade, seja ela real, seja virtual” (2ª Turma, REsp 1117633/RO, Relator Ministro Herman Benjamin, j. 09.03.2010).
Ou ainda:“(…) ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. (…) Portanto, sob a ótica da diligência média que se espera dos provedores de serviços de Internet, devem estes adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo. Com efeito, os provedores que, movidos pela ânsia de facilitar o cadastro e aumentar exponencialmente seus usuários, ou por qualquer outro motivo, optarem por não exercer um controle mínimo daqueles que se filiam aos seu site, assume o risco dessa desídia, respondendo subsidiariamente pelos danos causados a terceiros. (…) Essa obrigação de manter dados mínimos indispensáveis à identificação de seus usuários também decorre do art. 6º, III, do CDC, que instituiu o dever de informação e consagra o TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2119942-70.2015.8.26.0000 SÃO PAULO VOTO Nº 1635 6/11 princípio da transparência, aplicáveis à essência das relações de consumo, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução. (…) Nesse contexto, ao oferecer um serviço de compartilhamento de vídeos, deve o provedor obter e manter dados mínimos de identificação de seus usuários, com vistas a assegurar a eventuais prejudicados pela utilização indevida ou abusiva do serviço consumidores por equiparação nos termos do art. 17 do CDC informações concretas sobre a autoria do ilícito. Cuida-se de cautela básica, decorrente da legítima expectativa do consumidor mesmo aquele que jamais tenha feito uso do serviço de que, sendo ofendido por intermédio de um site, o seu provedor tenha condições de individualizar o usuário responsável. Note-se, por oportuno, que não se está a propor uma burocratização desmedida da internet.
O crescimento e popularidade da rede devem-se, em grande medida, justamente à sua informalidade e à possibilidade dos usuários a acessarem sem identificação. Essa liberdade tornou-se um grande atrativo, inclusive nos sites de compartilhamento de vídeos, em que pessoas desenvolvem ‘personalidades virtuais’, absolutamente distintas de suas próprias, assumindo uma nova identidade, por meio da qual se apresentam e interagem com terceiros. Criou-se um ‘mundo paralelo’, em que tudo é intangível e no qual há enorme dificuldade em se distinguir a realidade da fantasia. (…) Também não significa que se deva exigir um processo de cadastramento imune a falhas. A mente criminosa é astuta e invariavelmente encontra meios de contornar até mesmo os mais modernos sistemas de segurança.
O que se espera dos provedores é a implementação de cuidados mínimos, consentâneos com seu porte financeiro e seu knowhow tecnológico a ser avaliado casuisticamente, em cada processo de sorte a propiciar aos seus usuários um ambiente de navegação saudável e razoavelmente seguro.” (Terceira Turma, REsp nº 1403749/GO, Ministra Nancy Andrighi, j.22/10/2013).
Em palavras diversas, não fosse a atividade lucrativa desenvolvida pela apelante, não encontraria o ofensor meio para divulgar informação prejudicial à vítima, daí porque, como corolário lógico, não precisaria ela se socorrer do Judiciário para obter sua exclusão, ou identificar o causador do dano.
Sendo assim, como bem analisado pelo magistrado “a quo”, o apelante deu causa à propositura da lide, razão pela qual deve ser mantida a condenação, que já foi limitada na sentença ao rateio das custas e despesas processuais, em igual proporção.
3. Ante o exposto, meu voto nega provimento ao recurso.
Galdino Toledo Júnior
Relator