TJ|CE: Apelação Cível – Ação de usucapião julgada procedente – Legitimidade ativa do espólio – CPC art. 12, V – Precedentes do STJ – Preenchimento dos requisitos da usucapião extraordinária – CC art. 1.238 e § único – Usucapião pretendida por contestante coherdeiro – Princípio da saisine – Ausentes os requisitos para a usucapião durante a posse exclusiva de coherdeiro – Recurso conhecido e desprovido – Sentença confirmada. 

ESTADO DO CEARÁ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GABINETE DESEMBARGADORA MARIA IRANEIDE MOURA SILVA

Processo: 0085936-07.2007.8.06.0001 – Apelação

Apelante: R. de A. A.

Apelado: Espólio de A. C. de A.  e M. de L. A.

Inventariante: R. C. de A.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO JULGADA PROCEDENTE. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. CPC ART. 12, V. PRECEDENTES DO STJ. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. CC ART. 1.238 E § ÚNICO. USUCAPIÃO PRETENDIDA POR CONTESTANTE COHERDEIRO.  PRINCÍPIO DA SAISINE. AUSENTES OS REQUISITOS PARA A USUCAPIÃODURANTE A POSSE EXCLUSIVA DE CO-HERDEIRO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. 

1. Não merece amparo a preliminar de ilegitimidade ativa do espólio, uma vez que o Código de Processo Civil confere a capacidade de ser parte ao espólio, patrimônio sem personalidade jurídica que representa a comunidade de herdeiros, sendo representando em juízo por seu inventariante, conforme o art. 12, V, do CPC. Precedentes do STJ.

2. Assiste direito ao espólio autor devendo ser mantida a sentença de procedência da ação, pois restou comprovado nos autos o preenchimento dos requisitos necessários à usucapião extraordinária pretendida, estando caracterizados o animus domini e a posse mansa, contínua e pacífica, sem interrupção nem oposição por tempo superior à 15 (quinze) anos, nos termos do art. 1238 do Código Civil de 2002.

3. A posse do imóvel era exercida pelos pais do contestante, que continuou a ter o imóvel como sua moradia após o falecimento destes, passando então, a exercer a posse direta na qualidade de herdeiro e sob a tolerância dos demais, não caracterizando, portanto, a posse ad usucapionem.

4. Após o falecimento dos genitores, se abre automaticamente a sucessão, vigorando o princípio da saisine, nos termos do CC art. 1784. Assim, a posse do imóvel passa a ser exercida automaticamente pelo espólio, regulado pelas normas relativas ao condomínio, nos termos do CC art. 1791, parágrafo único, sendo o direito dos co-herdeiros indivisível e, portanto, insusceptível de usucapião por parte de um único herdeiro em detrimento dos demais.

5. A jurisprudência tem se manifestado no sentido da possibilidade excepcional de usucapião por um dos co-herdeiros, caso este venha a exercer com exclusividade a posse sobre o imóvel e, a partir do exercício exclusivo da posse, conseguir implementar todos os requisitos legais necessários para a usucapião, o que não ocorreu no caso dos autos.

6. Tendo a genitora dos herdeiros falecido no ano de 2002, foi aberto processo de inventário dos bens de A. C. de A.  e M. de L. A.  no juízo da 1ª Vara de Sucessões, tendo o inventariante prestado compromisso em 23.02.2005. Observa-se, portanto, que além de sofrer a oposição realizada pelo espólio, não houve tempo hábil para que o contestante implementasse os requisitos para a usucapião, nem mesmo na forma de usucapião especial habitacional que exige lapso temporal mais curto, uma vez que não exerceu a posse exclusiva pelo período de 05 (cinco) anos ininterruptos bem como, consiste o imóvel em área superior à 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados).

7. Verificada por parte do espólio autor o implemento de todos os requisitos necessários para a aquisição originária do imóvel pela usucapião, a procedência declarada em sentença deve ser mantida para todos os fins de direito, inclusive servindo como título hábil para o registro da matrícula no Cartório de Registro de Imóveis competente, devendo ser observada expressamente a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

8. Diante de todo o exposto, porquanto satisfeitas as exigências legais, CONHEÇO do recurso de apelação para NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença adversada em todos os seus termos.

ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em votação por unanimidade, em CONHECER do recurso de apelação para NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença adversada em todos os seus termos, conforme o voto da Relatora.

Fortaleza, 11 de novembro de 2015.

MARIA NAILDE PINHEIRO NOGUEIRA

Presidente do Órgão Julgador

DESEMBARGADORA MARIA IRANEIDE MOURA SILVA

Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível buscando a reforma da sentença que julgou procedente a Ação de Usucapião proposta por R. C. DE A., representando o ESPÓLIO DE A. C. de A.  E M. de L. A.. posse mansa, contínua e pacífica do imóvel urbano objeto da lide, um terreno situado à Rua Maranhão, onde se encontram encravadas duas casas de nº 204 e 214, no bairro Panamericano, cidade de Fortaleza, perfazendo uma área total de 492,00m2 e área construída de 294,00m2 (fls. 4/9).

Pediram pela gratuidade judiciária e juntaram documentos às fls. 11/27, inclusive planta de situação (fls. 15), memorial descritivo dos imóveis (fls. 14) e planta de situação (fls. 16), juntando ainda as certidões negativas de registros de imóveis.

Manifestação no Ministério Público às fls. 29. Manifestação da curadoria às fl.s 71/72.

Edital de citação devidamente publicado, citações e intimações cumpridas. Procuradorias Gerais da União, do Estado e do Município, sem interesse na lide.

Contestação de R. de A. A.  (fls. 101/107), filho do falecido casal A. C. de A.  e M. de L. A. , aduzindo a usucapião como matéria de defesa, alegando que sempre residiu com os pais, mesmo após casado, mantendo a posse exclusiva do imóvel juntamente com sua família e sendo responsável por todas as despesas deste, tendo havido o abandono do imóvel pelos demais herdeiros. Réplica às fls. 204/205.

Audiência de instrução e termos de depoimento, onde foi determinada a regularização do pólo ativo, às fls. 217/219 e 235/250. Memoriais às fls. 254/267 e 269/270.

Parecer do Ministério Público às fls. 272/277. opinando pela procedência da demanda pelo preenchimento dos requisitos para a usucapião requerida pelo espólio autor, exercendo o contestante apenas a posse oriunda de herança, inábil para gerar usucapião, uma vez que sabia que o imóvel pertencia ao espólio de seus pais. Julgou procedente a ação, declarando o domínio do imóvel ao Espólio de A. C. de A.  e M. de L. A. . Sem custas nem honorários.

Inconformado, o contestante apresentou recurso apelatório (fls. 284/297) alegando preliminarmente a ilegitimidade ativa do espólio, e no mérito, alegou a usucapião como matéria de defesa, aduzindo ter preenchido os requisitos necessários para tal, os quais restaram comprovados nos autos.

Recebida a apelação no duplo efeito, contrarrazões às fls. 300/311.

Parecer da Procuradoria Geral de Justiça (fls. 326/333), que entendeu pelo preenchimento dos requisitos necessários para a usucapião do espólio, bem como que o apelante não comprovou os requisitos necessários para que ele próprio usucapisse em detrimentos dos demais herdeiros, opinando, ao final, pelo conhecimento e improvimento do recurso e confirmação da sentença.

É, em suma, o relatório.

À douta revisão.

Fortaleza, 11 de novembro de 2015.

Maria Iraneide Moura Silva

DESEMBARGADORA

VOTO

Porquanto presentes os requisitos legais e a regularidade recursal.

Trata-se de procedência de usucapião extraordinária ajuizada pelo espólio dos ascendentes possuidores, tendo o apelante, possuidor direto do imóvel, alegado a usucapião como matéria de defesa.

Inicialmente, não merece amparo a preliminar de ilegitimidade ativa do espólio, uma vez que o Código de Processo Civil confere a capacidade de ser parte ao espólio, patrimônio sem personalidade jurídica que representa a comunidade de herdeiros, sendo representando em juízo por seu inventariante, conforme o art. 12, V, do CPC1.

Neste sentido, a jurisprudência do STJ:

AÇÃO DE USUCAPIÃO. AJUIZAMENTO POR ESPOLIO. NÃO SE ARREDA AO ESPOLIO DO POSSUIDOR A LEGITIMIDADE PARA INTENTAR A AÇÃO DE USUCAPIÃO (ART. 12, INC. V, DO CPC). COMO PARTE FORMAL, O ESPOLIO ESTA EM JUÍZO PELA COMUNIDADE DOS HERDEIROS. PRECEDENTE DA QUARTA TURMA-STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR A CARENCIA. (STJ – REsp: 28817 SP 1992/0027392-0, Relator: Ministro BARROS MONTEIRO, Data de Julgamento: 29/08/1995, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 23.10.1995 p. 35675 LEXSTJ vol. 79 p. 133); USUCAPIÃO. SUCESSÃO. PROPOSTA A AÇÃO DE USUCAPIÃO DE UM TERRENO URBANO PELO CASAL E POR UMA FILHA QUE COM ELE RESIDIA, O FALECIMENTO DOS PAIS E O RECONHECIMENTO DE QUE A FILHA NÃO EXERCIA A POSSE EXCLUSIVA NÃO LEVAM A IMPROCEDENCIA DA AÇÃO OU A EXTINÇÃO DO PROCESSO, POIS RESTA PARA EXAME A PRETENSÃO QUE SE TRANSMITIRA AOS HERDEIROS DO CASAL, E QUE PODE SER DECLARADA EM FAVOR DO SEU ESPOLIO. RECURSO PROVIDO. (REsp 78.778/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 13/02/1996, DJ 08/04/1996, p. 10476); USUCAPIÃO. AJUIZAMENTO DA AÇÃO POR ESPOLIO. POSSIBILIDADE. A AÇÃO DE USUCAPIÃO PODE SER AJUIZADA PELO ESPOLIO DO POSSUIDOR, PRESENTADO POR INVENTARIANTE NÃO DATIVO. 1 Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:  COMO PARTE FORMAL, O ESPOLIO ESTA EM JUÍZO PELA COMUNIDADE DOS HERDEIROS, POSSUIDORES NOS TERMOS DO ARTIGO 1572 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 7.482/SP, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 25/06/1991, DJ 12/08/1991, p. 10558).

Em análise ao mérito, verifica-se que assiste direito ao espólio autor devendo ser mantida a sentença de procedência da ação, pois restou comprovado nos autos o preenchimento dos requisitos necessários à usucapião extraordinária pretendida, estando caracterizados o animus domini e a posse mansa, contínua e pacífica, ou seja, sem interrupção nem oposição, por tempo superior à 15 anos, nos termos do art. 1238 do Código Civil de 2002, já vigente à época do ajuizamento da ação, em 19 de outubro de 2007, o que se passa a explicar.

Inicialmente, tem-se que o instituto da usucapião, especialmente de bens imóveis, é forma de aquisição originária de propriedade advinda da posse prolongada no tempo, cujo efeito é operar a transferência do domínio do bem, oponível erga omnes, àquele que detém a posse.

Sendo o procedimento especial da usucapião disciplinado pelo Código de Processo Civil arts. 941 a 945, sua matéria é prevista no capítulo II, “Da Política Urbana” da Constituição Federal de 1988, sendo disciplinada pelo Código Civil de 2002 em seus artigos 1.238a 1.244, que prevêem diferentes espécies de usucapião a depender do preenchimento de determinados requisitos legais.

Assim, a usucapião poderá ser extraordinária (CC art. 1.238), ordinária (CC art. 1.242), especial rural ou pro labore (CC art.1.239 e CF art. 191), especial urbana ou habitacional (CC art. 1.240e CF art. 183), e ainda a usucapião indígena, estabelecida no Estatuto do Índio (Lei nº 6.011/73).

CC Art. 1.238 – Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Assim, para a figura da usucapião deve ser observado, além do rito processual especial, o preenchimento de três elementos básicos, que consistem na coisa hábil, na posse ad usucapionem e no tempo, os quais, entretanto, devem preencher os requisitos exigidos em lei, devendo, o exercício da posse se dar de forma contínua, sem interrupção; pacificamente, sem oposição; e ainda, com ânimo de dono.

Por sua vez, para que a situação de fato da posse se transforme em uma situação de direito sendo convertida em propriedade, esta posse deve se alongar pelo prazo temporal previsto na lei, in casu, pelo prazo de 15 (quinze) anos, quando então a boa-fé é presumida legalmente e é dispensado o justo título, podendo ser reduzido este prazo para 10 anos, se o possuidor tiver estabelecido no imóvel sua moradia habitual.

Coadunando-se com a doutrina, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. 1. PRECARIEDADE DA POSSE NOTICIADA PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. MODIFICAÇÃO DAS CONCLUSÕES ALCANÇADAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 2. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A usucapião extraordinária, nos termos do art. 1.238 do Código Civil, reclama a posse mansa e pacífica, ininterrupta, exercida com anumus domini, bem como o decurso do prazo de 15 (quinze) anos. Precedentes. 2. Na espécie, contudo, concluíram as instâncias de origem, após a análise estrita e pormenorizada das provas juntadas ao processo, não estarem preenchidos os requisitos necessários à aquisição originária, noticiando a oposição à posse antes do transcurso do período aquisitivo, bem como a natureza precária da ocupação do imóvel. Para se alterar tal entendimento necessário seria o revolvimento do material probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado n. 7 da Súmula desta Corte. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1415166/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 24/10/2014). Em relação ao processamento da ação de usucapião, esta atendeu aos requisitos do Código de Processo Civil, arts. 941 a 945, vigentes posteriormente à reforma realizada pela Lei nº 8.951/94, que trouxe novo rito procedimental a esta ação.

Assim, a inicial foi instruída com as certidões negativas do imóvel e do nome do autor nos cartórios de registro de imóveis, com a planta do imóvel e com o memorial descritivo indispensáveis à lide, de forma a atender o disposto no art. 283 do CPC2. Da mesma forma, foram devidamente realizados os atos processuais preconizados pelo art. 942 e 9433, com as citações pessoais dos confinantes, a citação por edital dos réus ausentes, incertos e desconhecidos e as intimações da Fazenda Pública da União, do Estado e do Município; intervindo, para o cumprimento do art. 9444 , o Ministério Público em todos os atos.

Quanto ao requisito de coisa hábil como objeto da usucapião, esta significa que o bem deve ser suscetível de aquisição, excluindo-se destes os bens públicos, as coisas fora do comércio e as terras devolutas.

In casu, tem-se que o imóvel objeto da lide enquadra-se como coisa hábil, sendo um imóvel urbano suscetível de aquisição por particular, inclusive não se configurando como bem de interesse das Fazendas Públicas Municipal, Estadual 2 CPC Art. 283. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

CPC Art. 942 – O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do Art. 232 e da União, que devidamente intimadas segundo o art. 943 do CPC, manifestaram-se no sentido do desinteresse na ldie.

Passando à análise do requisito do lapso temporal exigido para a posse, vemos que este restou plenamente satisfeito, pois a tese autoral de que o de cujus detinha a posse do imóvel há cerca de 40 (quarenta) anos, foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas e pelo próprio contestante, tendo a posse continuado no exercício da esposa viúva, e após o falecimento desta, na posse de um dos herdeiros.

Em relação ao requisito da posse do bem, temos que a posse ad usucapionem requer “de um lado, a atitude ativa do possuidor que exerce os poderes inerentes à propriedade; e, de outro, a atitude passiva do proprietário, que, com sua omissão, colabora para que determinada situação de fato se alongue ao tempo”5.

Assim, deve a posse ad usucapionem ser exercida com ânimo de dono (animus domini), possuindo o imóvel “como seu”. Tal fato resta plenamente evidenciado nos autos, tendo o imóvel sido utilizado para a moradia da família ao longo do tempo.

Da mesma forma, é exigível que tal posse seja mansa e pacífica, exercida sem oposição, não sendo o possuidor molestado durante o lapso temporal da prescrição aquisitiva estabelecida em lei, por aquele que tenha o legítimo interesse, ou seja, pelo proprietário contra quem se visa usucapir. In casu, não resta nenhuma evidência de que a posse do de cujus tenha sofrido qualquer oposição, tendo se dado de maneira pacífica e contínua em sua pessoa e, após seu falecimento, na de seus herdeiros.

requisitos para ele próprio usucapir, tendo exercido a posse do imóvel desde a infância e sendo esta exclusiva após o falecimento de seus pais, bem como, tendo havido o abandono do imóvel pelos demais herdeiros, estas não merecem prosperar.

Isto porque, a posse era exercida pelos pais do contestante, tendo o imóvel como sua moradia por ter vivido com estes até seu falecimento, quando então, passou a exercê-la na qualidade de herdeiro sob a tolerância dos demais, não caracterizando, portanto, a posse ad usucapionem.

De fato, após o falecimento dos genitores, abre-se automaticamente a sucessão, vigorando o princípio da saisine, ficção jurídica que autoriza o ingresso dos herdeiros, legítimos ou testamentários, na posse dos bens do de cujos de forma imediata e direta, independentemente de qualquer ato, mesmo que desconhecida a morte do titular, nos termos do art. 1784 do Código Civil de 2002, in verbis:

CC art. 1784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Assim, a posse do imóvel passa a ser exercida automaticamente pelo espólio, regulado pelas normas relativas ao condomínio, nos termos do art. 1791, parágrafo único6, sendo o direito dos co-herdeiros indivisível até que seja realizada a partilha quando a cada um será destinado o seu quinhão, sendo, portanto, insusceptível de usucapião por parte de um único herdeiro em detrimento dos demais.

Ilustrando este entendimento, o seguinte precedente deste e. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará:

USUCAPIÃO. IMÓVEL PERTENCENTE AOS HERDEIROS. HERDEIRA QUE PRETENDE USUCAPIR. INEXISTÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Omissis. 2. Para a configuração do direito à usucapião, seria necessário o exercício de posse sem qualquer título, pela requerente. No caso, a autora é, herdeira do imóvel, juntamente com outros sucessores. Assim, na linha do entendimento da magistrada sentenciante, jamais poderia a requerente pretender adquiri-lo sozinha, uma vez que o imóvel é objeto de herança em ação que tramita na mesma serventia sob o nº 2000.0001.0515-6, na qual os demais herdeiros não concordam com a apelante. 3. Não estão preenchidos os requisitos para a apelante fazer jus à aquisição prescritiva pleiteada. 4. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida. (Relator (a): JUCID PEIXOTO DO AMARAL; Comarca: Fortaleza; Órgão julgador: 6ª Câmara Cível; Data de registro: 18/06/2012).

Entretanto, a jurisprudência tem se manifestado no sentido da possibilidade excepcional de usucapião por um dos herdeiros, caso este venha a exercer com exclusividade a posse sobre o imóvel e, a partir do exercício exclusivo da posse, conseguir implementar todos os requisitos legais necessários para a usucapião, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL. HERANÇA. POSSE EXCLUSIVA DE HERDEIRO. ÔNUS DA PROVA. Em princípio, somente se admite a usucapião sobre imóvel adquirido por herança, em detrimento dos demais herdeiros, em hipóteses excepcionais, quando a usucapiente demonstrar o exercício de posse exclusiva durante o lapso temporal legalmente previsto e com animus domini. Posse decorrente de relações familiares. Prova oral que aponta para a existência de mera tolerância. Posse não revestida de animus domini, elemento anímico indispensável ao reconhecimento da prescrição aquisitiva visada. Sentença confirmada. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIME. (Apelação Cível Nº 70062651039, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 19/03/2015). (TJRS – AC: 70062651039 RS , Relator: Nelson José Gonzaga, Data de Julgamento: 19/03/2015, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 24/03/2015);

AÇÃO DE USUCAPIÃO. HERDEIRA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL ACERCA DO CARÁTER PÚBLICO DO IMÓVEL OBJETO DE USUCAPIÃO QUE ENCONTRA-SE COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 2. Há negativa de prestação jurisdicional em decorrência de não ter o Tribunal de origem emitido juízo de valor acerca da natureza do bem imóvel que se pretende usucapir, mesmo tendo os recorrentes levantado a questão em sede de recurso de apelação e em embargos de declaração opostos ao acórdão. 3. Recurso especial a que se dá provimento para: a). reconhecer a legitimidade dos recorrentes para proporem ação de usucapião relativamente ao imóvel descrito nos presentes autos, e b). anular parcialmente o acórdão recorrido, por violação ao artigo535 do CPC, determinando o retorno dos autos para que aquela ilustre Corte aprecie a questão atinente ao caráter público do imóvel. (STJ – REsp: 668131 PR 2004/0076077-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/08/2010, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/09/2010).

Entretanto, tendo a genitora dos herdeiros falecido no ano de 2002, foi aberto processo de inventário dos bens de A. C. de A.  e M. de L. A.  no juízo da 1ª Vara de Sucessões, tendo o inventariante prestado compromisso em 23 de fevereiro de 2005 (fls. 11). Observa-se, portanto, que além de sofrer a oposição realizada pelo espólio, não houve tempo hábil para que o contestante implementasse os requisitos para a usucapião, nem mesmo na forma de usucapião especial habitacional que exige lapso temporal mais curto, uma vez que não exerceu a posse exclusiva pelo período de 05 (cinco) anos ininterruptos bem como, consiste o imóvel em área superior à 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados).

Dessa forma, sabia o contestante que habitava o imóvel de seus pais, exercendo a posse exclusiva sobre este de forma precária, sob a tolerância dos coherdeiros, não havendo, portanto, o preenchimento dos requisitos para usucapir, como o animus domini e a posse sem oposição pelo lapso temporal necessário.

Desse modo, verificada por parte do espólio autor o implemento de todos os requisitos necessários para a aquisição originária do imóvel pela usucapião, a procedência declarada em sentença deve ser mantida para todos os fins de direito, inclusive servindo como título hábil para o registro da matrícula no Cartório de Registro de Imóveis competente, devendo ser observada expressamente a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

CONHEÇO do recurso de apelação, entretanto NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença adversada em todos os seus termos.

É como voto, submetendo-o à consideração de meus pares.

Fortaleza, 11 de novembro de 2015.

Maria Iraneide Moura Silva

DESEMBARGADORA

________________

1 Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: V – o espólio, pelo inventariante;

2 CPC Art. 283. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

3 CPC Art. 942 – O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do Art. 232.

CPC Art. 943 – Serão intimados por via postal, para que manifestem interesse na causa, os representantes da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

4 CPC Art. 944 – Intervirá obrigatoriamente em todos os atos do processo o Ministério Público

5 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 5. p. 282. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

6 Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.