STJ: Civil – Processual Civil – Recurso Especial – Recurso manejado sob a égide do cpc/73 – Ação revocatória – Alienação de bem imóvel dentro do período suspeito – Violação do art. 535 do CPC/73 – Não configurada – Ofensa aos arts. 165 e 458 do CPC/73 em virtude da ausência de fundamentação do acórdão recorrido – Falta de prequestionamento – Súmula nº 282 do STF, por analogia – Fraude na alienação – Necessidade de comprovação da má-fé para a nulidade da alienação – Arts. 53 e 55, parágrafo único, III, a, do decreto-lei nº 7.661/45 – Acórdão que não fornece elementos concretos para, adotando o entendimento desta corte, assentar se houve ou não a má-fé da terceira adquirente – Análise das alegações e dos documentos juntados pelas partes a ser verificada pelo tribunal de origem, sob pena de supressão de instância – Recurso especial provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.567.492 – RJ (2015/0048259-4)

RELATOR: MINISTRO MOURA RIBEIRO

RECORRENTE: IVANILZA CARVALHO MARTINS

ADVOGADO: ROSANE HOLENDER MENIUK  – RJ087621

RECORRIDO: DOZE DISTRIBUIDORA DE PAPELARIA LTDA – MASSA FALIDA

REPR. POR: IVAN ALEXANDRINO DA COSTA SANTOS – ADMINISTRADOR

ADVOGADOS: MANOEL JOSÉ DA CUNHA CHAVES E OUTRO(S) – RJ072236

SIMONE VALENÇA SANT’ANNA – RJ118872

INTERES.: ROSANE PEREIRA LIMA

ADVOGADO: ERALDO JORGE DE OLIVEIRA E OUTRO(S) – RJ073743

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO REVOCATÓRIA. ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL DENTRO DO PERÍODO SUSPEITO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO CONFIGURADA. OFENSA AOS ARTS. 165 E 458 DO CPC/73 EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.  SÚMULA Nº 282 DO STF, POR ANALOGIA. FRAUDE NA ALIENAÇÃO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ PARA A NULIDADE DA ALIENAÇÃO. ARTS. 53 e 55, PARÁGRAFO ÚNICO, III, A, DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45. ACÓRDÃO QUE NÃO FORNECE ELEMENTOS CONCRETOS PARA, ADOTANDO O ENTENDIMENTO DESTA CORTE, ASSENTAR SE HOUVE OU NÃO A MÁ-FÉ DA TERCEIRA ADQUIRENTE. ANÁLISE DAS ALEGAÇÕES E DOS DOCUMENTOS JUNTADOS PELAS PARTES A SER VERIFICADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Dos recursos interpostos com fundamento no CPC/73 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

2. A violação do art. 93, IX, da CF, em virtude da alegada negativa prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem, esta não pode ser analisada na via estreita do recurso especial, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

3. Não tendo sido debatida a tese elencada nas razões do nobre apelo quanto à violação dos arts. 165, 458, II, do CPC/73, caracteriza-se a ausência de prequestionamento, nos termos da Súmula n° 282 do STF, por analogia.

4. O art. 53 do Decreto-lei n° 7.661/45 prevê a possibilidade de revogação do ato praticado pelo falido com a intenção de prejudicar os credores, desde que seja provada a fraude.

5. O art. 55, parágrafo único, III, a, do Decreto-lei nº 7.661/45, por sua vez, dispõe que a ação revocatória pode ser proposta contra o terceiro adquirente se este tiver conhecimento, ao se criar o direito, da intenção do falido de prejudicar os credores.

6. Assim, ainda que revogada a primeira venda em razão da existência de fraude, este efeito apenas alcança as partes que agiram em conluio contra os credores da massa falida. Dessa forma, para que a segunda venda seja desconstituída é necessária a prova da má-fé, pois devem ser resguardados os interesses dos terceiros de boa-fé.

7. Ocorre que o Tribunal de origem apenas reconheceu a existência do consilium fraudis em relação à primeira adquirente, mas não quanto à alienação subsequente, entendendo que tal comprovação não era necessária.

8. Contudo, a segunda venda não poderia ter sido anulada sob a justificativa de ser essa a consequência direta da invalidade do negócio antecedente, uma vez que essa solução contraria o disposto nos arts. 53 e 55, parágrafo único, III, a, do Decreto-lei nº 7.661/45.

9. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 25 de outubro de 2016(Data do Julgamento)

MINISTRO MOURA RIBEIRO

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Relator):

DOZE DISTRIBUIDORA DE PAPELARIA LTDA. – MASSA  FALIDA

(DOZE DISTRIBUIDORA) ajuizou ação revocatória contra ROSANE PEREIRA LIMA (ROSEANE) e IVANILZA CARVALHO MARTINS (IVANILZA) argumentando que a venda do imóvel pertencente à empresa falida foi efetivada em fraude aos credores.

IVANILZA apresentou reconvenção com pedido de declaração de nulidade da sentença que decretou a falência da empresa.

Em primeiro grau, a ação revocatória foi julgada procedente para declarar, em relação à Massa Falida, a ineficácia da alienação do estabelecimento empresarial e a reconvenção foi rejeitada.

ROSANE interpôs recurso de apelação sob o fundamento de que a nulidade da sentença que decretou a falência está sendo discutida em outro processo e que há necessidade de suspensão da ação revocatória, nos termos do art. 265 do CPC/73. Afirmou a inexistência de fraude a credores, tendo em vista que na data da venda do imóvel o valor pago era suficiente para a quitação do passivo, e a existência de outros bens passíveis de garantir a dívida em nome da empresa falida.

IVANILZA interpôs recurso de apelação fundado na nulidade absoluta da sentença que decretou a falência da empresa que foi citada por edital, sem a nomeação de Curador Especial. Afirmou, ainda, a violação dos arts. 52, VII, 53 do Decreto nº 4.661/45, no que se refere à venda do imóvel e da inexistência de fraude contra credores.

O Desembargador Relator, nos termos do art. 557, caput, do CPC/73, negou seguimento aos recursos de apelação interpostos.

O Tribunal de origem negou provimento aos agravos regimentais interpostos por ROSANE e IVANILZA em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

AGRAVO INTERNO. Apelação Cível Ação revocatória. Massa falida. Alienação de bem imóvel dentro do período suspeito, quando já pendiam contra a falida vários protestos. Rejeição das preliminares. Ausência relação de prejudicialidade entre a ação revocatória e a ação de nulidade da sentença proferida na demanda falimentar. Nulidade do processo falimentar por ausência de nomeação de curador especial ao falido, que não pode suscitada por parte estranha àquela lide. Fraude contra credores caracterizada.  Aplicação do Decreto-Lei 7.661/45. Jurisprudência do STJ. Manutenção da Decisão Monocrática. DESPROVIMENTO DO RECURSO (e-STJ, fl. 645).

Os embargos de declaração opostos por IVANILZA foram rejeitados, nos termos da decisão e-STJ, fls. 671/675.

Irresignadas, ROSANE e IVANILZA interpuseram recursos especiais isolados com fulcro no art. 105, III, a e c, da CF.

ROSANE alegou a nulidade da sentença que decretou a falência da empresa, ofensa aos arts. 52, VIII, 53 do Decreto-lei nº 7.661/45; ausência de fraude a credores e existência de dissídio jurisprudencial.

Já IVANILZA afirmou a violação dos arts. 165, 458, II, do CPC/73 e 93, IX, da CF, quanto à ausência de fundamentação do acórdão recorrido; negativa de vigência do art. 535, I e II, do CPC; da boa-fé na aquisição do imóvel, arts. 52, VII, e 53, ambos do Decreto-lei nº 7.661/45, e na existência de dissídio jurisprudencial.

Não admitidos os recursos especiais, apenas IVANILZA interpôs o agravo que foi conhecido nos termos da decisão e-STJ, fls. 1.045/1.048.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Relator):

O inconformismo merece ser provido.

De plano, vale pontuar que as disposições do NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade dos recursos, são inaplicáveis ao caso concreto ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016:

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Como já constou do relatório, DOZE DISTRIBUIDORA ajuizou ação revocatória contra ROSEANE e IVANILZA, argumentando que a venda do imóvel pertencente à empresa falida foi efetiva em fraude aos credores.

A sentença de procedência, que declarou, em relação à Massa Falida, a ineficácia da alienação do estabelecimento empresarial, foi mantida pelo Tribunal de origem.

É contra esse acórdão o inconformismo agora manejado, que merece provimento.

I) Da preliminar de ausência de fundamentação do acórdão recorrido e da violação do art. 535 do CPC/73

IVANILZA afirmou que o Tribunal de origem no julgamento do recurso de apelação manteve a sentença por seus próprios fundamentos, o que caracteriza a ausência de fundamentação do julgado e negativa de prestação jurisdicional, tendo sido violados os arts. 165 e 458, II, do CPC/73 e 93, IX, da CF.

Inicialmente, quanto à alegada violação do art. 93, IX, da CF, em virtude da negativa prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem, esta não pode ser analisada na via estreita do recurso especial, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. PROGRAMADE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE.

[…]

2. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria de competência do STF, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Carta Magna.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 723.323/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Turma, julgado em 22/9/2015, DJe 25/9/2015)

Quanto à violação dos arts. 165, 458, II, 535, todos do CPC/73 sob o fundamento que o Tribunal de origem manteve a sentença por seus próprios fundamentos o que caracteriza a ausência de fundamentação do julgado e omissão, melhor sorte não assiste à IVANILZA.

Da acurada análise dos autos, verifica-se que o Tribunal de origem se manifestou quanto aos pontos elencados nos aclaratórios, no que se refere i) à ausência de relação de prejudicialidade entre a ação revocatória e a nulidade da sentença; ii) impossibilidade de alegação de nulidade do processo por terceiro estranho à lide e; iii) desnecessidade de comprovação de má-fé para anulação da venda realizada após o reconhecimento da fraude, fazendo-o nos seguintes termos:

Não se verifica a relação de prejudicialidade alegada entre a ação revocatória e a ação de nulidade da sentença proferida no processo falimentar, visto que o julgamento da presente não depende do julgamento da ação declaratória de nulidade.

20. Igualmente incabível a alegação de nulidade do processo por ausência de nomeação de curador especial ao falido, suscitada por parte estranha àquela lide.

21. No mérito, cumpre registrar que a solução da lide admite a aplicação do Decreto-Lei 7.661/45, antiga Lei de Falências.

22. Em que pesem os argumentos expendidos, restou evidenciado nos autos que a promessa de compra e venda celebrada entre a falida e a primeira ré se deu no período considerado suspeito para efeitos de fraude contra credores.

23. Com efeito, a primeira alienação ocorreu quando a empresa falida já contava com vários protestos em seu nome,  circunstância cujo desconhecimento a primeira adquirente não pode alegar.

24. Assim, considerando que houve considerável diminuição no patrimônio da empresa, sem que a ciência dos credores, restou demonstrada a fraude.

25. Registre-se que, quanto à segunda ré apelante, não há necessidade de se demonstrar a má-fé para que se configure a fraude, ressalvado o seu direito de demandar contra a massa falida, na forma do artigo 54, §3º do Decreto-Lei 7.661/45 […] (e-STJ, fls. 600/607).

Portanto, verifica-se que a matéria foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada quanto aos pontos tidos por omitidos, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte.

Assim, estando ausentes os vícios elencados no art. 535 do CPC/73, omissão, contradição, obscuridade ou eventual erro material, não há falar em violação do referido artigo.

Ademais, quanto à alegada violação dos arts. 165, 458, II, do CPC/73 sob o fundamento de que o Tribunal de origem no julgamento do recurso de apelação manteve a sentença por seus próprios fundamentos, verifica-se que o tema não foi debatido na instância ordinária e que os embargos de declaração foram opostos apenas para suprir eventual violação do art. 535 do CPC/73 quanto à omissão dos temas i) da nulidade absoluta pela decretação de falência sem nomeação de Curador Especial; ii) da possibilidade de alienação de bem pertencente à massa falida  realizada dentro do termo legal, mas antes da decretação da quebra (art. 52, VII, da antiga Lei de Falências); e, iii) que em caso de aplicação do art. 53 do Decreto lei nº 7661/45 há necessidade de prova da fraude dos terceiros envolvidos.

Portanto, não tendo sido debatida a tese elencada nas  razões  do nobre apelo quanto à violação dos arts. 165, 458, II, do CPC/73, caracteriza-se a ausência de prequestionamento, nos termos da Súmula n° 282 do STF, por analogia:   É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

II) Do mérito

IVANILZA afirmou, ainda, a violação dos arts. 52, VII e 53, ambos do Decreto-lei nº 7.661/45 sob o fundamento de que há necessidade de comprovação da má-fé da adquirente para anulação das alienações realizadas. Alegou que o imóvel objeto da lide foi alienado para ROSANE pela massa falida e o adquiriu posteriormente, não tendo sido comprovada a sua má-fé na aquisição do referido bem.

Sustentou que desconhecia a situação de insolvência da empresa e que o consilium fraudis existente entre a falida e a primeira adquirente não pode ser contra ela oposto. Apontou dissídio jurisprudencial quanto à necessidade de comprovação da má-fé do adquirente.

Com razão.

Primeiramente, destaca-se a incidência do Decreto-lei nº 7.661/45 ao caso em apreço, pois consta dos autos a informação de que a falência da empresa DOZE DISTRIBUIDORA foi decretada aos 7/4/2005, com efeito retroativo a 60 dias antes da data do primeiro protesto realizado por falta de pagamento (e-STJ, fls. 11/13  e 14/16).

A promessa de compra e venda do imóvel foi feita pela DOZE DISTRIBUIDORA a ROSANE aos 17/3/2003 (e-STJ, fl. 21), posteriormente executada pela escritura de compra e venda de 12/1/2004 (e-STJ, fls. 77/79) e, nos termos da decisão proferida pelo Tribunal de origem, teria sido realizada no período considerado suspeito para efeitos de fraude contra credores. Confira-se o trecho ora destacado:

21. No mérito, cumpre registrar que a solução da lide admite a aplicação do Decreto-Lei 7.661/45, antiga Lei de Falências.

22. Em que pesem os argumentos expendidos, restou evidenciado nos autos que a promessa de compra e venda celebrada entre a falida e a primeira ré se deu no período considerado suspeito para efeitos de fraude contra credores.

23. Com efeito, a primeira alienação ocorreu quando a empresa falida já contava com vários protestos em seu nome, circunstância cujo desconhecimento a primeira adquirente não pode alegar.

24. Assim, considerando que houve considerável diminuição no patrimônio da empresa, sem que a ciência dos credores, restou demonstrada a fraude […] (e-STJ, fls. 604/605 – sem destaques no original).

O apelo nobre interposto por ROSANE, primeira adquirente, foi inadmitido sob o fundamento da inexistência de fraude, sem que houvesse a interposição de recurso. Assim, a existência de fraude contra credores em relação à venda do imóvel pela DOZE DISTRIBUIDORA à primeira compradora, ROSANE, é questão sedimentada.

Ainda que se queira permitir contaminação do reconhecimento da fraude contra credores em relação à terceira adquirente, IVANILZA, não se pode esquecer que o tema aqui em debate é outro, ou seja, a necessidade ou não de comprovação de má-fé por ela, terceira adquirente, já que se trata de ação revocatória, e não de simples declaração de ineficácia da alienação no período suspeito da quebra.

A controvérsia reside, portanto, na necessidade ou não da comprovação da má-fé da terceira adquirente, ou seja, de IVANILZA (e-STJ, fl. 41), após a demonstração da fraude em relação à primeira venda.

Quanto ao ponto, o Tribunal de origem entendeu pela desnecessidade de configuração da má-fé da terceira adquirente, mas apenas seu direito de regresso, nos termos do art. 54, § 3º, do Decreto-lei nº 7.661/45, verbis :

25. Registre-se que, quanto à segunda ré apelante, não há necessidade de se demonstrar a má-fé para que se configure a fraude, ressalvado o seu direito de demandar contra a massa falida, na forma do artigo 54, §3º do Decreto-Lei 7.661/45 […] (e-STJ, fl. 605).

Contudo, a decisão recorrida merece reforma.

O art. 53 do Decreto-lei n° 7.661/45, que fundamentou a sentença confirmada pelo acórdão, prevê a possibilidade de revogação do ato praticado pelo falido com a intenção de prejudicar os credores, desde que seja provada a fraude, in verbis :

Art. 53. São também revogáveis, relativamente à massa os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude do devedor e do terceiro que com êle contratar.

Como se vê, o dispositivo legal não prevê a situação posta nos autos quanto à desnecessidade de comprovação do consilium fraudis em relação à venda sucessiva.

JOSÉ DA SILVA PACHECO em sua obra “Processo de Falência e Concordata”, comentários à Lei de Falência, esclarece que o terceiro adquirente, para poder ser réu na ação revocatória, insta que tivesse conhecimento da intenção do falido de prejudicar os credores, por ocasião do nascimento do direito que o terceiro adquiriu (Forense, 11ª Edição, pág. 352).

Assim, a venda realizada por ROSANE a IVANILZA não poderia ter sido anulada sob essa justificativa, ou seja, de ser essa a consequência direta da invalidade do negócio antecedente, uma vez que essa solução contraria, além do disposto no artigo acima mencionado, também o contido no art. 55, parágrafo único, III, a, do Decreto-lei nº 7.661/45, aplicável a situação dos autos, que dispõe:

Art. 55. A ação revocatória deve ser proposta pelo síndico, mas se o não fôr dentro dos trinta dias seguintes à data da publicação do aviso a que se refere o art. 114 e seu parágrafo, também poderá ser proposta por qualquer credor.

Parágrafo único. A ação pode ser proposta:

[…]

III – contra os terceiros adquirentes:

a) se tiveram conhecimento, ao se criar o direito, da intenção do falido de prejudicar os credores;

Conclui-se que apenas o terceiro adquirente, se tiver agido de má-fé – com o conhecimento da intenção de prejudicar os credores – poderá ser réu na ação revocatória, nos termos dos já citados arts. 53 e 55 do Decreto-lei nº 7.661/45.

Ressalte-se que, embora as disposições aplicáveis ao presente caso sejam aquelas definidas no Decreto-lei nº 7.661/45, é possível extrair idênticos preceitos legais na nova lei de recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005) quanto às hipóteses de revogação dos atos praticados pelo falido diante da ação revocatória, veja-se:

Decreto-Lei nº 7.661/45

Da revogação de atos praticados pelo devedor antes da falência

Art. 53. São também revogáveis, relativamente à massa os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude do devedor e do terceiro que com ele contratar.

Art. 55. A ação revocatória deve ser proposta pelo síndico, mas se o não for dentro dos trinta dias seguintes à data da publicação do aviso a que se refere o art. 114 e seu parágrafo, também poderá ser proposta por qualquer credor.

Parágrafo único. A ação pode ser proposta:

[…]

III – contra os terceiros adquirentes:

a) se tiveram conhecimento, ao se criar o direito, da intenção do falido de prejudicar os credores;

Da Lei nº 11.101/2005

Da Ineficácia e da Revogação de Atos Praticados antes da Falência

Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.

Art. 133. A ação revocatória pode ser promovida: […]

II – contra os terceiros adquirentes, se tiveram conhecimento, ao se criar o direito, da intenção do devedor de prejudicar os credores;

Forçoso reconhecer que a norma legal define que apenas serão revogados os atos praticados com a intenção de prejudicar credores. Portanto, imprescindível a constatação da existência do concilium fraudis no caso em apreço, também, em relação à terceira adquirente, IVANILZA.

Nesse sentido, conclui GLADSON MAMEDE:

Os atos que tenham sido praticados com a intenção de prejudicar credores são revogáveis, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida, segundo o art. 130 da Lei nº 11.101/05. Portanto, diferentemente da declaração de ineficácia, nos termos estudados acima, a revogação de atos jurídicos em face da falência não revela uma característica objetiva – a dispensar a investigação do universo subjetivo das partes envolvidas -; sua verificação e afirmação não se fazem a partir da investigação de elementos objetivos, como ocorre com a ineficácia, motivo pelo qual não permite declaração ex officio ou incidental. A revogação, pelo contrário, exige a investigação do universo subjetivo das partes envolvidas no ato para aferir-se, como requisito necessário, a existência do concilium fraudis, além de um requisito objetivo, que é a prova do efetivo prejuízo sofrido pela massa  falida, na letra da  lei, sem o que não poderá haver revogação […] (“Direito empresarial brasileiro”: falência e recuperação de empresas, volume 4 / Gladson Mamede. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2008 – sem destaque no original).

MODESTO CARVALHOSA, analisando a ação revocatória à luz da nova lei de falência, também nos ensina que:

Na ação revocatória (art. 130 da Lei nº 11.101/2005) são legitimados passivos todas as pessoas que figuraram no ato, ou que por efeito dele foram pagos, garantidos ou beneficiados; além de terceiros adquirentes, desde que cientes da intenção de prejudicar credores; bem como herdeiros ou legatários das pessoas antes mencionadas […].

Note-se, em relação à hipótese referida no inc. II do art. 133 da Lei 11.101/2005, o legislador expressamente determina que certos terceiros não estão sujeitos à ação revocatória. Essa somente pode ser intentada “contra terceiros adquirentes, se tiverem conhecimento ao se criar o direito, da intenção do devedor de prejudicar os credores”. A hipótese refere-se a atos translativos posteriores ao negócio originalmente apontados como ineficaz.

Há dois efeitos que resultam dessa situação. O primeiro efeito será tratado no item 6, infra, ao abordarmos como a massa será ressarcida, se os bens estiverem sob a titularidade de terceiros não sujeitos à revocatória.  E o segundo efeito consiste na ideia de que há sólida presunção de que terceiros que não negociaram diretamente com a falida o fizeram de boa-fé, a qual somente poderá ser elidida se ficar cabalmente demonstrado que havia consilium fraudis, no momento da celebração do ato mais recente, entre o terceiro e o falido. Ou seja, nesses casos, a intenção de prejudicar credores – cuja caracterização depende dos requisitos  já mencionados nesse capítulo, item 3, acima – deve ser acrescida de prova inconteste da fraude abrangendo o terceiro e o falido, além do contratando originário. Dessa forma, e exatamente por ser mais remota a possibilidade de tantas pessoas envolvidas na fraude, a caracterização da ineficácia está cercada de maior cautela […]. (“Recuperação empresarial e falência”/Manoel Justino Bezerra Filho…[et al.]; coordenação Modesto Carvalhosa. – São Paulo:  Editora Revista dos Tribunais, 2016. – (Coleção tratado de direito empresarial; V.5)).

No entanto, tais ensinamentos são perfeitamente aplicáveis ao caso  em apreço, pois o Tribunal de origem apenas reconheceu a existência objetiva do consilium fraudis em relação à primeira adquirente, ROSANE, mas não quanto à alienação subsequente, entendendo que tal comprovação não era necessária, embora aqui a discussão esteja sendo travada em ação revocatória que, como se viu, exige a prova do conhecimento, ao se criar o direito, da intenção do falido de prejudicar os credores.

Ora, ainda que revogada a primeira venda em razão da existência de fraude, este efeito apenas alcança as partes que agiram em conluio contra os credores da massa falida, ou seja, o falido e aquele que com ele contratou.

Dessa forma, para que a segunda venda, a de IVANILZA, seja desconstituída é necessária a prova da sua má-fé com a DOZE DISTRIBUIDORA, pois devem ser resguardados os interesses dos terceiros de boa-fé, já que aqui não se trata de uma simples declaração de ineficácia de negócio jurídico.

Contudo, não tendo como esta Corte se manifestar quanto à existência ou não de má-fé da segunda compradora, IVANILZA, o que requer exame do conjunto fático-probatório, faz-se necessário o retorno dos autos para que o Tribunal de origem, adotando o entendimento acima destacado, verifique a existência ou não do consilium fraudis em relação a ela.

Advirta-se que eventual recurso interposto contra este acórdão estará sujeito às normas do NCPC, inclusive no que tange ao cabimento de multa (arts.  1.021, § 4º e 1.026, § 2º) e honorários recursais (art. 85, § 11).

Nessas condições, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, nos termos da fundamentação acima.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2015/0048259-4

PROCESSO ELETRÔNICO   REsp 1.567.492 / RJ

Números Origem:  00300103771450186  00834542120108190001  20040010966129  201300544116

201524551457

EM MESA    JULGADO: 25/10/2016

Relator

Exmo. Sr. Ministro  MOURA RIBEIRO

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. CARLOS ALBERTO CARVALHO VILHENA

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: IVANILZA CARVALHO MARTINS

ADVOGADO: ROSANE HOLENDER MENIUK  – RJ087621

RECORRIDO: DOZE DISTRIBUIDORA DE PAPELARIA LTDA – MASSA FALIDA

REPR. POR: IVAN ALEXANDRINO DA COSTA SANTOS – ADMINISTRADOR

ADVOGADOS: MANOEL JOSÉ DA CUNHA CHAVES E OUTRO(S) – RJ072236

SIMONE VALENÇA SANT’ANNA  – RJ118872

INTERES.: ROSANE PEREIRA LIMA

ADVOGADO: ERALDO JORGE DE OLIVEIRA E OUTRO(S) – RJ073743

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Empresas – Recuperação judicial e Falência

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.