TJ|SP: Mandado de Segurança – Impetração para o fim de que seja conferido o abatimento das dívidas do espólio da base de cálculo do ITCMD – Inteligência dos artigos 1.997 e 1.792, ambos do Código Civil – Sentença concessiva da ordem mantida Lei Federal de competência legislativa concorrente prevalece sobre Lei Estadual – Exegese do art. 24, inc. I, § 4º, da Constituição Federal – Lei posterior revoga anterior quando com ela incompatível – Artigo 2º, §1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Precedente jurisprudencial – Apelação da Fazenda Paulista e remessa necessária não providas.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Reexame Necessário nº 1002226-76.2015.8.26.0408, da Comarca de Ourinhos, em que são apelantes FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e JUIZO EX OFFICIO, é apelada MARTA OSHIMA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao apelo e ao reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARIA LAURA TAVARES (Presidente sem voto), FRANCISCO BIANCO E NOGUEIRA DIEFENTHALER.
São Paulo, 6 de setembro de 2016.
Fermino Magnani Filho relator
Assinatura Eletrônica
VOTO Nº 21111
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1002226-76.2015.8.26.0408
COMARCA DE ORIGEM: OURINHOS
APELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
APELADA: MARTA OSHIMA
REMESSA NECESSÁRIA
MANDADO DE SEGURANÇA – Impetração para o fim de que seja conferido o abatimento das dívidas do espólio da base de cálculo do ITCMD – Inteligência dos artigos 1.997 e 1.792, ambos do Código Civil – Sentença concessiva da ordem mantida Lei Federal de competência legislativa concorrente prevalece sobre Lei Estadual – Exegese do art. 24, inc. I, § 4º, da Constituição Federal – Lei posterior revoga anterior quando com ela incompatível – Artigo 2º, §1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Precedente jurisprudencial – Apelação da Fazenda Paulista e remessa necessária não providas.
Vistos.
Mandado de segurança impetrado por Marta Oshima contra ato supostamente violador de direitos atribuído ao Chefe do Posto Fiscal de Ourinhos, consistente na determinação à impetrante, inventariante dos espólios de Emiko Kaiahara e outro não especificado (fls 11), que providenciasse a exclusão de despesas havidas com hospital e funeral dos falecidos para o correto estabelecimento da base de cálculo do ITCMD sobre o valor total do imóvel herdado (fls 1/7).
Processo distribuído ao Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Ourinhos. Liminar indeferida (fls 25). A Fazenda Paulista foi admitida como assistente litisconsorcial da autoridade coatora (fls 176).
Sobreveio sentença concessiva da segurança, para que fosse considerado como base de cálculo do imposto a ser recolhido o valor dos bens efetivamente transferidos aos herdeiros (fls 180/181).
Apelação fazendária fundada, em síntese, nas seguintes teses: a) ausência de demonstração do direito líquido e certo; b) inexistência de qualquer ilegalidade ou abuso de poder na conduta da
impetrada; c) comando do artigo 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000, segundo o qual, para fins de cálculo do ITCMD, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio (fls 187/191).
Apelo respondido (fls 206/209). É o relatório.
1. Fundado no artigo 14, § 1º, da Lei 12.016/2009, considero interposta a remessa necessária.
2. Rejeito a preliminar de carência de ação suscitada na defesa fazendária, pois adequada a via eleita e condizente com a natureza e a urgência do direito subjetivo reclamado.
3. No mérito, o recurso não comporta provimento.
A controvérsia da questão cinge-se à correta determinação da base de cálculo para a incidência do ITCMD.
Nesse passo, cumpre observar que foi determinado, pela autoridade coautora, que se realizasse a retificação da declaração de arrolamento nº32396293, a fim de excluir as despesas com funeral e as despesas hospitalares, valorando o bem imóvel situado na Rua Vergílio Vascon nº 71 – Ourinhos/SP de R$ 98.075,37 para R$ 257.424,85 (fls 17).
A discrepância entre os valores declarados e o pretendido pela Fazenda Paulista funda-se na diversidade do critério adotado para consideração da base de cálculo sobre a qual incide o tributo.
Para a autora, os débitos do espólio deverão ser abatidos do valor total do imóvel em questão, para definir a base de cálculo do ITCMD. De outro lado, pretende a Administração Estadual seja a exação calculada com base no valor total do imóvel, sem as deduções dos valores correspondentes às despesas com hospital e funeral dos falecidos, segundo o que determina o art. 12 da Lei Estadual 10.705/2000.
Em que pese à irresignação da apelante, a concessão da segurança era medida de rigor.
Com efeito, a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido. Portanto, o referido tributo não incide sobre a totalidade do patrimônio inventariado, mas apenas sobre a herança transmitida aos herdeiros, já abatidas as dívidas.
Logo, tendo em vista que o ordenamento jurídico estatui que os herdeiros só respondem pela sua parte da herança, afigura-se razoável que o ITCMD incida somente sobre o valor transmitido após a dedução das dívidas do espólio, pois é o montante efetivamente acrescido ao patrimônio de quem herdou.
Nessa seara, a redação dos artigos 1.997 e 1.792, ambos do Código Civil, não deixa dúvidas:
Art. 1.792 – O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.
Art. 1.997 – A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
As lições de Nelson Nery Junior e Rosa Maria De Andrade Nery vêm ao encontro de tal entendimento. Segundo esses autores, o patrimônio destinado à satisfação das dívidas do falecido, bem como das dívidas da herança, não se sujeita ao ITCM, justamente por visar o adimplemento das dívidas pretéritas, assumidas pelo de cujus em vida, ou do autor da herança (v. comente. CC 1997). Não é objeto de transmissão aos herdeiros em virtude da morte do de cujus hipótese de incidência do ITCMD , por isso é que não ocorre, na hipótese, sucessão mortis causa. Ou seja, por não se configurar sobre essa quota patrimonial o fato gerador da obrigação tributária, ela deve, destarte, ser reduzida do monte-mor no momento da avaliação do imposto (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 12ª edição, página 1437, Revista dos Tribunais, 2010; negritei).
Disso a jurisprudência paulista não destoa:
INVENTÁRIO – Recolhimento do ITCMD – Pedido de exclusão de dívida do espólio da base de cálculo do imposto Cabimento – Tributo que não deve incidir sobre a totalidade do patrimônio inventariado, mas apenas sobre a herança líquida transmitida aos herdeiros, já abatidas as dívidas – Inteligência dos artigos 1.792 e 1.997, CC, e 9º da Lei 10.705/2000 – Débito que, no entanto, ainda está sub judice – Cabimento do aguardo da definição do quantum devido – Agravo provido em parte (Agravo de Instrumento nº 2142281-57.2014.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Privado, relator Desembargador Galdino Toledo Júnior, j. 02/06/2015).
1 – Também a pretensão fazendária para que se aplique o disposto no artigo 12 da Lei Estadual 10.705/2000 não merece melhor guarida.
Essa norma não mais pode prevalecer, porquanto contraria Lei Federal concorrente, notadamente os artigos 1792 e 1997 do Código Civil. E assim determina a Constituição Federal, em seu artigo 24, inciso I, § 4º, ratificada pelo entendimento de J. J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck, que lecionam: se esta [União] decidir exercer a competência que originalmente lhe pertence, prevalecerão as normas gerais que vier a produzir, suspendendo-se a eficácia da legislação estadual que com elas conflita (Comentários à Constituição do Brasil, 1ª edição, 5ª tiragem, página 757, Almedina, 2014).
Não bastasse a questão hierárquica aplicável ao caso haja vista tratar-se de competência legislativa concorrente de repartição vertical há também de se observar que o Código Civil foi instituído em 2002, portanto, posteriormente à instituição da Lei em questão.
E sobre tal matéria, a Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro deixa claro: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
Por todo o exposto, não restam dúvidas de que o entendimento que deve prevalecer é aquele sedimentado nos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil.
De tudo, pelo meu voto, nego provimento ao reexame necessário, considerado interposto, e à apelação da Fazenda Paulista para o fim de manter a r. sentença da forma como lançada.
Não são devidos honorários advocatícios. Custas ex lege.
Ficam as partes e respectivos procuradores cientificados que eventuais recursos interpostos contra esta decisão poderão ser submetidos a julgamento virtual.
Eventual oposição deverá ser formalizada no momento de sua interposição ou resposta.
O silêncio será interpretado como anuência ao julgamento virtual.
FERMINO MAGNANI FILHO
Desembargador Relator