TJ|SP: Apelação – União estável – Procedência – Convivência pública não delineada – Conjunto probatório insuficiente a esse desiderato – Família não constituída – Hipótese em que configurado “namoro qualificado” – Sentença reformada – Improcedência do pedido inicial – Recurso provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2017.0000078469

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0002636-13.2011.8.26.0370, da Comarca de Monte Azul Paulista, em que são apelantes A. M. (REPRESENTANDO ESPOLIO), M. T. M. (REPRESENTANDO ESPOLIO) e A. L. A. M. (ESPÓLIO), é apelado E. DE A. (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 28ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ENIO ZULIANI (Presidente sem voto), HAMID BDINE E J.B. PAULA LIMA.

São Paulo, 15 de fevereiro de 2017.

Mauro Conti Machado

Relator

Assinatura Eletrônica

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº: 34.357

APEL. Nº: 0002636-13.2011.8.26.0370

COMARCA: Monte Azul Paulista

JUIZ 1ª INST.: Fábio Fernandes Lima

APTEs.: A. M. (representando espólio) e Outra e A. L.

A. M. (Espólio)

APDA.: E. de A. (Justiça Gratuita)

Apelação. União estável. Procedência. Convivência pública não delineada. Conjunto probatório insuficiente a esse desiderato. Família não constituída. Hipótese em que configurado “namoro qualificado”. Sentença reformada. Improcedência do pedido inicial. Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença proferida às fls. 349/351v, cujo relatório é adotado, que julgou procedente ação de reconhecimento de união estável, declarando a existência do convívio no período entre os anos de 2008 e 2011, determinando a partilha do patrimônio comum nos termos do art. 1.790, III do Código Civil, bem como, do benefício previdenciário, na forma do art. 16 da Lei de Benefícios. Ônus da sucumbência a cargo do réu, arbitrada a honorária em 10% sobre o valor da causa, observada, contudo, a gratuidade concedida.

Sustenta o espólio a impossibilidade de reconhecimento de união estável, porquanto, houve apenas um namoro entre as partes. Ressalta, inclusive, que o INSS revogou o benefício inicialmente concedido a favor da autora exatamente por não haver prova do propalado relacionamento estável. Aponta a ausência de constituição de família, requisito indispensável na espécie, configurando-se o relacionamento em mero “namoro qualificado”. Argumenta que o falecido residia na cidade de Bebedouro, com seus pais, mais um fator a descaracterizar a união estável.

Recurso tempestivo, dispensado de preparo e respondido.

É a suma do necessário.

Inicialmente, cumpre esclarecer que os autos deste recurso foram distribuídos ao E. Des. Araldo Telles em 28.01.2015 (fl. 391) e redistribuídos a este Desembargador em 12.09.2016, por força da Resolução nº 737/2016 (fl. 404).

O art. 1.723 do Código Civil define a união estável como a entidade familiar estabelecida “entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

A norma tratou de elencar cada um dos requisitos indispensáveis para configuração da união estável, incumbindo ao julgador analisar, no caso concreto, a existência deles.

Compulsando-se detidamente os autos, e respeitado o entendimento do MM. Juízo “a quo”, do conjunto probatório amealhado conclui-se não ter restado comprovada a aludida união estável entre as partes.

A prova documental é insuficiente à demonstração do relacionamento, porquanto há correspondências enviadas para o falecido tanto no endereço da autora, quanto no endereço de seus genitores.

Igualmente controversa é a questão relativa à inclusão da apelada como dependente do “de cujus” no “Monte Azul Tênis Clube”, porquanto, segundo informação posteriormente trazida pela parte adversa, o falecido nunca possuiu título patrimonial daquele local recreativo (fl. 137).

Mas o que realmente causa estranheza a esta Relatoria é a ausência de prova testemunhal corroborando a existência de união estável entre partes.

As únicas testemunhas ouvidas foram arroladas pelo apelante (fls. 85/86 e 237/238) e apenas confirmaram o namoro entre as partes, mas não o relacionamento estável.

Ora, a norma exige que a convivência seja pública e notória, ou seja, onde não paire dúvida acerca da natureza do relacionamento havido.

Nesse ponto, pertinente transcrever o escólio de Rolf Madaleno, ao consignar que “A convivência ‘more uxorio‘ como se fossem casados, que deve ser pública, embora não precise ser notória, é aquela relação conhecida no meio social dos conviventes, perante seus vizinhos, amigos, parentes e colegas de trabalho, afastada qualquer conotação de clandestinidade, ou segredo da união, em relação oculta aos olhos da sociedade, dissimulada, como se fossem amantes em relação precária e passageira e não estáveis parceiros afetivos”.1

Evidente que não se cogita de clandestinidade no relacionamento havido, no entanto, como bem argumentado pelo recorrente, trata-se a hipótese do chamado “namoro qualificado”, inclusive, muito comum na atualidade.

Nessa modalidade de namoro, o casal é visto sempre junto, contribuem, reciprocamente, com algumas despesas do outro, dividem, muitas vezes, o mesmo teto, mas não ostentam o “status” de casados. Socialmente, são ainda namorados.

É possível, também, que possuam investimentos juntos para futura constituição de uma família aqui, há indícios de que pretendiam ter filhos, mas, repise-se, perante a comunidade são considerados meramente namorados.

Sob esse aspecto, a prova essencial à configuração da propalada união estável era a testemunhal, e como visto, a autora não logrou arrolar uma única pessoa que fosse, de seu convívio social, que ratificasse a convivência “more uxorio” alegada, fulcrando sua pretensão apenas na prova documental.

Ora, “O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado ‘namoro qualificado’ -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída” (REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015).

Sopesadas, portanto, todas essas circunstâncias, conclui-se que não restou devidamente delineada a união estável propugnada na inicial, especialmente pela ausência de comprovação da convivência pública.

Desse modo, de rigor o acolhimento deste apelo para julgar improcedente o pedido inicial, invertendo-se os ônus da sucumbência.

Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso.

MAURO CONTI MACHADO

RELATOR

in “Curso de Direito de Família”, 5ª ed., 2013, Forense, p. 1101