CGJ|SP: Recurso administrativo – Tutela de urgência – Esfera administrativa – Via inadequada – Remessa dos interessados às vias ordinárias – Pedido indeferido.
DICOGE 5.1
PROCESSO Nº 2017/54059
SÃO PAULO
C. N. P. e OUTROS
Advogado: N. W. F. R.
Vistos.
1) Despacho por ordem do Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Desembargador MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS.
2) Trata-se de recurso administrativo interposto por C. N. P. contra a decisão copiada a fls. 641/642, mantida após o manejo de embargos de declaração (fls. 662/663), por meio da qual o Juiz Corregedor Permanente do Xº Tabelionato de Notas de Campinas consignou que, embora o recorrente tenha requerido a nulidade de escritura de compra e venda lavrada no aludido cartório de notas, tal providência somente poderá ser obtida na esfera judicial, de modo que o procedimento administrativo em trâmite se limitará a analisar eventual falha cometida pelo tabelião.
Recebo a insurgência como recurso administrativo. Com efeito, não obstante o inconformismo do recorrente diga respeito à decisão interlocutória proferida por Juiz Corregedor Permanente, uma vez que o artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo(1) não limita a incidência do recurso administrativo, conveniente seu conhecimento e sua apreciação.
Sobre o cabimento das medidas de urgência na esfera administrativa, já se manifestou esta Corregedoria Geral:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Procedimento administrativo – Pedido de tutela antecipada, visando o bloqueio de matrículas para impedir o ingresso de títulos específicos – Via inadequada – Inaplicabilidade, ainda que por analogia, do instituto da tutela antecipada prevista no Código de Processo Civil, em razão da natureza puramente administrativa do procedimento instaurado no âmbito da Corregedoria Permanente – Remessa dos interessados às vias ordinárias – Recurso não provido” (Processo CG nº 7.457/2009).
No parecer da lavra do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria Dr. Marcelo Tossi Silva, aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, consignou-se que:
“não existe previsão legal específica para a aplicação do instituto da tutela antecipada em procedimento puramente administrativo, como o presente, que é regido pelo princípio da legalidade estrita e em que, por esse motivo, não prevalecem as normas de direito processual contidas no Código de Processo Civil. É o que se verifica no r. parecer apresentado pelo MM. Juiz Auxiliar, Dr. Vicente de Abreu Amadei, no Processo CG nº 959/2006, com o seguinte teor: “Ademais, em procedimento administrativo não incidem nem se aplicam, por analogia, as normas do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que se cogitar em tutela antecipada”. Além disso, o requerente busca obter o bloqueio como tutela antecipada visando, ao que decorre de suas alegações, assegurar a efetividade da ação anulatória de ato jurídico que move na esfera jurisdicional. A tutela jurisdicional que se pretende antecipar, portanto, é aquela a ser obtida na via contenciosa, o que não autoriza sua concessão em esfera distinta, ou seja, em procedimento puramente administrativo”.
Ainda que assim não fosse, a decisão prolatada pelo MM Juiz Corregedor Permanente (fls. 641/642), em uma análise preliminar, está afinada com o entendimento desta Corregedoria Geral acerca dos limites do exame na via administrativa.
Em outras palavras, se o recorrente foi prejudicado por fraudadores, que se utilizaram do serviço de notas para a lavratura de escrituras falsas, necessário que recorra à esfera judicial. Na via administrativa, o exame é bastante limitado e buscará apurar eventuais falhas cometidas pelo delegatário, com a aplicação de penalidade, se o caso. Nesse sentido, parecer exarado nos autos do Processo CG nº 2007/3169, da lavra do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. José Antônio de Paula Santos Neto, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Des. Luiz Elias Tâmbara:
“ATO NOTARIAL – Instrumento público de mandato – Alegação de fraude – Pedido de declaração de inexistência ou nulidade da procuração – Não acolhimento no âmbito administrativo – Matéria reservada à esfera jurisdicional – Recurso não provido.
(…)
Narciso Orlandi Neto, discorrendo sobre o tema com a precisão habitual, é categórico ao sublinhar a necessidade de percurso da via jurisdicional, propriamente dita, para a fulminação de atos notariais quejandos, inclusive quando tenham chegado a gerar registro imobiliário: ‘se houve fraude, se a assinatura do transmitente foi falsificada, se o instrumento público não consta dos livros de nenhum notário, se a procuração que serviu na representação de uma das partes é falsa, se o consentimento do alienante foi obtido com violência, são todos problemas atinentes ao título. Podem afetar o registro, mas obliquamente. Só podem determinar o cancelamento do registro, em cumprimento de sentença que declare a nulidade do título e, em conseqüência, do registro’ (Retificação do Registro de Imóveis, Del Rey – Oliveira Mendes, S. Paulo, 1997, p. 191). Grifei.
Nessa linha, destaca o eminente doutrinador que a situação não pode ser revertida ‘senão em virtude de decisão judicial, em processo contencioso’. E, quanto aos limites para a atuação do Corregedor Permanente, esclarece: ‘O fato de o juiz integrar o Poder Judiciário não legitima a ordem de cancelamento… É que a atividade correcional é administrativa’ (ob. cit., pp. 192/193).
(…)
(…) aqui se alega vício intrínseco do título, sem máculas formais exteriores. E ao Juízo da Corregedoria Permanente, porquanto imbuído de autoridade essencialmente administrativa, não é dado incursionar nesta seara. De fato, cuida-se de matéria reservada ao âmbito jurisdicional, único em que pode ser adequadamente perquirido o que está oculto ou subjacente, a fim de que, respeitado o devido processo legal, se possa alcançar solução definitiva para o caso.
Não altera a situação exposta a alegação de que o ato deve ser considerado ‘inexistente’, mesmo porque se cuida de procuração por instrumento público formalmente materializado, sendo que o vício apontado configura aspecto oculto, a demandar a necessária perquirição mediante ajuizamento da ação judicial apropriada e indispensável.
A propósito, mostra-se oportuno pinçar a crítica exposta por Sílvio Rodrigues à ‘idéia de ato inexistente’, no bojo do qual, à guisa de exemplo, foi mencionada hipótese semelhante à ora discutida. Tal ‘idéia’, assim, ‘seria inexata porque, no mais das vezes, o ato malsinado cria uma aparência que para ser destruída implica recurso judicial. A compra e venda, devidamente transcrita, transfere o domínio, ainda que falte o consenso de uma das partes; por conseguinte, necessário se faz a declaração de ineficácia para que o ato não produza efeitos’ (Direito Civil, Parte Geral, vol. 1, 32ª edição, Saraiva, S. Paulo, 2002, p. 291).”
Assim, indefiro o pedido de tutela antecipada.
3) No mais, abra-se vista à Procuradoria de Justiça e tornem conclusos.
São Paulo, 23 de março de 2017.
(a) Carlos Henrique André Lisboa
Juiz Assessor da Corregedoria
(1) Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes corregedores permanentes. sôbre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.
(DJe de 27.03.2017 – SP)