TJ|SP: Ação Reivindicatória – Apelo contra sentença de improcedência – Propriedade do imóvel em nome da autora, em tese autorizando sua imediata retomada – Usucapião Constitucional – Matéria de defesa – Possibilidade – Ocorrência – Área reivindicada infimamente superior ao teto legal de 250m² – Impedimento objetivo afastado em razão da função social da propriedade – Evidenciado o caráter de única moradia familiar – Apelo improvido.
Registro: 2015.0000504771
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001699-35.1999.8.26.0366, da Comarca de Mongaguá, em que é apelante LUCIA SQUIM BASILE, são apelados ANTONIO REINALDO LARA (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA) e ANDRÉA GALVÃO LARA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores GRAVA BRAZIL (Presidente) e SALLES ROSSI.
São Paulo, 21 de julho de 2015.
Luiz Ambra Relator
Assinatura Eletrônica
VOTO Nº 25265
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001699-35.1999.8.26.0366 MONGAGUÁ
APELANTE: LUCIA SQUIM BASILE
APELADOS: ANTONIO REINALDO LARA E OUTRO
AÇÃO REIVINDICATÓRIA – Apelo contra sentença de improcedência – Propriedade do imóvel em nome da autora, em tese autorizando sua imediata retomada – Usucapião Constitucional – Matéria de defesa – Possibilidade – Ocorrência – Área reivindicada infimamente superior ao teto legal de 250m² – Impedimento objetivo afastado em razão da função social da propriedade – Evidenciado o caráter de única moradia familiar – Apelo improvido.
Trata-se de apelação contra sentença (a fls. 268/271) de improcedência, em ação reivindicatória de imóvel. Nas razões de irresignação se sustentando o descabimento do decisum pelos fundamentos então expendidos (fls. 276/280).
Recebido o recurso em seus efeitos legais (fl. 284), a fls. 288/292 e 294/297 veio a ser contra-arrazoado.
É o relatório.
Meu voto confirma a sentença e nega provimento ao apelo.
Possui a autora a propriedade da área apontada na petição inicial de 253m² -, objeto da matrícula 179.724, do Cartório de Registro de Imóveis de Itanhaém (fls. 14/17). Por essa razão reivindica-a dos réus, precários possuidores ao que se alega.
Finda a instrução que aqui se seguiu, foi o pedido reivindicatório julgado improcedente. Contra o que irresigna-se a apelante. Mas sem razão.
Que a autora é proprietária do imóvel reivindicado, não há dúvida nenhuma. Exibiu a titularidade dominial, adquirida mediante instrumento particular de promessa de cessão de direitos, celebrado em 9.5.88. Mas, por outro lado, os réus alegam a área em questão terem constitucionalmente usucapido.
A posse dos réus se presume válida a partir de 25.8.89, data da assinatura do instrumento particular de compromisso de compra e venda de fls. 45/46. Neste o vendedor (antigo posseiro da área, nos dizeres dos próprios réus cf. fl. 85) se intitula legítimo possuidor do imóvel em questão. Daí poder-se afirmar ter ele transmitido aos réus apenas posse, não domínio. E da duração da posse anterior não há nem ao menos indício de prova.
Em termos de prova, a testemunhal nada de relevante acrescenta no que aqui importa. As oitivas amealhadas durante a instrução igualam forças. Pela autora, reforçando a precariedade da posse exercida pelos réus. Por outro lado, à essa tese se opondo e ressaltando o justo título e a boa-fé daqueles, testemunhos afirmando a posse ainda ter sido exercida de maneira mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini.
Prima facie, tomando em conta apenas a análise dos requisitos necessários para que a alegada prescrição aquisitiva fosse reconhecida, a r. sentença estaria a merecer reforma. Seja porque a área reivindicada é superior à 250m² o que afasta o reconhecimento da usucapião constitucional -, seja porque inexistente prova segura de que permaneceram os réus tempo suficiente para que se pudesse reconhecer ocorrência de usucapião ordinária (10/15 anos) ou extraordinária (20 anos) conforme legislação vigente à época (CC/16, artigos 551 e 550).
Ou seja, com área superior à 250m², e tendo corrido menos de dez anos entre o início da posse dos réus (a partir de 25.8.89) e o ajuizamento desta ação (em 2.3.99), não haveria cogitar-se da ocorrência de qualquer das espécies de usucapião permitidas à época. Isso porque, por qualquer ângulo, estaria evidenciada a precariedade da posse, a tese da prescrição aquisitiva pelo decurso do tempo não encontrando guarida nas circunstâncias.
Em condições normais, para tudo um limite, a ninguém sendo dado desconhecer a lei, qualquer um do povo sabe que, como elementar medida de prudência, antes de comprar tem que verificar se, quem vendeu, é realmente dono. Bastando acorrer ao Registro Imobiliário respectivo, para disso se certificar. Sentido não havendo em receber qualquer papelucho e o ter como bom, firme e suficiente, sem outras indagações. E, aqui, o vendedor não ocultou sua condição de mero possuidor, como visto.
E, afastada a usucapião, não vingaria a possibilidade de retenção ou indenização por benfeitorias realizadas no imóvel, já que na posse de má-fé não cabe indenização (CC, artigo 1255). Possuidor de boa-fé é o que ignora (CC, artigo 1201, na mesma linha do diploma anterior, de 1916) “o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Aqui, não poderiam os réus alegar desconhecimento de que se tratava de propriedade alheia.
Pois bem.
Ainda que, nos termos acima posicionados, da procedência da reivindicatória poderia se cogitar, há que se ter em mente que a diferença de metragem a impedir o reconhecimento da usucapião constitucional (CF, artigo
183) é ínfima, de apenas 3m². Irrazoável, portanto, decidir-se apenas com base nela. Daí se ter em mente, como medida de justiça, a função social da propriedade, de índole constitucional (CF, artigo 170, III). Ainda mais quando bem evidenciado na espécie o caráter de única moradia familiar dos réus.
A esse respeito, em sentir do qual não discrepo, o entendimento expressado pelo e. Des. Grava Brazil, em julgado assim ementado:
Usucapião especial urbana – Improcedência – Inconformismo – Acolhimento – Área superior ao limite legal em percentual insignificante – Prova satisfatória da posse e da ocupação para moradia própria, circunstâncias que devem se aferidas da linha temporal, diante da natureza declaratória da ação de usucapião – Ausência de oposição ao direito reivindicado – Razoável demonstração de que houve o exercício efetivo da posse – Sentença reformada – Ação julgada procedente – Recurso provido. (Apelação nº 0020194-83.2008.8.26.0602, 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, rel. Grava Brazil, j. 15.10.14)
Ainda, no mesmo sentido, deste E. Tribunal:
Usucapião urbana – Requisitos legais preenchidos com exceção da metragem do imóvel – Excesso de 1,91 m² – A diminuta diferença da área que excede o limite legal de 250 m² que não tem força suficiente para afastar o direito da parte autora, quando os demais requisitos legais estão presentes – Precedentes – Decisão mantida – Recurso improvido (Apelação nº 0000084-04.2001.8.26.0604, 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, rel. Luis Mario Galbetti, j. 12.3.14)
Reivindicatória afastada pela prova da exceção de usucapião – Legalidade, não sendo de se acolher o mapa que acusa excesso de 2,60 m2, como óbice da defesa pela posse qualificada – Não provimento (Apelação nº 9111802-10.2005.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, rel. Enio Zuliani, j. 29.11.07)
EMENTA: REIVINDICATÓRIA – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR ACOLHIDA A EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO DEDUZIDA NA DEFESA – POSSE MANSA E PACÍFICA, EXERCIDA COM ANIMUS DOMINI – FALTA DE INTERESSE DOS PROPRIETÁRIOS EM RELAÇÃO AO IMÓVEL, POR MAIS DE QUINZE ANOS – EXCESSO DE 9 m² DE ÁREA QUE NÃO IMPEDE O RECONHECIMENTO DA USUCAPIÃO ESPECIAL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS ADEQUADAMENTE – RECURSOS IMPROVIDOS (Apelação nº 9156359-88.2001.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, rel. A. C. Mathias Coltro, j. 20.12.06)
Nesse passo vai a r. sentença de improcedência receber confirmação, inclusive com esteio no artigo 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça.
Destarte, pelo meu voto, nega-se provimento ao apelo.
Luiz Ambra
Relator