1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de escritura de venda e compra – Ausência do nome da cônjuge na escritura – Violação ao princípio da continuidade – Desnecessária apresentação da cessão de direitos – Compra e venda realizada diretamente com o titular de domínio – Dúvida parcialmente procedente.
1138840-08.2016
(CP 02)
Dúvida
Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital
Maria Salete de Castro Rodrigues Fayão
Sentença (fls.153/158):
Dúvida – Registro de escritura de venda e compra – ausência do nome da cônjuge na escritura – violação ao princípio da continuidade – desnecessária apresentação da cessão de direitos – compra e venda realizada diretamente com o titular de domínio – Dúvida parcialmente procedente.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. S. de C. R. F., diante da negativa em se proceder ao registro de escritura pública de venda e compra, na qual constam como outorgados compradores J. B. R., M. A. de C. M. casada com C. R. M., M. S. de C. R. F. casada com R. L. F., e S. R. de C. R. B. casada com L. B. J., e como outorgante vendedor o Espólio de L. P., referente ao imóvel objeto da matrícula nº 127.637.
Os óbices registrários referem-se:
a) a ausência na escritura pública do Espólio de Maria Alice Jordão Perego, na qualidade de outorgante vendedor, uma vez que consta da matrícula como proprietários Leonardo Perego e sua mulher Maria Alice Jordão (falecida em 26.09.1979), o que feriria o princípio da continuidade;
b) existência de compromisso de venda e compra averbado na matrícula, pelo qual os titulares de domínio prometeram vender o bem a I. B. e sua mulher J. A. B., que não constaram como compradores e não tiveram a cessão de direitos registrada. Juntou documentos às fls.04/67.
A suscitada argumenta que a escritura foi lavrada após a expedição do alvará judicial extraídos dos autos do inventário de L. P. (processo nº 0340436-07.2009.8.26.0100), que tramitou perante o MMº Juízo da 9ª Vara da Família e Sucessões da Capital, não havendo qualquer menção da participação de Maria Alice Jordão na outorga definitiva da escritura.
Afirma que a escritura foi lavrada diretamente com os titulares de domínio, consequentemente desnecessária a presença dos promitentes compradores (fls.75/144).
O Ministério Público opinou pela parcial procedência da dúvida (fls.148/152).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já assentou, inclusive, que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação cível n.413-6/7).
Cite-se, por todas a Apelação Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
Nessa linha, também o E. Supremo Tribunal Federal já decidiu que:
“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, fica claro que não basta a existência de título proveniente de órgão jurisdicional para autorizar automaticamente o ingresso no registro tabular. Portanto, superada a questão sobre o ingresso do título judicial, passa-se à análise do princípio da continuidade, explicado por Afrânio de Carvalho, da seguinte forma:
“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).
Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula.
Oportuno destacar, ainda, a lição de Narciso Orlandi Neto, para quem: “No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios” (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56).
Necessário, por conseguinte, que o titular de domínio seja o mesmo no título apresentado a registro e no registro de imóveis, sob pena de violação ao princípio da continuidade, previsto no art. 195, da Lei nº 6.015/73:
“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a previa matrícula e o registro do titulo anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.
Conclui-se, assim, que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo assim apenas se transmite o direito quem é o titular do direito.
Na presente hipótese, de acordo com a matrícula nº 127.637 (fls.106/108), constam como proprietários L. P. e sua mulher M. A. J. P., logo, imprescindível que conste da escritura como vendedores o Espólio de Leonardo e o Espólio de Maria Alice, sendo que ela também era titular de domínio.
Ademais, é incabível que o Espólio transmita uma fração maior do que aquela que lhe cabe, sob pena de violar direitos de terceiros de boa fé e de eventuais herdeiros em face do avanço da legítima, já que o falecimento de Maria Alice foi anterior ao de Leonardo.
Assim, a fração ideal do imóvel pertencente à falecida deveria ter sido objeto de partilha entre Leonardo e os eventuais herdeiros. Logo, com razão o Registrador em relação ao primeiro óbice.
Com relação à segunda exigência, apesar das decisões anteriores proferidas por este Juízo, nas quais ficou explícito o caráter real do direito do compromissário comprador, em consonância com os artigos 1417 e 1418 do Código Civil, em recentes decisões do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, baseada em julgados dos Tribunais Superiores, a questão restou pacificada no sentido da possibilidade de registro de escritura pública entabulada entre o proprietário do imóvel e terceiros, ainda que conste averbação de instrumento de promessa, sem que isso caracterize violação ao princípio da continuidade.
Neste sentido:
“Registro de Imóveis dúvida julgada procedente Compromisso de compra e venda registrado com sucessivas cessões Negativa de ingresso de ingresso de escritura de venda e compra de imóvel da qual participaram os proprietários tabulares e a última cessionária Desnecessidade da anuência dos cedentes Inexistência de afronta ao Princípio da Continuidade – Recurso provido” (Apelação nº 1040210-48.2015.8.26.0100, Relator Des. Cor.Geral da Justiça: Pereira Calças, j. em 08.04.2016).
“Registro de Imóveis Ação judicial de adjudicação compulsória em face dos que constam como proprietários do imóvel Desnecessidade do registro dos documentos que instrumentalizam os sucessivos compromissos de venda e compra – Irrelevância do registro de um deles Desqualificação registral afastada Cara de sentença passível de registro Dúvida improcedente Recurso não provido” (Apelação nº 0020761-10.2011.8.26.0344, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 25.10.2012).
“Registro de Imóveis Dúvida julgada procedente Negativa de ingresso de escritura de venda e compra de imóvel Desrespeito ao registro anterior de instrumento particular Desnecessidade da anuência dos compromissários compradores Inexistência de afronta ao Princípio da Continuidade Recurso Provido” (Apelação nº 0025566-92.2011.8.26.0477, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 10.12.2013).
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp. 648.468, envolvendo a mesma questão decidiu que:
“Adjudicação compulsória. Litisconsórcio. Cedentes. 1. Na ação de adjudicação compulsória é desnecessária a presença dos cedentes como litisconsortes, sendo corretamente ajuizada a ação contra o promitente vendedor. 2. Recurso especial conhecido e provido”
De acordo com o Desembargador Ricardo Dip, no voto apresentado na Apelação Cível nº 1057235-74.2015.8.26.0100:
“O registro do compromisso (i) não suprime o atributo de disponibilidade dominial do legitimado tabular, mas (ii) conserva suficiente eficácia prenotante para beneficiar o direito real na aquisição”. Por fim, como bem exposto pela Douta Promotora de Justiça: “…No caso dos autos, a promessa de venda e compra foi inscrita em 1974 (fl.23), não havendo, desde então, qualquer notícia de insurgência dos promitentes compradores ou tentativa, por parte, de se obter a definitiva propriedade do bem”.
Logo, há que ser afastado o segundo óbice, referente à necessidade do registro das cessões de direitos.
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. S. de C. R. F., afastando o segundo óbice levantado.
Deste procedimento não incidem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 21 de março de 2017.
Tania Mara Ahualli Juíza de Direito
(DJe de 03.04.2017 – SP)