TJ|SP: Inventário de bens – Atribuição à viúva meeira de parcela da nua-propriedade e do usufruto vitalício sobre a totalidade dos bens – Inexistência de óbice à manutenção do usufruto como parte da meação da viúva, com atribuição de parte da nua propriedade aos filhos – Diferenciação entre condomínio civil e aquisição conjunta – Nesta última, que decorre do regime de bens ou convivência, a especialização da meação só ocorre na ruptura do vínculo: morte, divórcio, separação – Não há óbice para que esta especialização se faça de forma a recair o usufruto sobre a totalidade de bens, com atribuição aos herdeiros, concordes, da nua- propriedade – Recurso, por meu voto, provido.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Secretaria Judiciária
Voto nº 14/16892
Agravo de Instrumento nº 2231994-72.2016.8.26.0000 Comarca: São Paulo
Agravantes: MATHILDE ALVES DE CARVALHO, RICARDO TADEU DE CARVALHO, ROSA MARIA TOMIC DE CARVALHO, JOSÉ EMÍLIO DE CARVALHO e José de Carvalho
Agravado: O Juizo
Origem: 11ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central Cível Juíza: Claudia Caputo Bevilacqua Vieira
Relator: Desembargador Luiz Antonio Costa
DECLARAÇÃO DE VOTO
Inventário de bens. Atribuição à viúva meeira de parcela da nua-propriedade e do usufruto vitalício sobre a totalidade dos bens. Inexistência de óbice à manutenção do usufruto como parte da meação da viúva, com atribuição de parte da nua propriedade aos filhos. Diferenciação entre condomínio civil e aquisição conjunta. Nesta última, que decorre do regime de bens ou convivência, a especialização da meação só ocorre na ruptura do vínculo: morte, divórcio, separação. Não há óbice para que esta especialização se faça de forma a recair o usufruto sobre a totalidade de bens, com atribuição aos herdeiros, concordes, da nua- propriedade. Recurso, por meu voto, provido.
1. Sem embargo do inconfundível conhecimento jurídico do eminente relator, ouso, desta vez, dele discordar.
O agravo de instrumento, pelo voto do eminente relator, seria improvido, nos seguintes termos:
“Ementa: Agravo de Instrumento – Ação de Inventário Insurgência contra decisão que determinou aos Agravantes que providenciassem a retificação do plano de partilha apresentado, seguindo as considerações do Partidor Judicial – Alegação de que a composição da partilha é amigável, o direito da meeira foi respeitado e a partilha está de acordo com o ordenamento jurídico – Casamento entre a viúva meeira e o de cujus que se deu sob o regime de comunhão universal de bens – Quinhão da meeira que deve ser-lhe atribuído integralmente, salvo se houver renúncia ou cessão em favor dos filhos herdeiros – Impossibilidade pelo ordenamento pátrio de instituir usufruto sobre parte dos bens pertencentes à meação da viúva – Necessidade no caso de prévia doação da parte da viúva sobre os bens que compõem sua meação em favor dos filhos, para o fim de prevalecer a partilha na forma como apresentada – Recurso improvido.”.
Não entendo, porém, que seja caso de manutenção da decisão agravada.
A coagravante MATHILDE era casada com o falecido sob o regime da comunhão universal de bens, razão pela qual é meeira de seu patrimônio.
Na partilha, foi atribuída à viúva meeira parcela da nua-propriedade e usufruto vitalício sobre a totalidade dos bens.
Não há qualquer óbice à manutenção do usufruto como parte da meação da viúva, com atribuição de parte da nua propriedade aos filhos.
A meação, enquanto não especificada, pela morte ou separação do cônjuge, é um direito inespecífico, sendo possível a sua especificação nos direitos de usufruto entre partes maiores e capazes.
Vale a pena relembrar, em face da confusão sobre o tema, que há muita diferença entre condomínio civil e propriedade conjunta e que a meeira, embora titular da propriedade em conjunto, já era proprietária do bem, nada recebendo pela morte do companheiro.
O que se dará é a simples especialização de sua parte nos bens, o que pode ocorrer de forma livre, em parte dos bens, em um só, móvel ou imóvel ou até no usufruto dos bens.
O primeiro (condomínio civil ou voluntário) decorre da aquisição, por ato oneroso ou não, de determinado bem indivisível, por várias pessoas.
Cada um deles, de forma presumida ou explicitada, é, desde já, titular de sua quota parte (parte ideal), que embora não localizada geodesicamente (no caso de imóvel), lhes garante poder de disposição imediato, obedecida a necessária oferta em preferência aos demais condôminos.
Diferentemente, é a propriedade conjunta que emerge da comunicabilidade da titularidade do bem, por força do regime de bens do casamento (e porque não dizer da união estável, embora neste caso o controle seja mais dificultado), na aquisição onerosa posterior ao casamento, ou do início daquilo que se reconhecerá, no futuro, como união estável, ou por força da comunicação que decorre do próprio regime de bens convencionado nos casos em que os bens teriam esta propriedade (serem aptos à comunicabilidade).
Nestes casos, as duas pessoas casadas, por exemplo, no regime de comunhão parcial de bens (ou por união estável, sem convenção diversa), que tiverem adquirido quatro imóveis, não terão suas meações em cada um dos quatro imóveis atribuídos no momento da aquisição. Serão proprietários em conjunto, tanto que nem mesmo se imagina a alienação isolada da parte de um deles a terceiro, com a manutenção da outra parte com exclusividade ao outro cônjuge.
Pelo mesmo motivo, é possível, sem qualquer dificuldade, atribuir a meação do cônjuge, quando esta especialização se tornar necessária, por exemplo, em uma determinada aplicação financeira de valor equivalente ao dos imóveis, com atribuição destes aos herdeiros filhos.
Quando ocorre, então, na propriedade conjunta, o que costumo chamar de especialização da meação?
Ela ocorre na ruptura do vínculo: morte, separação, divórcio, fim da convivência.
Neste momento, examinando os bens comuns (ou conjuntos), os interessados decidirão, ou em caso negativo, se fará por partidor judicial, a especialização da meação devida a cada um dos cônjuges ou conviventes, ou ao cônjuge supérstite; separando-a da parte que será partilhada aos herdeiros, no caso de inventário ou arrolamento de bens, quando este for o caso.
Não há atribuição da propriedade e por isto mesmo não há reflexo tributário porque cada um deles já é dono em conjunto, mas a sua parte somente será especializada o que lhe permitirá disposição como a do condômino no momento da ruptura do laço que determinava esta natureza jurídica (bens em conjunto por força do regime de bens do casamento ou união estável).
E se assim o é, a especialização pode se dar em qualquer parte deste patrimônio em comum, o que equivale a dizer, em um único bem, ou em vários, bastando apenas que guarde proporcionalidade, o que os outros interessados (ex-cônjuge ou herdeiros) fiscalizarão, pois a solução final, em regra, depende das respectivas anuências à especialização planejada.
Também já se reconheceu que não há nenhuma irregularidade na especialização ao cônjuge supérstite da totalidade do usufruto de todos os imóveis, com atribuição aos herdeiros da nua-propriedade dos mesmos imóveis, bastando o consenso entre eles.
Nem se diga porque se trata de argumento fazendário, sem nenhuma base legal que neste caso haveria certa compensação financeira a ser tributada, porque o usufruto valeria um terço da propriedade.
A utilização deste montante (um terço) para facilitar tabela de recolhimento de tributos em negócios imobiliários de compromisso de compra e venda, ou atribuição de usufruto, é aleatória e não possui racionalidade legal ou econômica.
A bem da verdade, esta proporção nem mesmo guarda consonância econômica com o proveito que cada um destes institutos proporciona em relação à propriedade plena.
Tratando-se, como se trata, de direitos reais que representam uma parcela, ou desdobramento, da totalidade de poderes insertos na titularidade plena, o juízo de valor representativo destes poderes somente pode ser aferido, rigorosamente, pelo interesse das partes.
Não se vislumbrando, nem mesmo em tese, qualquer fraude, deve prevalecer o consenso entre as partes interessadas e que arcariam com eventual prejuízo, se ele houvesse -, que expressamente concordam sobre a paridade de valores ali representados (usufruto e nua-propriedade); de forma que não há que se falar em necessidade de qualquer cessão de direitos, doação ou em possibilidade de cobrança tributária.
Cobrar-se-á nos autos de inventário dos herdeiros apenas o valor correspondente ao imposto causa-mortis sobre a metade dos bens (em tese transmitida aos herdeiros) que o finado possuía em conjunto com a viúva e cuja especialização acabou atribuindo, agora, separadamente, a nua-propriedade e usufruto, respectivamente, aos herdeiros e à viúva.
Neste mesmo sentido a jurisprudência de longa data deste Tribunal de Justiça deste Estado:
Inventário e partilha. Decisão que determinou que fosse dada vista à Fazenda Estadual para manifestação sobre o “inter vivos“. Insurgência. Alegação de inexistência de doação. Renúncia de meação e instituição de usufruto vitalício em favor da viúva meeira. Partilha amigável. Usufruto que pode ser destacado da nua propriedade, já que possui expressão econômica. Doação não configurada. Jurisprudência deste E. Tribunal. Não incidêncai do tributo ‘inter vivos‘. Recurso provido. (Agravo de Instrumento 2103742-51.2016.8.26.0000; Relator(a): Fábio Quadros; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 21/07/2016; Data de registro: 01/08/2016)
INVENTÁRIO. Renúncia da meação por parte da viúva em prol do monte em troca da instituição de usufruto vitalício pelos herdeiros. Transação que não incide o ITCMD. Precedentes. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento 2072203-72.2013.8.26.0000; Relator(a): Paulo Alcides; Comarca: Piracicaba; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 18/02/2014; Data de registro: 21/02/2014)
Agravo de Instrumento. Arrolamento de bens. Determinação para retificação do plano de partilha e verificação do imposto devido junto ao Posto Fiscal do Estado. Afastamento. Atribuição de usufruto vitalício à viúva meeira, com reserva da nua propriedade aos herdeiros. Doação não caracterizada. Não incidência do imposto. Decisão reformada. Recurso provido. (Agravo de Instrumento 0288792-63.2011.8.26.0000; Relator(a): João Pazine Neto; Comarca: Paraguaçu Paulista; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 03/04/2012; Data de registro: 04/04/2012)
3. Ressalvando, portanto, a douta convicção do desembargador relator, ouso, desta vez, dele discordar, pois, segundo o meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso para afastar a necessidade de retificação do plano de partilha.
LUÍS MÁRIO GALBETTI
Desembargador