TJ|SP: Inventário – Decisão que indeferiu a remoção da inventariante, bem como rechaçou o pleito de participação de herdeiras na administração da sociedade da qual o autor da herança era sócio – Inconformismo de herdeiras filhas -Acolhimento em parte – Higidez da nomeação da então companheira do autor da herança para a inventariança, nos termos do art. 617, do NCPC – Em relação às cotas sociais pertencentes ao autor da herança, a sociedade foi constituída antes do convívio comum, daí a ausência de transmissão do direito, em prol da companheira, à luz do art. 1.790, do CC – A mera condição de herdeiras não garante às agravantes, ao menos até a ultimação da partilha e ajuste societário, o imediato ingresso na sociedade – Decisão ajustada – Recurso provido em parte.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2016.0000752353

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 2130812-43.2016.8.26.0000, da Comarca de Avaré, em que são agravantes MICHELE RODRIGUES DE LIMA e BEATRIZ

RODRIGUES DE LIMA e agravados LAERTE RODRIGUES DE LIMA JUNIOR, SANDRA APARECIDA RODRIGUES e LAERTE RODRIGUES DE LIMA (ESPÓLIO).

ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: DERAM PROVIMENTO EM PARTE AO RECURSO. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SILVÉRIO DA SILVA (Presidente sem voto), SALLES ROSSI E PEDRO DE ALCÂNTARA DA SILVA LEME FILHO.

São Paulo, 14 de outubro de 2016.

Grava Brazil

Relator

Assinatura Eletrônica

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº: 2130812-43.2016.8.26.0000

AGRAVANTES: MICHELE RODRIGUES DE LIMA e BEATRIZ RODRIGUES DE LIMA

AGRAVADOS: LAERTE RODRIGUES DE LIMA JUNIOR, SANDRA APARECIDA RODRIGUES e ESPÓLIO DE LAERTE RODRIGUES DE LIMA

COMARCA: AVARÉ

JUIZ PROLATOR: LUCIANO DE MOURA CRUZ

Inventário – Decisão que indeferiu a remoção da inventariante, bem como rechaçou o pleito de participação de herdeiras na administração da sociedade da qual o autor da herança era sócio – Inconformismo de herdeiras filhas -Acolhimento em parte – Higidez da nomeação da então companheira do autor da herança para a inventariança, nos termos do art. 617, do NCPC – Em relação às cotas sociais pertencentes ao autor da herança, a sociedade foi constituída antes do convívio comum, daí a ausência de transmissão do direito, em prol da companheira, à luz do art. 1.790, do CC – A mera condição de herdeiras não garante às agravantes, ao menos até a ultimação da partilha e ajuste societário, o imediato ingresso na sociedade – Decisão ajustada – Recurso provido em parte.

VOTO Nº 26478

1 – Trata-se de agravo de instrumento tirado de decisão que, nos autos do inventário dos bens deixados por Laerte Rodrigues de Lima, indeferiu a remoção da inventariante, bem como rechaçou o pleito de participação das herdeiras na administração da sociedade da qual o autor da herança era sócio.

Inconformadas, as herdeiras filhas questionam a nomeação de Sandra Aparecida Rodrigues, para a inventariança. Alegam que não há prova da união estável entre ela e o autor da herança. Entendem que essa condição deve ser constatada em ação declaratória. Alegam que não havia convivência sob o mesmo teto. Ainda, refutam o esforço comum, para aquisição de bens imóveis. Mencionam que “os bens deixados pelo falecido datam de data anterior ao relacionamento meramente amoroso mantido com a agravada, ora inventariante”. Na eventualidade, dizem que deve ser observado o art. 1.790, do CC. Apontam que o decisum admitiu a inventariante como sócia de pessoa jurídica de titularidade do autor da herança, em afronta ao estabelecido no contrato social, “uma vez que, em caso de morte, as cotas sociais do ‘de cujus’, serão distribuídas proporcionalmente aos 03 (três) herdeiros, sendo, portanto, 33% (trinta e três por cento) a cada uma dos herdeiros, sendo que 1% pertence ao estranho ao inventário”. Postulam o ingresso na administração da sociedade e indicam que a constituição da pessoa jurídica se deu antes

da suposta convivência conjugal. Pedem efeito ativo, para acesso à pessoa jurídica da qual o de cujus era sócio, a fim de fiscalizar e acompanhar os atos de administração, até a partilha, ou efeito suspensivo.

O recurso foi processado sem o efeito almejado (fls. 100/102). A contraminuta não foi apresentada (fls. 207).

A r. decisão agravada, a prova da intimação e as procurações encontram-se a fls. 47/52, 53, 34/35, 36 e 38/40. O preparo foi recolhido (fls. 56/57).

É o relatório do necessário.

2 – A agravada Sandra (inventariante, fls. 76), intitulando-se companheira do autor da herança (óbito em 30 de outubro de 2014, fls. 91), promoveu a abertura do inventário, em novembro de 2014 (fls. 21/28), e apresentou as primeiras declarações (fls. 29/33), que foram impugnadas pelas agravantes (fls. 41/46).

O r. decisum ora agravado rejeitou as impugnações, nos seguintes termos:

“Primeiro, no tocante ao pedido de remoção do encargo de inventariante, da companheira Sandra Aparecida Rodrigues não assiste razão às alegações feitas pelas impugnantes e herdeiras filhas Michele Rodrigues de Lima e Beatriz Rodrigues de Lima, pois obedecida a ordem prevista no artigo 990, do antigo Código de Processo Civil, correspondente ao artigo 617, do Novo Código de Processo Civil, o qual diz: ‘O Juiz nomeará inventariante na seguinte ordem: I- o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste;’.

Há nos autos, além da certidão de nascimento do filho do casal Laerte Rodrigues de Lima Júnior nascido aos 17/11/1995 (fls. 17), diversos documentos dentre os quais as escrituras de compra e venda de imóveis adquiridos por ambos (fls. 21/29), que demonstram que eles conviviam em união estável a longa data até a data do óbito, que, por sinal, ocorreu em viagem ao Estado de

Pernambuco, conforme certidão de óbito de fls. 16, ocasião em que foi declarante a inventariante.

Pelo que ficou demonstrado nos autos, os imóveis relacionados e arrolados à herança foram adquiridos na constância da convivência da união estável entre a inventariante e autor da herança, não havendo como afastá-los do monte.

Em relação às cotas empresariais deixadas pelo falecimento do autor da herança, referente à empresa Marval Indústria e Comércio Ltda – EPP, as impugnantes afirmam que aludida empresa fora inicialmente constituída por sua mãe Marlene de Azevedo Rodrigues de Lima e Algueras, em 29 de abril de 1985, quando ela era casada com o autor da herança (fls. 169/175). Com a separação judicial consensual do casal, conforme processo nº 1329/95, que teve seu trâmite pela 2ª Vara Cível da Comarca de Diadema-SP, consoante averbação feita a margem da certidão de casamento (fls. 84/85), em 31 de agosto de 1995, veio a se afastar da empresa em 10 de outubro de 1996, isto é, dez anos depois da data em que a empresa foi constituída, em que afirmam ser anterior a união estável do autor da herança e a inventariante. Entretanto, a certidão de nascimento do filho do autor da herança Laerte Rodrigues de Lima Júnior nascido aos 17/11/1995 (fls. 17), já prova que a relação de convivência da inventariante já acontecia mesmo antes da retirada de Marlene da empresa.

Ademais, as alterações ocorridas nas cotas empresariais, sendo a última ocorrida em 12/11/2010, o autor da herança já convivia com a inventariante. Dessa forma, ela faz jus a sua parte, concorrendo com os herdeiros filhos na herança deixada por seu companheiro (CC artigo 1790), não havendo motivo para que ela se afaste da administração da empresa e dos demais bens do espólio como querem as impugnantes (CPC – artigo 618, inciso II), mesmo porque, como afirmado pela inventariante, ela já vinha administrando a empresa juntamente com o seu companheiro, ocasião em que este era vivo.

No tocante ao pedido de antecipação de tutela requerido pelas herdeiras filhas Michele Rodrigues de Lima e Beatriz Rodrigues de Lima, para que possam participar da administração da sociedade junto à empresa Marval Indústria e Comércio Ltda – EPP, vejo que um tanto que temerária por ora, uma vez que incumbe ao inventariante a administração do espólio (CPC – artigo 618, inciso II).

No entanto, incumbirá a inventariante, prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz determinar (CPC artigo 618, inciso VII). Portanto, INDEFIRO o pedido de antecipação de tutela almejada pelas impugnantes, uma vez que desprovido do perigo, tendo em vista que caberá ao Juiz, se for necessário, determinar a prestação de contas necessária.

Assim, em termos de prosseguimento ao inventário, necessária algumas diligências:

1ª) Compareça a inventariante em cartório para firmar o compromisso de inventariante em 10 dias;

2º) Cite-se a Fazenda do Estado de São Paulo, por carta (com AR), nos termos do artigo 626 do C.P.C.;

3º) Diligencie-se junto aos sistemas INFOJUD, RENAJUD e BACENJUD, pesquisando a existência de bens deixados pelo autor da herança, bem como da empresa Marval por ocasião da abertura da sucessão (óbito dia 30/10/2014), devendo a inventariante antecipar o recolhimento das taxas judiciais respectivas; e sem prejuízo, oficie-se as agências bancárias informadas pela inventariante (Bradesco e Banco do Brasil) para que enviem o extrato bancário em nome do autor da herança por ocasião da abertura da sucessão (itens 13 e 14 fls. 06 e item 2 fls. 152);

4º) Oficie-se a Caixa Econômica Federal e ao Banco do Brasil S/A a fim de que nos enviem extratos das contas vinculadas do PIS/PASEP e do FGTS em nome do autor da herança;

5º) Com a vinda de todas as informações acerca de bens do autor da herança, apresente e inventariante à últimas declarações, com as retificações necessárias. Cumprido este item, intimem-se todos os interessados a manifestarem acerca delas.

6º) Posteriormente, para avaliação nos termos do artigo 630 e 631 do C.P.C., expeça-se carta precatória para comarca de Diadema-SP, local em que se encontra a empresa Marval Indústria e Comércio Ltda – EPP, a fim de que sejam avaliadas as quotas sociais e apuração dos haveres;

7º) Atue-se e forme-se incidente da Prestação de Contas já apresentadas pela inventariante, extraindo cópias das petições de fls. 96/97 e desentranhe-se os documentos de fls. 99/148, bem como os de folhas 203/255, para evitar confusão no trâmite do inventário. Não se esquecendo de cadastrar os nomes dos envolvidos na lide, inclusive seus advogados, para posteriores intimações;

8º) Intime-se a inventariante e os herdeiros filhos para que se manifestem acerca do pedido de habilitação feito pelo sócio Eduardo José de Queiroz de fls. 155/157, no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 628 do Código de Processo Civil, levando-se em consideração o documento por ele exibido as fls. 187/189, em cumprimento a ordem judicial de fls. 176;

9º) Providencie a inventariante a vinda aos autos de certidão de matrícula atualizada dos imóveis de fls. 21/22; 23/25.”

Quanto ao questionamento da nomeação da então companheira do autor da herança para a inventariança, a irresignação não tem propósito porque os elementos de convicção destacados pelo i. Julgador de origem evidenciam a observância da ordem estabelecida no art. 617, do NCPC (Art. 617. O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem: I – o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste;).

Com efeito, além do filho comum (fls. 96) e da declaração do óbito efetivada pela inventariante (fls. 91), os demais documentos referidos no decisum (fls. 109/113, destes autos, e fls. 21/25, de origem) indicam o convívio sob o mesmo endereço e reforçam a união estável havida entre a inventariante e o autor da herança, daí a desnecessidade de propositura de ação própria, para o fim do inventário e para o munus da inventariança.

Em relação às cotas sociais pertencentes ao autor da herança, é certo que a sociedade foi constituída (em meados de 1985, fls. 64/66) antes do convívio comum, daí a ausência de transmissão do direito, em prol da companheira, à luz do art. 1.790, do CC.

Portanto, nesse particular, o r. decisum comporta ajuste, para afastar a conclusão de que a inventariante concorre com os herdeiros filhos, na participação societária.

A despeito disso, considerando que a condição de herdeiras necessárias do autor da herança não garante às agravantes, ao menos até a ultimação da partilha e ajuste societário, o ingresso no quadro social, e tendo em vista que a representação legal do sócio falecido se dá por meio da inventariante, não vinga a pretensão de imediato ingresso na sociedade ou de fiscalizarem e acompanharem os atos de administração, nos moldes pretendidos.

A respeito, olvidam as agravantes que incumbe ao inventariante atuar com a mesma diligência que teria se seus fossem os bens do acervo, além de prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz lhe determinar (art. 618, II e VII, do NCPC).

Em suma, o inconformismo comporta acolhida em parte, apenas para afastar a concorrência entre a companheira e os herdeiros (art. 1790, do CC), em relação à participação societária constituída antes da união estável. No mais, impõe-se a ratificação da solução dada à impugnação, pelos próprios fundamentos da decisão agravada, que também ficam acolhidos como razão de decidir, consoante permite o art. 252, do Regimento Interno, desta C. Corte.

3 – Ante o exposto, dá-se provimento em parte ao recurso. É o voto.

DES. GRAVA BRAZIL – Relator