2ª VRP|SP: RCPN – Lavratura de registro de nascimento – Técnica de reprodução assistida – União estável (afetiva) – Rompimento – Renúncia a paternidade – Impossibilidade.
Processo 1010250-76.2017.8.26.0100
Pedido de Providências
Registro Civil das Pessoas Naturais
O.R.C.P.N.V.M.S.P.S.
Dr(a). Marcelo Benacchio
Vistos,
Fls. 50: defiro a habilitação do patrono do Sr. Interessado. Anote-se.
Trata-se de pedido de providências encaminhado a esta Corregedoria Permanente pelo Sr. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 9º Subdistrito Vila Mariana, Capital, suscitando dúvida acerca de lavratura de registro de nascimento do menor J. A. de O., nascido em 03 de fevereiro de 2017, gerado por técnica de reprodução assistida, por meio de doadora temporária de útero, com utilização de óvulo doado anonimamente, sendo o doador de sêmen P. A. S., que pretende figurar no assento como único genitor. Juntaram-se aos autos a documentação de fls. 03 a 24.
A n. Representante do Ministério Público acompanhou o feito, manifestando-se conclusivamente às fls. 47/49.
É o relatório. Decido.
Cuida-se de dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 9º Subdistrito Vila Mariana, Capital, informando acerca de pedido de lavratura de assento de nascimento do menor J. A. de O., concebido por técnica de fertilização heteróloga in vitro.
Consta dos autos que a criança foi gerada por meio da doação anônima de óvulo e cessão temporária do útero de N. S. S., em negócio jurídico firmado por P. A. S. e C. A. C. B., casal homoafetivo que se valeu do vínculo de sua União Estável para preencher os requisitos da Resolução CFM 2013/2013 e CREMESP 232/2011.
O Sr. P. foi o doador de sêmen, contribuindo, pois, com o material genético. C., embora não tenha tido participação biológica no procedimento, apresentou-se no processo pré-gestacional como pretendente pai da criança a ser concebida, estando presente em todos os atos, anuindo, portanto, com a gestação. Todavia, o pedido de registro contém apenas o nome do Sr. P.. No tocante à C., há documento de renúncia à paternidade, solicitando-se que se omita seu nome no assento do menor (fls. 23/24).
A n. Representante do Ministério Público aduz que, embora desfeito o vínculo afetivo entre o casal, a paternidade tem caráter irrevogável, não podendo o companheiro pugnar pela sua omissão do registro de nascimento da criança gerada (fls. 47/49).
Desta feita, opina a i. Promotora de Justiça, em seu parecer, que o assento poderá ser lavrado, desde que figurem como pais ambos os genitores que estiveram presentes quando da concepção e gestação do menor (fls. 47/49).
Nessa linha, é claro o Código Civil, em seu art. 1.597, ao consagrar a presunção absoluta da paternidade em casos de fertilização heteróloga, aduzindo que “presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (…) V havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.
Assim, ensina Cristiano Chaves de Faria que na “procriação assistida heteróloga, tem-se a participação de terceiro(s), sempre a título gratuito (Resolução n. 1.358/92, CFM, item IV, 1).
O médico trabalhará com sêmen (e/ou óvulo) de terceira pessoa, realizando a fecundação em laboratório para, em seguida, implantar o embrião no corpo da mulher. Por isso, exige-se a autorização expressa do marido ou companheiro, de modo a viabilizar a procriação assistida na forma heteróloga.
Essa autorização que tem que ser expressa e escrita. Assim, a criança concebida por reprodução assistida heteróloga, pressuposta a anuência do marido ou companheiro, é, por presunção de lei, filha de quem autorizou o ato.” (Rodrigo da Cunha Pereira – Tratado de Direito das Famílias, Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 263 negrito nosso)
Ainda nesta senda, aduz o autor que “a anuência do marido assume enorme relevância, funcionando como uma espécie de reconhecimento prévio de filho ou como uma adoção antenatal. (…) o vínculo paterno-filial se formou no instante em que se concedeu a aquiescência ao procedimento fertilizatório no cônjuge.” (idem, fls. 266)
Por fim, ressalta o autor: “naturalmente, entendemos possível a realização da fertilização heteróloga, também, entre pessoas que vivem em união estável ou em união homoafetiva, não se subsumindo ao casamento”. (idem, fls. 266)
Portanto, incabível a renúncia à filiação com a qual o companheiro já havia concordado. O Sr. C. expressamente autorizou o procedimento (cf. contrato às fls. 11 a 15), bem como participou de todos os atos preparatórios gestacionais, conforme claramente se verifica pelos documentos juntados às fls. 05 à 24.
Bem assim, assiste razão ao Sr. Oficial ao levantar óbice ao registro tal qual pleiteado e pugnar por determinação desta Corregedoria Permanente.
Nessa linha, por tudo o que consta dos autos, acolhendo a cota ministerial de fls. 47/49 em sua integralidade, determino a lavratura do assento de nascimento de J. A. DE O., no qual deverá constar como pais os Srs. P. A. S. e C. A. C. B..
Ao Sr. Oficial para a inscrição do registro.
Ciência aos interessados e ao Ministério Público, arquivando-se oportunamente.
P.R.I.C.
São Paulo, 07 de abril de 2017.
(DJe de 12.04.2017 – SP)