TJ|SP: Inventário – Indeferimento do pedido de redução da base de cálculo do ITCMD – Inadequação – Não obstante o disposto no artigo 12 da Lei Estadual n.º 10.705/00, os herdeiros respondem pelas dívidas deixadas pelo falecido, nos limites da herança, consoante os artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil – Razoabilidade de que, da base de cálculo do ITCMD, sejam excluídas as dívidas do espólio – Precedentes deste Tribunal – Recurso provido.

Registro: 2017.0000182063

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2204322-89.2016.8.26.0000, da Comarca de Marília, em que é agravante JOÃO AUGUSTO KOURY MIRANDA, é agravado CLEUSA CAMARGO DE OLIVEIRA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MIGUEL BRANDI (Presidente sem voto), MARY GRÜN E RÔMOLO RUSSO.

São Paulo, 21 de março de 2017.

Luis Mario Galbetti Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 15364

Agravo de Instrumento nº 2204322-89.2016.8.26.0000

Agravante: João Augusto Koury Miranda

Agravada: Cleusa Camargo de Oliveira

Interessado: Lucia Koury Miranda (Espólio)

Origem: 2ª Vara da Família e das Sucessões do Foro de Marília

Juiz: José Antonio Bernardo

Inventário – Indeferimento do pedido de redução da base de cálculo do ITCMD Inadequação. Não obstante o disposto no artigo 12 da Lei Estadual n.º 10.705/00, os herdeiros respondem pelas dívidas deixadas pelo falecido, nos limites da herança, consoante os artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil. Razoabilidade de que, da base de cálculo do ITCMD, sejam excluídas as dívidas do espólio. Precedentes deste Tribunal. Recurso provido.

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu pedido de isenção de juros e multa incidentes sobre o ITCMD, bem como de redução da base de cálculo do imposto, em arrolamento de bens deixados por LUCIA KOURY MIRANDA.

Alega o agravante: a) a autora da herança deixou dois imóveis e diversas dívidas, indicadas nas primeiras declarações e comprovadas; b) o artigo 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000 prevê o abatimento da base de cálculo do ITCMD devido às dívidas do espólio; c) não haverá concordância da Fazenda do Estado na via administrativa, competindo ao juiz apreciar a matéria; d) o formulário eletrônico para declaração e cálculos do ITCMD não possui campo para abatimento das dívidas.

O recurso foi recebido e processado e a inventariante dativa apresentou contraminuta não se opondo à pretensão do agravante. A Fazenda Pública do Estado de São Paulo manifestou-se pleiteando o improvimento do recurso.

2. A decisão recorrida:

“Vistos. Fls 427/435: trata-se de pedido do herdeiro João Augusto Koury Miranda para que seja “isentado” dos juros e multa incidentes sobre o ITCMD a recolher, bem assim de “redução da base de cálculo do ITCMD. Decido. O pleito deve ser indeferido. A autora da herança faleceu em 18.12.2003 (certidão de óbito de fls 05). Logo, a abertura da sucessão deu- se em 18.12.2003.Os herdeiros não promoveram o inventário no prazo legal de 60 dias, conforme determinava o art. 983, do CPC/73, em vigor na época do falecimento (art. 611, do CPC/15) e, ainda, o art. 21, I, da Lei est. 10.705/00. Somente foi distribuído o presente inventário em 03.10.2008 e ainda por credora do espólio. Os herdeiros quedaram- se inertes. Longe, portanto, do prazo legal, foi o ajuizamento do inventário que, por consequência, extrapolou em muito o prazo de 180 dias concedidos pela Lei est. 10.705/00, art. 17, § 1º, para o recolhimento do imposto. Ao contrário do que alega o peticionário, não se trata de inventário complexo, vez que se trata apenas de dois herdeiros maiores e capazes e apenas dois imóveis (fls 64). E a existência de dívidas em nada interferem quanto ao ajuizamento do inventário. Essas circunstâncias alegadas, ainda que estivessem presentes, não seriam consideradas “motivo justo”, como reclama a lei 10.705/00, (art. 17, § 1º. “O prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, sob pena de sujeitar-se o débito à taxa de juros prevista no artigo 20, acrescido das penalidades cabíveis, ressalvado, por motivo justo, o caso de dilação desse prazo pela autoridade judicial”)(grifei). Nesse sentido tem decidido o E. Tribunal de Justiça Bandeirante: “EMENTA: ITCMD – ATRASO NO PAGAMENTO PEDIDO DE ISENÇÃO DE MULTA E JUROS NEGADO PELO MM. JUIZ DE PRIMEIRO GRAU ATRASO NO RECOLHIMENTO POR DESÍDIA DA PARTE SITUAÇÃO QUE NÃO SE SUBSUME À DISCIPLINA DA SÚMULA 114 DO STF INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS E MULTA DEVIDA INTELIGÊNCIA DO ART. 17 DA LEI ESTADUAL N.º 10.705/00 DECISÃO MANTIDA RECURSO DESPROVIDO (TJSP, 9ªCâmara de Direito Privado – RELATOR Theodureto Camargo – Agravo de Instrumento nº 2026097-81.2015.8.26.0000, j. 27 de julho de 2015). “AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação de Inventário Decisão que indeferiu o afastamento de encargos legais pelo atraso no recolhimento de ITCMD Inconformismo do inventariante. Não acolhimento. Fatos alegados que não constituem justo motivo para o atraso art. 17, caput e parágrafo único, da Lei Estadual nº 10.705/00 Súmula 114 do E. STF que não se sobrepõe ao prazo estabelecido na Lei Estadual, tratando a súmula da exigibilidade do imposto e não dos acréscimos legais em questão. Decisão mantida. Recurso desprovido” (TJSP – 9ª Câmara de Direito Privado Relator José Aparício Prado Neto – Agravo de Instrumento nº 2142364-39.2015.8.26.0000 j. 20/01/2016). Portanto, não se tratando de motivo justo, não há que conceder dilação do prazo, para evitar as penalidades acessórias imposto pelo Fisco. No que se refere ao prazo de 30 dias para recolhimento do imposto (art. 17, caput, Lei 10.705/00), o simples fato de extrapolar os 60 dias para ajuizamento e/ou os 180 dias para recolhimento já enseja a aplicação dos juros e multa, nos termos dos arts. 19 e 20 da mesma lei. Não bastasse, o procedimento de homologação de cálculo do imposto, no Estado de São Paulo, tendo sido disciplinado o procedimento administrativo de declaração desse imposto causa mortis, conforme permissivo do art. 28, do Decreto 46.655/02, seguem-se as normas do próprio procedimento (arts 21 a 16), devendo ser iniciado em 30 dias contados da data do despacho que determinar o pagamento do imposto (art 21, I, do Decreto), que, no caso dos autos, foi em 28.10.2008, fls 26.Se o contribuinte não concordar com o valor da apuração, seguir-se-á o procedimento previsto no Decreto. Se a insurgência for quanto à avaliação dos bens do espólio, instaurar-se-á o procedimento do art. 19, do Decreto, mas poderá o interessado valer-se de avaliação por perito judicial, arcando com os custos. Assim também disciplina a Lei 10.705/00: “Artigo 11 – Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar-se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugna-lo.§ 1º – Fica assegurado ao interessado o direito de requerer avaliação judicial, incumbindo-lhe, neste caso, o pagamento das despesas”. Nesse caso, a experiência tem demonstrado que a base de cálculo tende a subir significativamente, em razão do valor real de mercado ser bem maior que o valor venal considerado no procedimento administrativo. Assim, não tendo sido comprovada a instauração do procedimento contencioso administrativo, nem insurgência administrativa quando da apuração do imposto, nem pedido de avaliação por perito judicial, e os juros e multa incidindo por outras causas, não se acolhe o pedido também por esse fundamento. Por fim, não compete ao juízo reduzir base de cálculo do ITCMD por existência de dívidas do espólio, por expressa vedação legal. Com efeito, dispõe o art.12, da Lei 10.705/00 que “no cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio”. Assim, somente estabelecendo-se, a posterior, litígio em face da Fazenda Pública em ação própria é que se poderia discutir essa tese, mas não nos autos do inventário. Pelo exposto, indefiro os pedidos. Providencie-se, no mais, o despacho de fls. 422. Intime-se”.

A decisão recorrida comporta alteração.

É certo que consoante o artigo 12 da Lei Estadual n.º 10.705/00, que trata do ITCMD no Estado de São Paulo: “No cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio”.

Contudo, o Código Civil estabelece, em seus artigos 1.792 e 1.997, respectivamente: “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados”; “a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube”.

Assim, considerando que os herdeiros respondem pelas dívidas deixadas pelo falecido, nos limites da herança, é razoável que, da base de cálculo do ITCMD, sejam excluídas as dívidas do espólio.

Conforme a lição de Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira, “(…) é de ser lembrada a disposição da lei paulista no sentido de que ‘não serão abatidas do valor base para o cálculo do imposto quaisquer dívidas que onerem o imóvel transmitido, nem as dívidas do espólio’ (…). A aplicação literal desse dispositivo levaria ao absurdo de apurar imposto sobre o valor total de imóveis compromissados à venda ao de cujus, com pagamento apenas de parte do preço, quando, na realidade, o que se está transmitindo aos herdeiros é o imóvel com a dívida pendente, que será satisfeita pelos próprios herdeiros após a abertura da sucessão. Se não houve efetiva transmissão do valor total do bem, mas apenas a transmissão proporcional ao valor pago, este haverá de servir como base de cálculo do imposto, que se justifica como a efetiva herança recebida na via sucessória”.1

Nesse sentido:

MANDADO DE SEGURANÇA – Impetração para o fim de que seja conferido o abatimento das dívidas do espólio da base de cálculo do ITCMD Inteligência dos artigos 1.997 e 1.792, ambos do Código Civil – Sentença concessiva da ordem mantida – Lei Federal de competência legislativa concorrente prevalece sobre  Lei Estadual – Exegese do art. 24, inc. I, § 4º, da Constituição Federal – Lei posterior revoga anterior quando com ela incompatível – Artigo 2º, §1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Precedente jurisprudencial – Apelação da Fazenda Paulista e remessa necessária não providas. (Apelação 1002226-76.2015.8.26.0408; Relator(a): Fermino Magnani Filho; Comarca: Ourinhos; Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 06/09/2016; Data de registro: 06/09/2016)

Agravo de instrumento. Inventário. ITCMD. Recolhimento do imposto depois de descontadas as dívidas do espólio. Admissibilidade. O imposto de transmissão causa ‘mortis’ não incide sobre o monte-mor total, mas sim sobre o monte partível, deduzidas todas as dívidas e encargos. Aplicação dos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil. Recurso provido. (Agravo de Instrumento 2066835-77.2016.8.26.0000; Relator(a): Mauro Conti Machado; Comarca: Brodowski; Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 02/05/2016; Data de registro: 02/05/2016)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – Recolhimento do imposto de transmissão ‘causa mortis’, já abatidas as dívidas da empresa do falecido – Divergência quanto à base de cálculo – Decisão que indeferiu a pretensão da Fazenda Pública e manteve o valor apontado pela inventariante como sendo o correspondente à herança objeto de partilha – Insurgência da Fazenda Pública – Descabimento – A base de cálculo deve corresponder ao monte-mor líquido partível, isto é, o valor dos bens deixados aos herdeiros depois de deduzidas as dívidas de cujus e de sua empresa – Inteligência dos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil, que revogaram o artigo   12 da Lei Estadual nº 10.705/00 – Precedentes jurisprudenciais – Recurso não provido. (Agravo de Instrumento 2138767- 96.2014.8.26.0000; Relator(a): Walter Barone; Comarca: Presidente Prudente; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 16/09/2015; Data de registro: 22/09/2015)

3. Ante o exposto e o que mais dos autos consta, DOU PROVIMENTO ao recurso para determinar que sejam excluídas da base de cálculo do ITCMD as dívidas do espólio.

LUÍS MÁRIO GALBETTI

RELATOR

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1 Inventário e partilhas, 22ª ed., LEUD, pp. 437 e 438.