TJ|MG: Ementa: Apelação Cível – Ação de nulidade de testamento público – Alegação de vício no consentimento por comprometimento da livre declaração de última vontade da testadora – Inocorrência – Recurso desprovido.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE NULIDADE DE TESTAMENTO PÚBLICO – ALEGAÇÃO DE VÍCIO NO CONSENTIMENTO POR COMPROMETIMENTO DA LIVRE DECLARAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE DA TESTADORA – INOCORRÊNCIA – RECURSO DESPROVIDO. A prova da incapacidade deve ser suficiente de modo a afastar a presunção de validade do testamento público. Assim, inexistindo prova de qualquer dos vícios de consentimento, ônus que cabia à parte autora, reafirma-se a validade do testamento público, lavrado por tabelião, na presença de testemunhas, nos termos do art. 1.864 do Código Civil.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0049.10.001439-5/001 – COMARCA DE BAEPENDI – APELANTE: MARIA LUIZA DOS SANTOS – APELADOS: FRANCISCO RIBEIRO DA SILVA E ELZA BRANDI DA SILVA

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. PEIXOTO HENRIQUES

RELATOR

DES. PEIXOTO HENRIQUES

V O T O

Cuidam os autos de “ação ordinária de nulidade de testamento e outros atos jurídicos”, ajuizada por Maria Luiza dos Santos em face de Francisco Ribeiro da Silva e Elza Brandi da Silva, julgada improcedente. Para tanto, o d. sentenciante assinala que “o fato de a falecida ter assinado seu nome duas vezes não é razão para anular o testamento, ressaltando que o Tabelião tem fé pública e atestou a capacidade mental da testadora, que não foi afastada no caso dos autos, ao contrário, repito, a prova indica a sua plena capacidade mental no momento do alto”. Em consequência, condenou a autora ao pagamento dos ônus sucumbenciais, inclusive honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa.

Inconformada, recorre a autora, aduzindo, em síntese: a) que a sanidade mental da testamenteira somente poderia ser atestada por um médico, e não por testemunhas; b) que “ficou comprovada a má fé dos beneficiários, pois não manifestaram a verdade ao declarar que Dª. Manuelina não possuía parentes, tanto na certidão quanto no testamento”; c) que o relatório médico em que se baseou a sentença foi elaborado em data posterior ao falecimento da testadora, e não menciona o CID – código internacional de doenças – do mal sofrido pela D. Manuelina; d) que “no teor do testamento, no dia da assinatura, não há prova alguma que confirme a sanidade mental da testadora, tendo em vista que a mesma estava em seu leito de morte com carcinoma metastático”; e) que “a irmã de D. Manuelina, ora apelante, foi surpreendida com a existência de um testamento que simplesmente beneficia apenas os apelados, pessoas que a família sequer conhecia”; f) que “o Cartório jamais poderia permitir que a Sra. Manuelina dispusesse de todos os seus bens sem definir a legítima de sua irmã, conforme dispõe o art. 1790 do Código Civil'”; g) que “não era necessária a produção de prova testemunhal para a comprovação das alegações iniciais, visto que já existe prova documental de que o testamento é nulo”; e, ainda, h) que “não se pode ignorar a prova evidente nos autos de que a testadora tinha parentes, conforme pode ser observado às fls. 14 (documento de identidade da recorrente), e que mesmo assim se permitiu que a testadora, com a existência de parentes vivos, dispusesse da totalidade de seus bens”.

Dispensado o preparo (fl. 91 – Lei n.º 1.060/50).

Ofertadas contrarrazões.

A d. PGJ/MG emitiu parecer, da lavra do d. Procurador de Justiça Dr. Saulo de Tarso Paixão Maciel, recomendando a manutenção da sentença.

Fiel ao breve, dou por relatado.

De chofre, necessário salientar que apesar de os requeridos terem interposto agravo retido (fl. 71), na resposta da apelação não pugnaram, expressamente, pela sua apreciação; e, em razão dessa omissão, impõe-se o não conhecimento desse recurso, como se extrai do art. 523, § 1º, do CPC.

Quanto ao apelo, embora admissível, ele é improcedente.

Trata-se de ação declaratória de nulidade de testamento ajuizada por Maria Luiza dos Santos em face de Francisco Ribeiro da Silva e outra (legatários), em que objetivada a decretação da nulidade do testamento deixado pela Sra. Manuelina Luiza dos Santos (irmã da autora/apelante), ao argumento de que as últimas vontades manifestadas pela falecida foram lavradas mediante fraude, pois já se encontrava debilitada, portadora de carcinoma metastático e, assim, quando já não mais se encontrava em seu juízo perfeito, tendo sido beneficiadas pessoas outras que não seus parentes.

Sobre o tema, trago previamente à baila os ensinamentos de Sílvio de Salvo venosa, que assim nos elucida:

O testamento deve anular-se quando a captação de vontade do disponente ocorreu com meios e procedimentos reprováveis: mentiras, armadilhas emocionais, calúnias para com terceiros relacionados com a herança, atitude de dominação para com o testador etc. Tudo isso deve ser sopesado na prova (…) O dolo, nessas circunstâncias, deve anular o testamento, seja para beneficiar o próprio causador, seja para beneficiar terceiros. O que se combate é o dolo em si, e não a captação, que é espécie de dolo. (Direito Civil – Direito das Sucessões, Vol. VII, 3ª ed., p. 145)

Insta dizer que o “erro”, enquanto defeito da vontade, encontra-se assim definido em nosso Código Civil:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Segundo magistério da Profª. Maria Helena Diniz:

O erro é uma noção inexata sobre um objeto, que influencia a formação da vontade do declarante, que a emitirá de maneira diversa da que a manifestaria se dele tivesse conhecimento exato (…). Para viciar a vontade de anular o ato negocial, este deverá ser substancial, escusável e real. Escusável, no sentido de que há de ter por fundamento uma razão plausível ou ser de total monta que qualquer pessoa de atenção ordinária ou de diligência norma, seja capaz de comete-lo, em face das circunstâncias do negócio (…). (Código Civil Anotado, p. 134)

Pois bem…

Com efeito, é sabido que o testador pode dispor de todo o seu patrimônio, se inexistente herdeiro necessário (descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente) quando da sua morte. Por outro lado, estando vivos algum desses herdeiros, certo é que a disposição de mais da metade dos bens para outras pessoas ou mesmo instituições será indevida. Nesta hipótese, tem-se que o de cujus ou sucedido apenas terá o poder de dispor da metade de seus, devendo a outra metade constituir, obrigatoriamente, a herança de seus herdeiros necessários.

Firmadas essas premissas e volvendo-se aos autos, verifica-se que a testadora era solteira, não tinha filhos ou ascendentes vivos. Portanto, óbvio que, não havendo herdeiros necessários, todos os seus bens poderiam ser dispostos livremente pelo testador, como o fez a Dª. Manuelina. Irmãos, sobrinhos e tios também seus herdeiros e estão na linha sucessória, mas não necessariamente serão herdeiros dos bens deixados pelo de cujus. Portanto, somente resta aferir a real capacidade civil da testadora por ocasião da lavratura da escritura pública declaratória de testamento.

Em que pese a testadora já possuir o diagnóstico de carcinoma à época da lavratura da escritura pública, comprovação não há, força convir, de que ela, ao manifestar sua última vontade, tivesse comprometidas suas faculdades mentais ou mesmo de que ela tivesse atuado em razão de desvirtuamento da condição de discernimento.

In casu, sobreleva assinalar, o testamento foi lavrado por escritura pública, na presença do tabelião in loco e de duas testemunhas idôneas (fl. 16v), gozando de fé pública e de presunção de veracidade.

Não se olvida tratar-se aqui de presunção relativa, juris tantum, que admite prova em contrário. Entretanto, do conjunto probatório reunido nestes autos não se extrai qualquer elemento apto à segura constatação de que realmente comprometida a capacidade volitiva da testadora. Tanto as provas testemunhais quanto as documentais existentes nos autos não corroboram o alegado pela autor/apelante. Ao revés, tais provas reafirmam a validade do testamento, assim como já bem elucidado pelo d. sentenciante (fls. 39, 72, 73 e 76).

Diz o art. 1.860 do Código Civil, é certo, que, “além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento”; contudo, não menos certo é que a prova da incapacidade deve ser suficiente de modo a afastar a presunção de validade do testamento público lavrado na presença do tabelião.

Se assim é, inexistindo prova de qualquer dos vícios de consentimento, ônus que indubitavelmente cabia à parte autora (art. 333, I, CPC), incensurável a sentença hostilizada.

Aqui aplicáveis, mutatis mutandis, os seguintes arestos:

Testamento público. Observância das disposições de última vontade do testador. Anulação. Impossibilidade. Comprovado que o testamento público observou as disposições de última vontade do testador, não há se falar em sua anulação. A essência do ato deve subsistir se restar comprovado que o declarado condiz com presenciado no Cartório, sob pena de se prestigiar o formalismo exacerbado em detrimento das finalidades do testamento. O formalismo exacerbado não pode inviabilizar a essência das declarações prestadas. (AC n.º 1.0080.05.000863-2/001, 6ª CCív/TJMG, rel. Des. Edilson Fernandes, DJ 2/2/2008)

Ação anulatória de testamento. Aplicação do art. 1.632 do CC/1916. Requisitos. Descumprimento. Respeito aos atos de última vontade. Flexibilização das formalidades. Ausência de prova da incapacidade da testadora. Manutenção da sentença. Se o testador estava em pleno gozo de sua capacidade mental, e se foram respeitadas, na feitura, as disposições de última vontade, válido é o testamento. Não obstante o testamento ser um ato solene e formal, a falta de leitura oral não é causa bastante para anulá-lo, mormente se verificarmos que todas as testemunhas tiveram ciência do inteiro teor do documento antes de assiná-lo. (AC n.º 1.0394.05.050174-8/001, 6ª CCív/TJMG, rel.ª Des.ª Sandra Fonseca, DJ 27/8/2010)

APELAÇÃO CÍVEL. NULIDADE DE TESTAMENTO PÚBLICO. INCAPACIDADE DO TESTADOR NÃO DEMONSTRADA. Não comprovada a incapacidade para testar, que não pode ser presumida, devendo ser robustamente provada, improcede o pedido de nulidade de testamento. RECURSO DESPROVIDO. (AC n.º 70052897329, 7ª CCív/TJMRS, rel. Des. Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. 27/2/2013)

Neste contexto, considerado que o ônus da prova da incapacidade da testadora era da autora/apelante e que dele não ela se desincumbiu, desmerece reforma a sentença atacada.

Mediante tais considerações e contando com o sempre reconfortante aval do Ministério Público, NEGO PROVIMENTO à apelação, ratificando, assim, a sentença fustigada.

Sem custas (art. 10, II, LE nº 14.939/03).

É como vota a relatoria.

DES. OLIVEIRA FIRMO (REVISOR) – De acordo com o Relator.

DES. WILSON BENEVIDES – De acordo com o Relator.

SÚMULA: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”