1ª VRP|SP: Dúvida – Registro venda e compra – Falecimento do mandante – Cessação dos poderes outorgados na procuração – Ausência de cláusula em causa própria – Dúvida procedente.
Processo 1004286-05.2017.8.26.0100
Dúvida
Registro de Imóveis
O. dos S. C. e outro
Registro venda e compra – Falecimento do mandante – Cessação dos poderes outorgados na procuração – Ausência de cláusula em causa própria – Dúvida procedente.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, por solicitação de O. dos S. C., diante da negativa em se efetuar o registro de escritura de venda e compra pela qual M. do R. R. O., representada por O. dos S. C., transmite por venda o imóvel matriculado sob nº 192.701 para o suscitado e sua mulher M. dos S. S. C..
O óbice registrário refere-se ao falecimento da mandante anteriormente à lavratura do título em questão, cessando os poderes outorgados ao suscitado. Neste contexto, foi exigida a apresentação da procuração e do substabelecimento para procura da cláusula “em causa própria”, conforme artigo 685 do Código Civil, sendo negativo o resultado. Juntou documentos às fls.04/36.
O suscitado informa que a qualificação registraria deve ser realizada apenas em relação aos aspectos formais do título, sendo que o mandatário desconhecia o falecimento da mandante e estava concluindo o negócio iniciado anteriormente ao ocorrido, nos termos do artigo 674 do Código Civil (fls.37/45).
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.49/53).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Com razão a Oficial Registradora e a D. Promotora de Justiça. Pelo instituto do mandato, uma pessoa denominada mandatário é investida de poderes por outra, mandante, com o objetivo de, sem seu nome, praticar atos jurídicos ou administrar interesses. No caso em tela, em 16.02.1982 a outorgante vendedora, M. do R. R. de O., outorgou poderes de representação a O. de S. C. e sua mulher H. R. de O. C. (fl.29), e estes, em 15.03.2001, substabeleceram sem reserva de poderes ao suscitado (fls.32). Ora, com a morte do mandante, cessam todos os efeitos do mandato.
Verifico que a partir de 2015 (ano do óbito) da srª M. do R. (fl.28), o mandato não surtiu mais efeitos, inexistindo cláusula de procuração “em causa própria”, hipótese em que o mandatário teria a possibilidade de transferir para si o bem e se tornar efetivo dono da coisa, administrando-a como se fosse sua.
Entendo, portanto, que o instrumento de venda e compra levado a registro (fls.15/18), datado de 30.09.2016, padece de nulidade, tendo em vista a morte da mandante e a ausência da cláusula “em causa própria”. Outrossim, não é desconhecido deste Juízo que a competência registrária restringe-se à qualificação referente aos aspectos formais e extrínsecos do título, todavia, o Registrador ao tomar conhecimento do fato, não poderia franquear o ingresso de um título nulo, sob pena de ferir o princípio da segurança jurídica, levando a erro terceiros de boa boa-fé.
Como bem ressaltado pela Douta Promotora de Justiça, é incabível a alegação de desconhecimento da morte da mandante, o que incidiria o disposto no artigo 689 do Código Civil. O documento juntado à fl.28 (comprovação de situação cadastral no CPF), foi emitido em 30.09.2016 às 9 horas e 41 minutos e 04 segundos, ou seja, no mesmo dia da lavratura da escritura de fls.15/18, sendo que pelo horário estampado na certidão, presume-se que ela foi obtida anteriormente à assinatura do documento, de modo a demonstrar que o mandatário tinha pleno conhecimento do óbito da mandante.
Por fim, tendo a mandante falecido antes do término do ato, deve haver a preservação de direitos de eventuais herdeiro. Vale ainda notar que de fato a própria legislação civil, em seu artigo 674, prevê a hipótese do mandatário concluir o negócio já começado se houver perigo da demora. Todavia, entendo que na presente hipótese não há “periculum in mora”, sendo que entre o óbito da mandante (2015) e a lavratura da escritura de venda e compra, tem-se um lapso temporal de mais de um ano. Ainda há que se ressaltar que tal dispositivo não é uma regra absoluta, podendo sofrer limitações.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de O. dos S. C., e mantenho o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
(DJe de 20.04.2017 – SP)