TJ|MG: Apelação Cível – Anulação de Testamento – Erro de Vontade – Ausência de Prova – Testamento que cumpriu todas as formalidades legais – Primazia da vontade expressa. 1- A presunção de veracidade de que goza a escritura pública de testamento lavrada por Tabelião só pode ser infirmada por prova segura, induvidosa e incontroversa; 2- A preservação da vontade do testador é elemento sobre o qual se ampara toda a construção teórica do testamento, atuando o aparelho legal para que a sua realização expresse de forma fidedigna e sem interferências externas a manifestação de vontade; 3- A vontade expressa e certificada por instrumento público que atende seus requisitos formais somente pode ser desconstituída se houver prova contundente de erro na manifestação de vontade, não bastando para isso a criação de expectativas por parte dos herdeiros quanto ao recebimento de quinhões.
APELAÇÃO CÍVEL – ANULAÇÃO DE TESTAMENTO – ERRO DE VONTADE – AUSÊNCIA DE PROVA – TESTAMENTO QUE CUMPRIU TODAS AS FORMALIDADES LEGAIS – PRIMAZIA DA VONTADE EXPRESSA. 1- A presunção de veracidade de que goza a escritura pública de testamento lavrada por Tabelião só pode ser infirmada por prova segura, induvidosa e incontroversa; 2- A preservação da vontade do testador é elemento sobre o qual se ampara toda a construção teórica do testamento, atuando o aparelho legal para que a sua realização expresse de forma fidedigna e sem interferências externas a manifestação de vontade; 3- A vontade expressa e certificada por instrumento público que atende seus requisitos formais somente pode ser desconstituída se houver prova contundente de erro na manifestação de vontade, não bastando para isso a criação de expectativas por parte dos herdeiros quanto ao recebimento de quinhões.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0408.12.001203-9/001 – COMARCA DE MATIAS BARBOSA – APELANTE(S): M. D. M. G. de M. OU M. D. M. de M. S. – APELADO(A)(S): E. R. M. de M. R.
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. RENATO DRESCH
RELATOR.
DES. RENATO DRESCH (RELATOR)
V O T O
Trata-se de Ação Anulatória de Testamento, Inventário, Partilha e Atos Jurídicos movida por M. D. M. de M. S. em face de E. R. M. de M. R., pretendendo a anulação da doação realizada por sua tia J. M. A. em favor de sua irmã E. R. M. de M. R., por meio de testamento.
Em sentença de fls. 310/312v. a Juíza Mónica Barbosa dos Santos, da Comarca de Matias Barbosa, julgou improcedentes os pedidos iniciais e condenou a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixou em 20% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC/2015, ficando suspensa a sua exigibilidade em razão da concessão da gratuidade da justiça.
A autora apelou às fls. 313/319 informando ser filha de S. G. M., sobrinha de J. M. A. e irmã da requerida E. R. M. de M. R.. Argumenta que sua tia J. M. A. deixou testamento doando todo o seu patrimônio para a requerida, em razão de erro decorrente de informações da requerida quanto à posterior divisão entre os demais sobrinhos, como era da vontade da testadora. Afirma que as testemunhas foram uníssonas em afirmar que a falecida tia pretendia deixar sua casa para os seus sobrinhos e não unicamente para a apelada. Requer a reforma da sentença para que seja declarada a nulidade do testamento por vício de vontade.
Contrarrazões apresentadas às fls. 321/332, pretendendo seja mantida a sentença recorrida.
É o relatório.
Conheço do recurso, diante da presença de seus pressupostos de admissibilidade.
A autora pretende desconstituir o testamento público no qual sua tia J. M. A. doou todo seu patrimônio à sobrinha E. R. M. de M. R., irmã da requerida.
Como fundamento do pedido de anulação alega que a testadora foi induzida a erro pela favorecida, incorrendo em vício de vontade.
Nos termos do art. 1.632 do Código Civil de 1916, vigente à época em que foi lavrado o testamento:
Art. 1.632. São requisitos essenciais do testamento público:
I – Que seja escrito por oficial público em seu livro de notas, de acordo com o ditado ou as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas.
II – Que as testemunhas assistam a todo o ato.
III – Que, depois de escrito o testamento, seja lido pelo oficial, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial. (Vide Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919).
IV – Que, em seguida a leitura, seja o ato assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo oficial.
Parágrafo único. As declarações do testador serão feitas na língua nacional.
Da análise do testamento juntado às fls. 05/06 dos autos em anexo verifica-se que os requisitos formais foram preenchidos, inexistindo, ainda, insurgência da apelante neste aspecto, pois sua pretensão se ampara exclusivamente em erro de vontade.
A nulidade do testamento por erro de vontade tem como referência as nulidades aplicadas genericamente aos atos jurídicos, dentre elas o erro.
Nos termos dos arts. 86 e 87 do CC/16:
Art. 86. São anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial.
Art. 87. Considera-se erro substancial o que interessa à natureza do ato, o objeto principal de declaração, ou alguma das qualidades a ele essenciais.
O Código Civil de 2002 manteve a possibilidade de anulação do negócio jurídico em razão de erro ao estabelecer em seu art. 138 que “são anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.
As provas produzidas nestes autos pouco revelam acerca da real vontade da testadora no momento da realização do ato jurídico, pios consistem em declarações lavradas em cartório ou depoimentos testemunhais que afirmam, de forma vaga, que a testadora pretendia doar seu imóvel para os quatro sobrinhos.
Por outro lado, a prova dos autos revela que a testadora se encontrava lúcida até o final da vida e, caso realmente desejasse doar referido bem aos quatro sobrinhos, bastaria expressar esta vontade perante o oficial do cartório de notas, o que não ocorreu.
A vontade expressa que consta do testamento, manifestada de forma livre perante o oficial do cartório de notas, foi a doação do imóvel à sobrinha Élvia.
A preservação da vontade do testador é elemento sobre o qual se ampara toda a construção teórica do testamento, atuando o aparelho legal para que a sua realização expresse de forma fidedigna e sem interferências externas a manifestação de vontade. Assim, a vontade expressa e certificada por instrumento público que atende seus requisitos formais somente pode ser desconstituída se houver prova contundente de erro na manifestação de vontade, não bastando para isso a criação de expectativas por parte dos herdeiros quanto ao recebimento de quinhões.
Nesse sentido, confira-se a lição de Maria Berenice Dias:
Como há profundo interesse em respeitar as manifestações de última vontade, o controle da validade do testamento é extremamente rigoroso. Por isso a lei é tão rígida e minuciosa, estabelecendo formar e impondo regras sem fim, o que torna o campo sucessório refém do Judiciário. Em regra, o testamento limita quinhões ou afasta herdeiros. E, quando as deliberações do testador não correspondem às expectativas dos sucessores, o caminho mais trilhado é buscar a desconstituição do testamento ou de algumas de suas cláusulas. Daí a frequência das ações que perseguem vícios formais ou o reconhecimento da ausência de capacidade do testador, com o só intuito de atribuir a herança aos herdeiros legítimos. No entanto, não dá para esquecer que o princípio regente do direito testamentário é assegurar a observância da vontade do testador (CC 1.899). Cabe lembrar o ensinamento de Pontes de Miranda: as declarações de última vontade, nulas por defeito de forma ou outro motivo, não podem ser renovadas, pois morreu quem as fez. Razão maior para se evitar, no zelo do respeito à forma, o sacrifício do fundo. (Manual das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 466)
Assim, pode ter ocorrido da testadora, em algum momento da sua vida, ter manifestado sua vontade em doar seu imóvel aos sobrinhos, de forma indistinta, e posteriormente ter mudado sua intenção quanto à destinação do bem, destinando-o somente a um dos sobrinhos, o que não implica em erro de vontade.
É de se destacar que a animosidade existente entre as partes dificulta sobremaneira a verificação dos fatos, pios as versões trazidas aos autos são divergentes e não possibilitam extrair uma conclusão segura sobre a manifestação de vontade da testadora.
Conclui-se, assim, que a autora não se desincumbiu de seu ônus probatório, devendo ser mantida a sentença de improcedência dos pedidos iniciais.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
Deixo de majorar os honorários porque já foram fixados no teto legal.
Sem custas ou honorários.
DES. KILDARE CARVALHO – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”