1ª VRP|SP: Registro – Divórcio judicial com Partilha de Bens – Partilha do bem comum com exclusividade a um dos cônjuges – Imóvel alienado fiduciariamente – Partilhável apenas os direitos de fiduciante – Necessidade de anuência do ente fiduciário – Dúvida procedente.
Processo Digital nº 1036558-52.2017.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitada: I. K. J. A.
Trata-se de duvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de I. K. J. A., tendo em vista a negativa de registro da carta de sentença extraída dos autos de divórcio e partilha dos bens da suscitada e de César Rodrigues Lopes (processo nº 000.04.090807-0), que tramitou perante o MMº Juízo da 10ª Vara da Família e Sucessões da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº 165.601.
Os óbices registrários referem-se: a) aditamento da partilha a fim de constar os direitos aquisitivos do imóvel entre a suscitada e seu ex-cônjuge e não o seu domínio, uma vez que o imóvel foi alienado fiduciarimente à Brascan Imobiliária Incorporações S/A; b) necessidade de formalizar a anuência da credora fiduciária, nos termos do artigo 29 da Lei 9.514/97; c) ausência do esboço completo da partilha de bens, o que impede a qualificação do título, principalmente no que concerne ao recolhimento dos impostos; d) tendo em vista a informação de que o ex-cônjuge pagou a suscitada quantia para equalizar a divisão, há indícios da incidência do imposto ITBI, sendo necessária a comprovação do recolhimento ou a declaração expressa de sua isenção.
A suscitada apresentou impugnação às fls.85/89. Alega ser dispensável a anuência da credora fiduciária, uma vez que o bem foi partilhado entre o casal, que já era devedor fiduciante, bem como se trata de título judicial constituído por sentença homologatória, no qual restou explícito que a divisão foi igualitária. Apresentou documentos às fls.90/97.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.106/110).
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.
Com razão o Oficial Registrador e o Ministério Público.
Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação (positiva ou negativa), para ingresso no fólio real. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
Deve-se salientar que, no ordenamento jurídico pátrio, incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei, a análise do título deve obedecer as regras técnicas e objetivas, o desempenho dessa função atribuída ao Registrador, deve ser exercida com independência, exigindo largo conhecimento jurídico.
Ao contrário do que faz crer a suscitada, ela e seu ex-marido não são proprietários do imóvel, que foi dado em garantia fiduciária à Brascan Imobiliária Incorporações S/A. Daí que a partilha deve referir-se aos direitos aquisitivos do imóvel e não ao seu domínio, vez que as partes detém a posse direta sobre o bem e a titularidade é da instituição financeira. Como é sabido, ao se constituir a alienação fiduciária, tanto por instrumento público ou particular, a propriedade do imóvel é transferida para o credor, ficando o devedor na posse direta do imóvel durante o período em que vigorar o financiamento. Neste contexto, também é necessária a anuência da credora fiduciária. Nos termos do artigo 29 da Lei 9.514/97:
“Art. 29: O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações” (g.n).
Logo, é imprescindível a concordância da instituição financeira, que sofrerá os impactos da alteração do contrato de alienação fiduciária, ainda que a transferência relativa aos direitos aquisitivos ocorra entre os devedores.
Por fim, como é sabido, ao oficial de Registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe foram apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal do Oficial Delegado, e dentre estes impostos se encontra o ITCMD e o ITBI, cuja prova de recolhimento deve instruir o formal de partilha, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada. Assim, faz-se necessário a demonstração dos valores atribuídos aos imóveis partilhados, a fim de verificar se houve excesso de meação decorrente da partilha, no qual incidiria o fato gerador dos impostos ITBI ou ITCMD, dependendo ou não da gratuidade da transação.
Ao que se depreende da sentença homologatória (fls.17/19), no item 6, “o cônjuge varão a fim de equalizar a partilha pagará à suscitada a quantia de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais)”. Como bem exposto pela Douta Promotora de Justiça: “tal dúvida, obviamente só será sanada com a apresentação do valor de todos os imóveis partilhados e com a comprovação do recolhimento do tributo devido ou de sua expressa isenção”.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de I. K. J. A., e mantenho os óbices registrários.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
Tania Mara Ahualli
Juíza de Direito