1ª VRP|SP: Registro de Formal de Partilha – Regime da separação obrigatória de bens – Incidência da Sumula 377 STF – Aquisição do imóvel a título oneroso – Não consta do título a partilha relativa ao cônjuge pré-morto – Não comprovação de que o imóvel foi adquirido somente pela cônjuge virago – Violação ao princípio da continuidade – Dúvida procedente.
Processo 1076890-61.2017.8.26.0100
Pedido de Providências
Registro de Imóveis
J. R. S. N.
“Registro de Formal de Partilha – regime da separação obrigatória de bens – incidência da Sumula 377 STF – aquisição do imóvel a título oneroso – não consta do título a partilha relativa ao cônjuge pré morto – não comprovação de que o imóvel foi adquirido somente pela cônjuge virago – violação ao princípio da continuidade – Dúvida procedente“
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por J. R. S. N. em face da negativa do Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro do Formal de Partilha, expedido pelo MMº Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões da Capital (processo nº 1114046-88.2014.8.26.0100), extraído dos autos do inventário de W. L., referente a uma vaga de garagem, matriculada sob nº 112.018.
O óbice registrário refere-se à violação ao princípio da continuidade, uma vez que o bem foi adquirido por W. L. e seu marido V. P. D. F., no estado civil de casados pelo regime da separação obrigatória de bens, logo, há comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento, devendo ser apresentado o formal de partilha extraídos por ocasião do falecimento de Virginio, bem como a prova do recolhimento do ITCMD.
Insurge-se o suscitante do óbice imposto, sob a alegação da existência de sentença judicial transitada em julgado homologando a partilha, na qual consta que referida garagem caberia ao suscitante, respeitando assim, o testamento constante dos autos. Esclarece que a prova de recolhimento do ITCMD consta do proprio título, havendo concordância da Fazenda Estadual com o recolhimento do tributo. Juntou documentos às fls.08/219.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.237).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Com razão o Registrador, bem como o D Promotor de Justiça.Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já assentou, inclusive, que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação cível n.413-6/7).
Cite-se, por todas a apelação cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
”Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
Nessa linha, também o E. Supremo Tribunal Federal já decidiu que:
”REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, fica claro que não basta a existência de título proveniente de órgão judicial para autorizar automaticamente o ingresso no registro tabular.
Superada a questão sobre o ingresso do título judicial, passa-se à análise do princípio da continuidade, explicado por Afrânio de Carvalho, da seguinte forma:
“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).
Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula. Oportuno destacar, ainda, a lição de Narciso Orlandi Neto, para quem:
“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios” (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56).
Necessário, por conseguinte, que o titular de domínio seja o mesmo no título apresentado a registro e no registro de imóveis, pena de violação ao princípio da continuidade, previsto no art. 195, da Lei nº 6.015/73:
“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a previa matrícula e o registro do titulo anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.
Conclui-se que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo assim apenas se transmite o direito quem é o titular do direito. Na presente hipótese, embora casados sob o regime da separação obrigatória de bens, o imóvel objeto da matricula nº 112.018 foi adquirido na constância do casamento a título oneroso (R.06), em 30.05.2007, presumindo-se a ocorrência de esforço comum dos cônjuges e consequentemente a incidência da Súmula 377 do STF, segundo a qual:
”No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
Neste sentido, caberia provar a contribuição unilateral para a evolução patrimonial. Todavia, não houve a juntada de qualquer prova neste sentido, o que não afasta a presunção mencionada, devendo ao interessado, comprovar que o imóvel foi adquirido por apenas um dos cônjuges, nas vias ordinárias, com ampla dilação probatória.No mais, não consta na matrícula do imóvel em questão o registro do formal de partilha em nome do cônjuge varão V. P. D. F., tendo seu falecimento ocorrido anteriormente a W. L. que detém o estado civil de viúva na ocasião de seu falecimento, conforme Formal de Partilha que ora se pretende registrar. Consequentemente, não houve a partilha de 50% do seu direito sobre o imóvel em prol de seus herdeiros, quebrando com isso a continuidade que dos registros públicos se espera, e potencialmente prejudicando terceiro.
Ora, essa omissão impede que o título apresentado a registro ingresse no fólio real, não podendo incidir a sucessão por “saltos” no ordenamento jurídico, afrontando o princípio da segurança jurídica.
Em relação a prova do recolhimento do ITCMD, ao contrário do que faz crer o suscitante, refere-se à posterior abertura do inventário do varão, tendo em vista que em relação ao inventário se W. L. já houve o recolhimento.
Logo, o respectivo formal de partilha não pode ter ingresso ao fólio real até que adequado à partilha do cônjuge pré morto, a permitir a perfeita formalização do ato registrário.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida inversa suscitada por J. R. S. N. em face da negativa do Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital, e consequentemente mantenho o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 12 de setembro de 2017.
Tania Mara Ahualli Juíza de Direito
(DJe de 19.09.2017 – SP)