CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Cessão da incorporação imobiliária e transmissão da propriedade do imóvel ao cessionário – Contrato particular de compra e venda de dois apartamentos celebrado entre o apelante e o incorporador original que também era o anterior proprietário do imóvel – Recusa do novo incorporador em ratificar o contrato – Princípio da continuidade – Cessão dos direitos e deveres decorrentes da incorporação que não autoriza, por si só, o registro de contrato celebrado com quem não é mais proprietário do imóvel – Procedimento administrativo reunido com o procedimento de dúvida visando a declaração da nulidade do registro do contrato de compra e venda e de alienação fiduciária realizado com violação da prioridade decorrente da ordem cronológica do protocolo – Pretensão, ainda, de bloqueio de matrículas – Existência de anterior prenotação de contrato de compromisso de compra e venda apresentado pelo apelante – Competência da Corregedoria Geral da Justiça para apreciação do recurso interposto contra decisão que indeferiu cancelamento administrativo de registro, uma vez que o cancelamento se faz por ato de averbação – Disciplinar – Reclamação contra procedimento de Oficial de Registro de Imóveis que não observou prioridade decorrente da ordem cronológica de protocolos de títulos representativos de direitos reais contraditório – Competência da Corregedor Geral da Justiça – Apelação provida em parte, com determinação consistente no desapensamento dos autos e remessa do Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624 à Corregedoria Geral da Justiça.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1001867-89.2017.8.26.0624, da Comarca de Tatuí, em que são partes é apelante FÁBIO DUARTE, é apelado OFICIAL DO SERVIÇO DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TATUI.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Mantiveram a procedência da dúvida e negaram provimento à apelação interposta no Processo nº 1001867-89.2017.8.26.0264, bem como determinaram o desapensamento dos autos nº 1001738-84.2017.8.26.0624, com observações, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 28 de março de 2018.

PINHEIRO FRANCO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1001867-89.2017.8.26.0624

Apelante: Fábio Duarte

Apelado: Oficial do Serviço de Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Tatui

VOTO Nº 37.322

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Cessão da incorporação imobiliária e transmissão da propriedade do imóvel ao cessionário – Contrato particular de compra e venda de dois apartamentos celebrado entre o apelante e o incorporador original que também era o anterior proprietário do imóvel – Recusa do novo incorporador em ratificar o contrato – Princípio da continuidade – Cessão dos direitos e deveres decorrentes da incorporação que não autoriza, por si só, o registro de contrato celebrado com quem não é mais proprietário do imóvel – Procedimento administrativo reunido com o procedimento de dúvida visando a declaração da nulidade do registro do contrato de compra e venda e de alienação fiduciária realizado com violação da prioridade decorrente da ordem cronológica do protocolo – Pretensão, ainda, de bloqueio de matrículas – Existência de anterior prenotação de contrato de compromisso de compra e venda apresentado pelo apelante – Competência da Corregedoria Geral da Justiça para apreciação do recurso interposto contra decisão que indeferiu cancelamento administrativo de registro, uma vez que o cancelamento se faz por ato de averbação – Disciplinar – Reclamação contra procedimento de Oficial de Registro de Imóveis que não observou prioridade decorrente da ordem cronológica de protocolos de títulos representativos de direitos reais contraditório – Competência da Corregedor Geral da Justiça – Apelação provida em parte, com determinação consistente no desapensamento dos autos e remessa do Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624 à Corregedoria Geral da Justiça.

1. Trata-se de apelação interposta por Fábio Duarte contra r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí e manteve a recusa oposta ao registro de contrato particular de compromisso de compra e venda dos apartamentos nºs 121 e 172 do “Residencial Life Tatuí”, que são objeto, respectivamente, das matrículas nºs 91.881 e 91.902 (fls. 97/102).

O apelante alega, em suma, que o contrato de compromisso de compra e venda dos apartamentos, quitado, recebeu a prenotação nº 253.605, de 18 de novembro de 2016, e teve qualificação negativa mediante exigência de alteração da figura do vendedor em razão da cessão da incorporação realizada pela incorporadora original. Afirmou que contratou a compra dos imóveis de “Residencial Life Tatuí Spe Ltda.”, estando a incorporação registrada na matrícula nº 74.211. Asseverou que a cessão da incorporação em favor de “PW5 Incorporadora e Participação Ltda.” transferiu à cessionária todos os direitos e obrigações relacionados à incorporação imobiliária, razão pela qual não há obstáculo para o registro do contrato de compromisso de compra e venda celebrado com a incorporadora original. Ademais, a cessão da incorporação teve como condição a manutenção de todos os contratos de alienação de frações ideais celebrados pelo cedente. Esclareceu que contratou a compra dos imóveis em 10 de novembro de 2014 e que a cessão da incorporação ocorreu 23 de fevereiro de 2015, sub-rogando-se a adquirente em todas as obrigações da cedente. Além disso, quanto ao apartamento objeto da matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí, durante a vigência do prazo da prenotação nº 253.605 foi promovido o registro de outro título consistente em contrato de compra e venda outorgada pela atual incorporadora em favor de terceiro, e de alienação fiduciária ao Banco Bradesco S.A., sendo esse registro nulo por violação da prioridade que assegurava o direito de registro, em primeiro lugar, à compra e venda que celebrou com a incorporadora original.

2. Ainda, Fábio Duarte interpôs recurso administrativo contra r. decisão prolatada no Processo nº 100173884.2017.8.26.0624, em apenso, que indeferiu pedidos de bloqueio de matrícula, cancelamento de registro e aplicação de sanção disciplinar de perda de delegação contra o Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí alegando, em suma, que em 18 de novembro de 2016 promoveu a prenotação, sob nº 253.605, de instrumentos particulares de compromisso de compra e venda relativos aos apartamentos nºs 121 e 172 do “Edifício Residencial Life Tatuí”, objeto das matrículas 91.881 e 91.902, que foram comprados em 10 de novembro de 2014 na fase de incorporação imobiliária. Afirmou que o registro foi negado mediante exigência de aditamento do contrato para o cessionário da incorporadora original passe a figurar como vendedora dos apartamentos, sendo a exigência incorreta para a cessão da incorporação transmitiu à nova incorporadora todos os deveres e obrigações relativos aos contratos celebrados anteriormente. Em razão disso, em 06 de dezembro de 2016 requereu a suscitação de dúvida que, porém, não foi apresentada pelo Oficial de Registro de Imóveis. Ademais, no curso do prazo de validade da prenotação nº 253.605 foi promovido o registro de outro contrato de compra e venda e alienação fiduciária relativo ao imóvel objeto da matrícula nº 91.811, celebrado em 24 de janeiro de 2017, sendo esse registro nulo em razão da violação da prioridade existente em favor do título protocolado em primeiro lugar. Diante do ocorrido, requereu o bloqueio das matrículas, o cancelamento dos registros feitos com violação da prioridade, e a apuração da responsabilidade disciplinar do Oficial de Registro com aplicação da pena de perda da delegação.

3. A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento dos recursos de apelação e administrativo.

Os processos foram reunidos para julgamento conjunto dos recursos, na forma da r. decisão de fls. 151.

É o relatório.

4. Compete ao Colendo Conselho Superior da Magistratura o julgamento das dúvidas suscitadas pelos Oficiais de Registros Públicos, na forma do artigo 64, VI, do Decreto-lei Complementar Estadual nº 03/69 e do artigo 16, IV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

O procedimento de dúvida é pertinente quando o ato colimado é suscetível de registro em sentido estrito.

Ocorre que o Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624 tem por objeto o bloqueio de matrículas e o cancelamento administrativo de atos de registro (R.2) e averbação (Av.3) praticados na matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí (fls. 01/10 e 19/20 dos autos em apenso).

E todos os atos pretendidos, consistentes em cancelamento e bloqueio, são praticados por meio de averbação.

Portanto, cabe à Corregedoria Geral da Justiça o julgamento do recurso administrativo interposto no Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624, assim como a adoção de providências visando a apuração de responsabilidade do Sr. Oficial de Registro para eventual imposição de sanção disciplinar.

Em razão disso passo a analisar, separadamente, a apelação interposta no procedimento de dúvida (Processo nº 1001867-89.2017.8.26.0624), com posterior determinação de medidas visando possibilitar o oportuno julgamento, pela Corregedoria Geral da Justiça, do recurso administrativo interposto no Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624.

5. Conforme a certidão de fls. 19/29 do Processo nº 1001867-89.2017.8.26.0624, o imóvel objeto da matrícula nº 74.211 do Registro de Imóveis de Tatuí foi de propriedade da empresa “Residencial Life Tatuí SPE Ltda.” que nele promoveu incorporação imobiliária registrada em 29 de agosto de 2011 (fls. 20).

Posteriormente, mediante escritura registrada em 23 de fevereiro de 2015, a proprietária vendeu o imóvel e cedeu a incorporação para a empresa “PW5 Incorporadora e Participação Ltda.” (fls. 27), atualmente denominada “PW5 Incorporação e Participação Ltda” (fls. 31), que instituiu o condomínio edilício por registro realizado em 15 de abril de 2016 (fls. 29).

A certidão da matrícula nº 74.211 não contém registro, realizado na fase da incorporação imobiliária, de venda ou constituição de direito real sobre as frações ideais a que corresponderiam as futuras unidades autônomas, ressalvada a alienação fiduciária em garantia em favor de “Opinião S.A.” que anuiu com a cessão da incorporação e com a transmissão da propriedade resolúvel e da posse direita do imóvel incorporado à “PW5 Incorporadora e Construtora Ltda.”.

Segundo a certidão de fls. 19/21, o apartamento 121 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, objeto da matrícula nº 91.881, foi vendido pela proprietária “PW5 Incorporadora e Participação Ltda.” para a empresa “GIM Negócios e Empreendimentos Imobiliários Ltda. EPP”, com constituição de alienação fiduciária em garantia em favor de “Bradesco Administradora de Consórcios Ltda.”.

O apartamento 172 do “Condomínio residencial Life Tatuí”, objeto da matrícula nº 91.902, continua de propriedade, agora plena, de “PW5 Incorporadora e Participação Ltda.” (fls. 22).

Portanto, a empresa “Residencial Life Tatuí SPE Ltda.” deteve, simultaneamente, as qualidades de proprietária e de incorporadora do imóvel objeto da matrícula 74.211, e posteriormente transferiu para a empresa “PW5 Incorporadora e Participação Ltda.” A propriedade e os direitos relativos à incorporação imobiliária.

Desse modo, tanto o imóvel que recebeu a incorporação imobiliária como as unidades autônomas posteriormente construídas passaram a ser de propriedade de “PW5 Incorporação e Participação Ltda.” que é a atual denominação de “PW5 Incorporadora e Participação Ltda.” (fls. 31).

Na forma do art. 1.245, e seu parágrafo 1º, ambos do Código Civil a transmissão da propriedade por ato “inter vivos” somente ocorre com o registro do título translativo no Registro de Imóveis, continuando o alienante a ser proprietário, para todos os efeitos, até que isso ocorra.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel“.

Logo, o registro do título translativo é requisito para a constituição do domínio em favor do adquirente, assim como o registro do contrato de compromisso de compra e venda o é para a constituição de direito real em favor de compromissário comprador de imóvel.

Entretanto, o apelante não promoveu o registro do contrato de compromisso de compra e venda em data anterior ao registro da venda do imóvel incorporado para a empresa “PW5 Incorporação e Participação Ltda.”, razão pela qual não se tornou titular de direito real, ou seja, de direito oponível “erga omnes”.

A inexistência de direito real de propriedade ou de compromissário comprador, decorrente da falta de registro de compra e venda ou de compromisso de compra e venda anterior à transmissão da propriedade do imóvel para “PW5 Incorporação e Participação Ltda.”, teve como efeito a desnecessidade de apresentação das anuências de eventuais pretendentes à aquisição das futuras unidades autônomas para que se promovesse a cessão da incorporação.

Assim porque os contratos de alienação, enquanto não forem registrados, somente geram direitos obrigacionais entre as partes que os celebraram, não podendo sua existência ser oposta em relação a terceiros pela ausência da publicidade decorrente da falta de registro.

Por isso, a falta da anuência de titular de direito meramente obrigacional não impedia o registro da cessão da incorporação imobiliária e da venda do imóvel ao novo incorporador.

Com a transmissão da propriedade do imóvel para a empresa “PW5 Incorporação e Participação Ltda.” deixou de haver continuidade para o registro de contratos de alienação, ou compromisso de compra e venda, celebrados com a incorporadora original, “Residencial Life Tatuí SPE Ltda.”.

Isso porque a continuidade, “in casu”, diz respeito ao domínio do imóvel, e não aos direitos da incorporação.

Em outros termos, a alegada sub-rogação nos deveres da anterior incorporadora não autoriza, por si só, o registro de contratos de venda e de compromisso de compra e venda celebrados com quem deixou de ser proprietária do imóvel.

Situação diversa existiria se a incorporadora não fosse proprietária do imóvel incorporado (art. 31, “b”, da Lei nº 4.591/64), o que, porém, não ocorre neste caso concreto.

Consequentemente, não sendo o contrato de compromisso de compra e venda celebrado pelo apelante com a atual titular do domínio, não há continuidade que é requisito essencial ao seu registro, pois como esclarece Afrânio de Carvalho:

O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, 4ª edição, 1998, Forense, pág. 253).

Em decorrência, deverá o apelante promover o aditamento, ou retificação, do contrato de compromisso de compra e venda para que a atual proprietária do imóvel passe a constar como transmitente do direito que se pretende registrar, requisito que não é suprido pela cessão da incorporação promovida pela anterior proprietária do imóvel incorporado.

Disso decorre a procedência da dúvida, com manutenção da recusa do registro do contrato de compromisso de compra e venda apresentado pelo apelante.

6. No que tange à reclamação formulada por Fábio Duarte (Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624), falta a este Colendo Conselho Superior da Magistratura competência para a apreciação do recurso administrativo, pois, como anteriormente esclarecido, diz respeito ao cancelamento e bloqueio que, se forem determinados, serão objeto de averbações.

Por esse motivo, impõe-se o desapensamento dos autos, com remessa do Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624 à Corregedoria Geral da Justiça para o oportuno julgamento do recurso administrativo que nele foi interposto.

Anoto, desde logo, para afastar eventuais questionamentos, que nenhum outro título ingressará na matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí enquanto os efeitos da prenotação nº 253.605 estiverem vigentes, sendo que as consequências decorrentes da procedência da dúvida serão apreciados no Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624.

7. Por fim, as medidas para apuração de responsabilidade disciplinar decorrente da não observação da prioridade para registro serão, de igual modo, apreciadas no Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624, pois de competência da Corregedoria Geral da Justiça.

8. Ante o exposto, mantenho a procedência da dúvida e nego provimento à apelação interposta no Processo nº 1001867-89.2017.8.26.0264.

Determino a extração de cópias de fls. 01/39, 46/57, 60/71, 97/102 (sentença), 110/126, 137/138, 147/149, 151 e 156 do Processo nº 1001867-89.2017.8.26.0624, com sua juntada no Processo nº 1001738-84.2017.8.26.0624 que, ainda, deverá ser instruído com cópia do acórdão prolatado no presente feito, abrindo-se, após, nova conclusão ao Corregedor Geral da Justiça.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 07.05.2018 – SP)