CSM|SP: Escritura pública de doação – Desqualificação – Ausência de dados qualificativos dos doadores, quais sejam, certidão de casamento atualizada e CPF/MF – Imprescindibilidade da apresentação de certidão de casamento, em respeito ao princípio da continuidade registral – Desnecessidade de obtenção do CPF/MF, não constando haver dúvida quanto à identificação dos doadores, tendo em vista o disposto no art. 176, § 2º, da Lei de Registros Públicos – Dúvida procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1002800-60.2016.8.26.0539, da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, em que são partes é apelante ELOIZA LORENZETTI SERRANO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA CRUZ DO RIO PARDO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 19 de dezembro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1002800-60.2016.8.26.0539

Apelante: Eloiza Lorenzetti Serrano

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo

VOTO N.º 29.871

Escritura pública de doação – Desqualificação – Ausência de dados qualificativos dos doadores, quais sejam, certidão de casamento atualizada e CPF/MF – Imprescindibilidade da apresentação de certidão de casamento, em respeito ao princípio da continuidade registral – Desnecessidade de obtenção do CPF/MF, não constando haver dúvida quanto à identificação dos doadores, tendo em vista o disposto no art. 176, § 2º, da Lei de Registros Públicos – Dúvida procedente – Recurso não provido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José do Rio Pardo, a teor de que seria imprescindível a exibição da certidão de casamento atualizada, a fim de se conhecer o regime de bens do casal doador e, ainda, necessária a prévia inscrição dos doadores no Cadastro de Pessoa Física do Ministério da Fazenda.

Alega, em síntese, que os doadores Plácido e Emma Lorenzetti, já falecidos, nasceram e se casaram na Itália, não havendo informes que permitam obter a certidão de casamento. Acrescentam que consta das certidões de óbito que os doadores não deixaram bens. Argumentam, ainda, que o mesmo Registro de Imóveis permitiu o ingresso registral da escritura pública de doação agora recusada em outra matrícula ali mantida e que não há qualquer prejuízo a terceiros, tratando-se de situação já consolidada a posse da recorrente.

A Procuradoria Geral da Justiça propôs o não provimento do recurso.

É o relatório.

O dissenso versa sobre a registrabilidade da escritura de doação de fls. 04/18, por meio da qual Plácido Lorenzetti, que também era conhecido por Enrico Plácido Lorenzetti, e Emma Lorenzetti, também conhecida por Emma Mezanotte Lorenzetti, casados, doaram o imóvel transcrito sob número 12.130 (atual matrícula n.º 14.580) a diversos herdeiros, dentro os quais, o pai da recorrente, Romualdo Henrique Lorenzetti.

O Registrador, na nota de devolução de fls. 20, solicitou: 1) apresentação da certidão de casamento atualizada de Enrico Plácido Lorenzetti e Emma Mezzanotti Lorenzetti; 2) documento de inscrição dos doadores no CPF/MF.

A primeira exigência do Oficial é intransponível.

Com efeito, da matrícula do imóvel, consta que apenas Plácido Lorenzetti é titular de domínio. Dessa forma, para que seja respeitado o princípio da continuidade, imprescindível a prévia averbação do casamento de Plácido Lorenzetti com a outra doadora, Emma Mezzanotti Lorenzetti. Sem tal providência, não é possível conhecer o regime de bens do casamento e não haveria como se registrar escritura de doação de imóvel em que um dos doadores não figura como titular de domínio.

Não se trata de formalidade infundada, uma vez que é necessário haver segurança jurídica de que a doadora é, efetivamente, a titular dominial do bem doado. Nada obstaria, a título de exemplo, que o doador houvesse sido casado, em primeiras núpcias, sob regime de comunhão universal de bens, com terceira pessoa que não anuiu com a doação. Somente a compatibilidade da titularidade dominial com aqueles que figuram como doadores na escritura pública obstaria dúvida relevante quanto à regularidade da doação e respeitaria a continuidade registral.

As dificuldades inerentes à obtenção do documento não podem servir de motivo para sua dispensa.

Tampouco a consolidação da posse fato que pode servir de fundamento para aquisição originária da propriedade justifica menor cautela quanto à obediência aos princípios registrais.

O mesmo se diga quanto ao registro anterior da mesma escritura pública de doação, ocorrido no ano de 1985, na matrícula n.º 10.918 (fls. 35), do mesmo Registro de Imóveis: um equívoco não autoriza outro.

Em apenas um ponto a nota de devolução não prospera, o que não é suficiente, de qualquer modo, para a improcedência da dúvida: a exigência de números de CPF. Cediço que o princípio da especialidade objetiva não pode ser considerado um fim em si mesmo, sob pena de negar o que pretende proteger, que é a segurança jurídica.

Por essas razões, o C. Conselho Superior da Magistratura tem admitido, em hipóteses excepcionais, a mitigação da especialidade subjetiva:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação – Promitente vendedor falecido – CPF/MF inexistente – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pela apresentante – Princípio da segurança jurídica – Princípio da razoabilidade – Dúvida improcedente – Recurso provido. (Apelação n° 0039080-79.2011.8.26.0100, CSM, rel. Des. José Renato Nalini, 20/09/2012).

“(…) Assim, para não sacrificar a segurança jurídica e a publicidade, é de rigor flexibilizar, in concreto, a severidade do princípio da especialidade subjetiva, dispensado a informação sobre o número do CPF/MF de Henri Marie Octave Sannejouand, cujo número de inscrição do Registro Geral é, de mais a mais, conhecido e consta da matrícula do imóvel (RG n.º 75.149 – mod. 19 – fls. 07), em sintonia com a carta de arrematação (fls. 23). A especialidade subjetiva, se, na hipótese, valorada com excessivo rigor, levará, em desprestígio da razoabilidade, até porque a exigência não pode ser satisfeita pela interessada, ao enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, o que é um contrassenso. Com a exigência, o que se perde, confrontado com o ganho, tem maior importância, de sorte a justificar a reforma da sentença: a garantia registaria é instrumento, não finalidade em si, preordenando-se a abrigar valores cuja consistência jurídica supera o formalismo (…)”.

Assim, embora as qualificações das partes no título não estejam perfeitas, o registrador não afirmou não haver elementos suficientes a eliminar qualquer dúvida quanto às pessoas que figuram como titulares de domínio e doadores.

É preciso observar que a escritura foi lavrada em 1964, época em que não havia o rigor legal de hoje quanto à precisão da qualificação das partes, o que explica o motivo das omissões levantadas pelo registrador quanto aos cadastros mantidos junto à Receita Federal.

Ciente da falta de precisão de dados qualificativos antes da vigência da Lei de Registros Públicos, o legislador, ao editar a norma vigente, previu a regra de transição disposta no § 2º do art. 176:

§ 2º Para a matrícula e registro das escrituras epartilhas, lavradas ou homologadas na vigência doDecreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior .

Diante deste cenário, especialmente por não constar que haja dúvidas quanto à identidade das pessoas, apenas nesse ponto não devem prevalecer as exigências, ressalvada dúvida concreta quanto à identidade dos titulares de domínio e cedentes.

Isto posto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 07.05.2018 – SP)