CSM|SP: Registro de imóveis – Incorporação empresarial – Transmissão imobiliária sujeita ao sistema de título e modo – Escritura de compra e venda em que figura como alienante quem não é titular de domínio junto ao fólio real – Necessidade de prévia averbação da incorporação de uma pessoa jurídica pela outra e transmissão da propriedade – ITBI – Imunidade tributária que necessita de análise prévia do titular da competência tributária – Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1094800-67.2018.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante DELFIN RIO S/A CREDITO IMOBILIARIO, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 7 de junho de 2019.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 1094800-67.2018.8.26.0100
Apelante: Delfin Rio S/A Credito Imobiliario
Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imoveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 37.751
Registro de imóveis – Incorporação empresarial – Transmissão imobiliária sujeita ao sistema de título e modo – Escritura de compra e venda em que figura como alienante quem não é titular de domínio junto ao fólio real – Necessidade de prévia averbação da incorporação de uma pessoa jurídica pela outra e transmissão da propriedade – ITBI – Imunidade tributária que necessita de análise prévia do titular da competência tributária – Apelação não provida.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, que manteve a recusa ao registro de escritura de compra e venda tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 13.822 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, ao argumento de ser necessária a averbação da incorporação da proprietária, Delfin S/A Crédito Imobiliário, pela empresa Delfin Rio S/A Crédito Imobiliário, bem como o recolhimento do imposto devido pela transação, ou comprovação de sua isenção[1].
Sustenta a apelante, em síntese, que não há ofensa ao princípio da continuidade, pois, na condição de incorporadora da promitente vendedora, outorgou escritura aos titulares de direito do imóvel. Aduz que, tendo havido a incorporação de uma pessoa jurídica por outra, foi então constituída uma única pessoa jurídica com a consequente extinção da sociedade incorporada e absorção de seus direitos e obrigações pela incorporadora. Afirma que o exame da exigibilidade, ou não, do recolhimento do ITBI cabe ao órgão fazendário competente. Sustenta, assim, ser descabida a exigência de apresentação de guia de recolhimento de ITBI, ressalvando que o correto seria apenas a averbação da incorporação noticiada, sem valor declarado[2].
A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso[3].
É o relatório.
Na matrícula nº 13.822 do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital consta como titular de domínio a empresa Delfin S/A Crédito Imobiliário, que se comprometeu a vender o imóvel a Coríntio Mariani Neto e outros[4].
Posteriormente, foi lavrada escritura pública de compra e venda, em que figurou como outorgada vendedora do referido imóvel a empresa Delfin Rio S/A Crédito Imobiliário, na qualidade de sucessora por incorporação da Delfin S/A Crédito Imobiliário[5].
A questão é simples do ponto de vista registrário, o único que importa no procedimento de dúvida, de natureza administrativa. O título não pode ser registrado, pois isso representaria ofensa ao princípio da continuidade, explicado por Afrânio de Carvalho da seguinte forma: “em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª ed., p. 254).
Na medida em que, na matrícula do imóvel, consta como promitente vendedora a empresa Delfin S/A Crédito Imobiliário (R. 4[6]) e que, na escritura de compra e venda, consta como outorgante vendedora a empresa Delfin Rio S/A Crédito Imobiliário, sucessora por incorporação, não há como o título ser registrado, certo que não há qualquer registro junto ao fólio real atinente à incorporação empresarial.
A propósito, estabelece o art. 1.116 do Código Civil:
Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na formaestabelecida para os respectivos tipos.
Como se vê, a empresa incorporadora sucede a empresa incorporada em todos os direitos e obrigações, em decorrência de sucessão universal.
Ocorre que a sucessão na incorporação de sociedades empresariais decorre de ato inter vivos e, portanto, é regida pelo direito das obrigações e empresarial, o que afasta a aplicação das disposições do direito das sucessões, notadamente o art. 1.784 que estabelece a transmissão do patrimônio independentemente de outra providência (droit de saisine).
Assim, a aquisição imobiliária em virtude de atos de incorporação empresarial segue o disposto no art. 1.245 do Código Civil, que encerra opção legislativa pelo sistema do título e do modo. Conforme Mónica Jardim (Efeitos substantivos do registro predial. Almedina: Coimbra, 2013, p. 51): “No sistema de título e modo a aquisição, modificação ou extinção dos direitos reais dependem de um título fundamento jurídico ou causa que justifica a mutação jurídico-real – e de um modo: acto pelo qual se realiza efectivamente a aquisição, modificação ou extinção do direito real, acto através do qual se executa o prévio acordo de vontades.
Nessa linha, o § 1º do art. 1.245 do Código Civil assim prevê:
Art. 1.245. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Ora, a titular do direito de propriedade do imóvel registrado sob nº 13.822 é a empresa incorporada (Delfin S/A Crédito Imobiliário) e não, a incorporadora, ora apelante (Delfin Rio S/A Crédito Imobiliário). Logo, a transmissão da propriedade para a apelante dependerá da averbação no registro imobiliário do ato de incorporação, seguido do registro da transferência da propriedade em cumprimento à obrigação assumida pela empresa incorporada.
O Princípio da Continuidade, previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos, com aplicação na hipótese em exame por força da aquisição derivada da propriedade imobiliária, impede o ingresso do título sem o registro da aquisição da propriedade em nome da incorporadora (outorgante vendedora constante da escritura de compra e venda negativamente qualificada).
Isso porque a continuidade, in casu, diz respeito ao domínio do imóvel e não, aos direitos da incorporação. Em outros termos, a alegada sub-rogação nos deveres da empresa incorporada não autoriza, por si só, o registro de escritura de compra e venda lavrada em nome de quem não figura como titular de domínio do imóvel.
Não sendo a alienante constante do título proprietária do imóvel, não cabe o ingresso no registro imobiliário.
No mais, o art. 156, § 2º, inciso I, da Constituição Federal estabelece a seguinte imunidade com relação ao Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…)
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
É dizer, a imunidade tributária não ocorre se, nesses casos referidos pela norma constitucional, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Contudo, não compete ao Oficial do Registro Imobiliário examinar a não incidência, mas sim ao titular da competência tributária.
Daí porque, ante a necessidade da transferência da propriedade imóvel à incorporadora, ora apelante, bem como da análise da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção pela Municipalidade, mostram-se corretas as exigências formuladas pelo Oficial registrador.
Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Fls. 412/416.
[2] Fls. 423/437.
[3] Fls. 461/465.
[4] Fls. 09/13.
[5] Fls. 14/17.
[6] Fls. 10/11
(DJe de 27.06.2019 – SP)