Processo administrativo disciplinar – Procedência – Aplicação de pena de multa – Lavratura de escritura pública de testamento em que restou demonstrada a incapacidade do testador – Enfermidade perceptível à pessoa média – Tabelião de Notas que tem obrigação de recusar a lavratura de ato quando houver dúvida acerca da manifestação de vontade de alguma das partes Inteligência dos itens 1, 1.3 e 2 do Capítulo XVI das NSCGJ – Desobediência ao que dispõe o art. 228, IV e V do Código Civil – Testemunhas do ato colaterais em segundo grau da beneficiária do testamento público – Procedência bem decretada Infração ao artigo 31, I e V, esse último c.c. o artigo 30, V, ambos da Lei nº 8.935/94 – Adequação da penalidade de multa e seu valor. Parecer pelo desprovimento do recurso Liquidação do valor da multa imposta “ex officio” – Extração de cópias dos dados de produtividade do Portal do Extrajudicial, autolançados pela recorrente, referentes ao ano de 2019, para autuação e distribuição de expediente próprio.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Recurso Administrativo nº 0012317-06.2019.8.26.0506

CONCLUSÃO

Em 18 de novembro de 2020, conclusos a Excelentíssima Senhora Doutora LETICIA FRAGA

BENITEZ, MM. Juíza Assessora da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

(54-2021-E)

Processo administrativo disciplinar Procedência  Aplicação de pena de multa  Lavratura de escritura pública de testamento em que restou demonstrada a incapacidade do testador Enfermidade perceptível à pessoa média – Tabelião de Notas que tem obrigação de recusar a lavratura de ato quando houver dúvida acerca da manifestação de vontade de alguma das partes Inteligência dos itens 1, 1.3 e 2 do Capítulo XVI das NSCGJ Desobediência ao que dispõe o art. 228, IV e V do Código Civil Testemunhas do ato colaterais em segundo grau da beneficiária do testamento público – Procedência bem decretada Infração ao artigo 31, I e V, esse último c.c. o artigo 30, V, ambos da Lei nº 8.935/94 Adequação da penalidade de multa e seu valor. Parecer pelo desprovimento do recurso Liquidação do valor da multa imposta “ex officio” Extração de cópias dos dados de produtividade do Portal do Extrajudicial, autolançados pela recorrente, referentes ao ano de 2019, para autuação e distribuição de expediente próprio.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Recurso Administrativo nº0012317-06.2019.8.26.0506

Trata-se de recurso interposto por I. F. M., X Tabelião de Notas da Comarca de R. P., contra a decisão de fl. 746/750, que, em processo administrativo disciplinar, aplicou-lhe a pena de multa, fixada em 10% sobre a receita líquida do ano de 2019, pela prática das infrações previstas no artigo 31, I e V, este último c.c. o artigo 30, V, ambos da Lei nº 8.935/94.

Alega a recorrente, em síntese: a) que a escritura de testamento foi lavrada dentro dos limites estabelecidos pelo Código Civil e pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça; b) que, em que pese não se recordar do caso concreto, sempre faz a oitiva do testador aferindo sua capacidade; c) que o testador não apresentava sinais de incapacidade por ocasião da lavratura do ato; d) que não teria como saber que as testemunhas eram parentes da beneficiária, pois as NSCGJ não exigem a apresentação de documentos pessoais desta; e) que a prova pericial é nula em face da ausência de intimação de seu assistente técnico.

Pede, por fim, a reforma da decisão condenatória, com a decretação de sua absolvição ou, subsidiariamente, a reforma da pena aplicada para repreensão ou a diminuição da multa imposta (fl. 758/788).

É o relatório.

Opino.

Com efeito, o Processo Administrativo Disciplinar em tela teve início a partir de ofício enviado pela 3ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de R. P. encaminhando cópia dos autos da Ação de Nulidade e Anulação de Testamento ajuizada por V. C. P. F. em face de M. L. B. P., julgada procedente, reconhecendo-se a existência de ilegalidades na escritura pública de testamento lavrada perante a X Tabelião de Notas da Comarca de R. P. em que constaram, como declarante, o falecido A. C. P., e, como beneficiária, M. L. B. P., sua esposa.

Por meio da sentença de fl. 64/66, de lavra da MM.ª Juíza de Direito da 3ª Vara da Família e das Sucessões da Comarca de R. P., Dra. R. L. V., reconheceu-se a nulidade do testamento público porque o declarante A. não estaria em pleno gozo de suas faculdades mentais, bem porque as testemunhas do referido ato notarial foram os irmãos da beneficiária, a ré M. L., em ofensa ao art. 228, incisos IV e V do Código Civil.

O recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não comporta provimento.

A imputação ora se resume à: a) ausência de plena capacidade do testador e inexistência de condição de se expressar por ocasião da lavratura do ato notarial de fl. 12/14; b) presença dos irmãos da beneficiária como testemunhas do ato em desacordo com o art. 228, IV e V, do Código Civil; e c) inobservância ao então vigente item 44, atual 45, do Capítulo XVI das NSCGJ.

Com efeito, são requisitos do testamento público que o declarante esteja em plena capacidade e em condições de expressar sua vontade perante o Tabelião (art. 1860 do Código Civil).

Após detida análise da documentação constante dos autos conclui-se que, de fato, o testador por ocasião da lavratura do ato notarial em questão, não ostentava capacidade, o que era perceptível à pessoa média.

Senão vejamos.

A ré da Ação de Nulidade e Anulação de Testamento, M. L. B. P., esposa do testador e beneficiária do ato notarial em questão, aos 19 de março de 2014 ingressou com Ação de Interdição (autos do processo n.º XXXXXX-46.2014.8.26.0506) em desfavor do testador, seu marido, apresentando, na oportunidade, documentação médica datada de 12 de março de 2014 indicando que o então requerido apresentava quadro de demência, estando impossibilitado de exercer atos da vida civil – CID 630 (fl. 27).

Importante frisar que referida declaração foi firmada há menos de um mês da lavratura do testamento público em questão (01 de abril de 2014 fl. 12/14).

E, do laudo pericial elaborado em juízo aos 04 de setembro de 2014 nos autos da referida ação de interdição (fl. 29/31) constou que o testador não possuía capacidade para gerir a si próprio e a seus bens há um ano porquanto acometido de Doença de Alzheimer, destacando o Sr. Perito judicial, que a mencionada incapacidade surgiu já a partir da eclosão da doença, ou seja, em setembro de 2013.

De mencionado trabalho, relevante destacar os seguintes trechos:

“Há 1 ano começou a ter delírio, “falava que ia ser bispo, criava histórias”, e depois foi ficando apático, dormia demais. De novembro para cá já confundia tudo, perdia as coisas e evoluiu rapidamente até a situação que se encontra hoje. Usando Glicazida e Memantina e se trata com médico do São Francisco.

Atualmente o periciando requer auxílio de terceiros para as atividades da higiene pessoal para banho e se limpar, usa fraldas. Não se veste sozinho. Para se alimentar, lhe é dado na boca, só comida pastosa e engasga muito. Não tem noção sobre dia da semana, datas especiais, tipo natal, aniversário ou outras festas. Não sabe informar dados sobre a própria pessoa, como por exemplo, data de nascimento, idade ou endereço. Não consegue mais sair de casa sozinho e não tem noção de como se atravessa uma rua. Não conhece o que é dinheiro e não sabe lidar com o mesmo. Não reconhece familiares, e só reconhece uma filha, às vezes. Não vota.

(…)

Periciando com idade aparente compatível com a referida, vestes próprias e asseio regular, não colabora com a entrevista, alheio ao ambiente. Afeto alheio, dissociado ideo-afetivamente e hipomodulando. Pensamento não avaliado porque não se comunica. Sem alteração da sensopercepção. Desorientado em tempo, espaço e quanto a si próprio. Consciência sonolento. Critica da realidade prejudicada.”

A ação de interdição foi julgada procedente aos 13 de outubro de 2014 (fl. 45/47), noticiando, a então autora, o óbito do testador em 23 de novembro de 2014 (fl. 77 dos autos do processo n.º XXXXXX-46.2014.8.26.0506).

Também nos autos deste Processo Administrativo Disciplinar foi realizada perícia médica indireta, cujo laudo confirmou a incapacidade do testador por ocasião da lavratura do ato notarial (fl. 688/693).

De referido laudo, vale destacar as seguintes passagens:

“O documento acima informa que o senhor A. compareceu ao Tabelionato e fez a escritura. Na época, o Senhor A. tinha 85 anos. Já tinha diagnóstico de Doença de Alzheimer há alguns meses. Teve, no passado, neoplasia maligna de cólon, tendo feito cirurgia (um ano antes). Havia diabetes Mellitus. Apresentou queda da cama com fatura nas costelas e trauma no olho esquerdo em 25/03/2014 (folha 151). No dia 31.03.2014, um dia antes de assinar o testamento, estava no hospital da seguinte forma (folha 154): 8) paciente semi-acamado por doença de alzheimer, teve queda da propria altura há duas semanas, com fratura de três arcos costais e há três dias novamente. Esta madrugada iniciou febre de 38º C e dificuldade de se comunicar, que não tinha antes.

Acompanhante nega alterações urinárias ou intestinais.

Nega hiporexia ou vomitos.

(…)

Como no dia anterior ele estava semi-acamado, com dificuldade de se comunicar, em regular estado geral e confuso, mesmo que tenha melhorado muito, numa evolução improvável, ele estaria com dificuldade de deambulação, com alterações na memória, na personalidade, com alguma dificuldade de fala e na cognição, com dores no tórax pelas fraturas nas costelas, com olho machucado pela sua queda. Acredito que estes indícios são perceptíveis a pessoa média” (g.n.)

Em resposta aos quesitos da recorrente o Senhor Perito afirmou, ainda, que:

“h) No atendimento médico datado de 31/03/2014 junto ao Hospital São Francisco, o Sr. A. C. P., foi diagnosticado com ITU?

Resposta: Sim, foi diagnosticada infecção urinária. Neste dia havia confusão mental, descrita e dificuldade de se comunicar.”

Neste cenário, a prova constante dos autos indica a incapacidade do testador por ocasião da lavratura do testamento, sendo deveras improvável sua súbita melhora.

A recorrente, por seu turno, aduziu ser a responsável pela lavratura do ato notarial, mas não se recordou especificamente sobre a situação telada. Sustentou, apenas, que sempre afere a capacidade do testador, entrevistando-o, e acaso tivesse notado algo diferente não teria lavrado o testamento.

Sua versão, contudo, não veio ratificada nos autos.

Verdade que raramente se consegue aferir, na esfera administrativa, eventual falha funcional do Delegatário do serviço público ante a ausência de demonstração da incapacidade volitiva ou comprometimento à higidez mental da parte do ato notarial à época de sua lavratura.

Diversa, é contudo, a situação dos autos.

A prova documental indica que, por ocasião da lavratura do testamento, A. C. P. apresentava comprometimento de entendimento visível à pessoa média.

Não há, ademais, nada nos autos à desqualificar o trabalho pericial elaborado, não se vislumbrando qualquer nulidade, como aventado pela recorrente.

Tratando-se de perícia indireta, o trabalho intelectual foi, de fato, realizado à vista dos documentos e atestados médicos constantes dos autos, sendo desnecessário o acompanhamento de assistente técnico.

Ainda, a recorrente teve regularmente respondidos os quesitos apresentados e acesso a integralidade dos documentos relevantes à sua defesa, não sendo necessária a sua intimação para a data da perícia.

Uma vez mais.

Por se tratar de perícia indireta, somente os autos foram analisados, sem que ninguém fosse ouvido ou examinado. Limitou-se o expert a examinar as provas documentais apresentadas.

Neste sentido:

“AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AUTORIZOU A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA INDEPENDENTEMENTE DE ACOMPANHAMENTO PELOS ASSISTENTES TÉCNICOS. HIPÓTESE CONTUDO, EM QUE REALIZADA PERÍCIA INDIRETA. EXAME, NO CASO, QUE CONSISTIU EM TRABALHO MERAMENTE INTELECTUAL. DETERMINAÇÃO, ADEMAIS, PARA QUE FOSSE ANALISADO O HISTÓRICO E OS DOCUMENTOS ENCARTADOS NOS AUTOS. DESNECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. DECISÃO BEM LANÇADA. AGRAVO RETIDO IMPRÓVIDO. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. OCORRÊNCIA. ATENDIMENTO NOSOCOMIAL FALTOSO DISPENSADO, PELOS PREPOSTOS DA RÉ, AO MARIDO E GENITOR DOS AUTORES. ATOS QUE RESULTARAM NO ÓBITO DO PACIENTE. IMPERÍCIA DA EQUIPE MÉDICA DO HOSPITAL DEVIDAMENTE COMPROVADA PELA PERÍCIA TÉCNICA JUDICIAL. DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MORAIS E MATERIAIS BEM RECONHECIDO. VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADA PELO JUÍZO QUE NÃO DESTOOU DO PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL USUALMENTE TOMADO PARA AS HIPÓTESES ANÁLOGAS. MODIFICAÇÃO, TODAVIA, DA BASE DE CÁLCULO DA PENSÃO DEVIDA À VIÚVA E AO FILHO MENOR DO FALECIDO, PARA QUE PASSE A REFLETIR COM MAIOR ACUIDADE A REMUNERAÇÃO QUE DETINHA O ‘DE CUJUS’ À ÉPOCA DO ÓBITO. DIREITO DA VIÚVA DE ACRESCER A QUOTA-PARTE DO FILHO MENOR QUE SE REVELA EQUIVOCADO. VERBA HONORÁRIA MINORADA A 10% DO VALOR DA CONDENAÇÃO, SUFICIENTE A REMUNERAR DE MANEIRA CONDIGNA OS PATRONOS DOS AUTORES. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSOS DE APELAÇÃO PROVIDOS EM PARTE.” (TJSP; Apelação Cível 0049809-50.2010.8.26.0602; Relator (a): Vito Guglielmi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba – 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 19/10/2016; Data de Registro: 24/10/2016).

Tampouco relevante tenha sido o laudo pericial realizado em 2019, cinco anos após a lavratura do ato notarial. Baseou-se o perito na documentação constante dos autos, sendo desimportante o tempo transcorrido.

É o que já basta para manutenção da condenação da recorrente.

Mas não é só.

Incontroverso que as testemunhas do ato notarial foram os irmãos da beneficiária, M. L. B. P., em desacordo com o art. 228, incisos IV e V do Código Civil.

“Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:

IV – o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;

V – os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade.”

Ainda que referido dispositivo legal esteja inserido no Título V “Da Prova” do Código Civil, refere-se, também, por certo, ao testamento.

Ademais, não há como se acolher o argumento da recorrente de que não havia como identificar referido parentesco.

A uma porque, ainda que não tenha que verificar os documentos pessoais do beneficiário do testamento, certamente, com a devida atenção poderia ter notado a identidade dos patronímicos ostentados pela beneficiária e pelas testemunhas (Bezerra).

A duas porque não se inferiu da prova oral tenha a recorrente laborado com o cuidado exigido, uma vez sequer ter arguido das testemunhas acerca de eventual parentesco com a beneficiária do testamento.

Sobre os deveres do notário, preceitua o Capítulo XVI das NSCGJ:

1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios.

(…)

1.3. É seu dever recusar, motivadamente, por escrito, a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico e sempre que presentes fundados indícios de fraude à lei, de prejuízos às partes ou dúvidas sobre as manifestações de vontade.

2. A função pública notarial, atividade própria e privativa do tabelião de notas, que contempla a audiência das partes, o aconselhamento jurídico, a qualificação das manifestações de vontade, a documentação dos fatos, atos e negócios jurídicos e os atos de autenticação, deve ser exercida com independência e imparcialidade jurídicas.

Se a atividade notarial tem por escopo garantir segurança jurídica e prevenir litígios não parece razoável a lavratura da escritura de testamento público telada.

Se havia dúvidas sobre a manifestação de vontade do testador e considerando a prova documental esta dúvida certamente existia, cabia à tabeliã recusar a prática do ato, na forma do item 1.3 do Capítulo XVI.

E nos moldes do item 2 supra transcrito, a audiência das partes e a qualificação das manifestações de vontade atividades inerentes a função pública notarial evidentemente envolvem a avaliação da condição que uma certa pessoa tem de, em dado momento, dispor de parte de seu patrimônio.

Ao lavrar a escritura de fl. 12/14 a recorrente descumpriu o dever constante no inciso V do artigo 30 da Lei nº 8.935/94 (“proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades profissionais como na vida privada”), não observou prescrições normativas, em especial os itens 1, 1.3 e 2 do Capítulo XVI das NSCGJ e atentou contra as instituições notariais.

Praticou, portanto, as infrações disciplinares previstas no artigo 31, I e V, este último c.c. o artigo 30, V, ambos da Lei nº 8.935/94.

O fato é grave e a pena de multa imposta é adequada.

Com efeito, a noção de proporcionalidade e razoabilidade, enquanto regra de ponderação e limitação ao excesso e arbítrio tem aplicação na eleição da pena disciplinar a ser aplicada, examinado as circunstâncias do caso concreto.

Conforme Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 212):

“Com efeito, proporcionalidade e razoabilidade guardam uma forte relação com as noções de justiça, equidade, isonomia, moderação, prudência, além de traduzirem a ideia de que o Estado de Direito é o Estado do não arbítrio. Por outro lado, apenas na aplicação desses princípios (e critérios) é que se logra obter a construção do seu significado, legitimação e alcance, pois a cada situação isolada amplia-se o âmbito de sua incidência.”

Nesta senda, ante a importância das irregularidades, o desrespeito à legalidade e ultraje às diretrizes normativas, o desfecho que se coaduna à espécie é a aplicação da pena de multa a título de punição proporcional aos procedimentos irregulares verificados nos autos.

E, considerados os rendimentos da serventia extrajudicial para o ano de 2019 de rigor, também, a manutenção do valor da multa imposta, fazendo-se, necessária apenas a sua liquidação.

Em consulta aos dados de produtividade, autolançados pela recorrente, no Portal do Extrajudicial, infere-se que a receita bruta anual em 2019 importou em R$ 10.077.975,14, sendo o total de emolumentos R$ 4.050.747,43; despesas R$ 5.823.141,21 e receita líquida anual de R$ 204.086,50, sobre a qual incidirá o percentual imposto à título de multa (10%), afigurando-se proporcional a gravidade do fato.

Oportuno, contudo, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, tornar, desde já, líquida a multa imposta, fixando-a no valor de R$ 20.408,65.

Finalmente, conquanto o ponto seja estranho aos autos, sobreleva destacar nos causar estranheza haver sido lançado no campo “outras despesas” no Portal do Extrajudicial a importância anual de R$ 1.139.784,36 e em diversos meses ao longo de 2019 a receita líquida mensal ter sido negativa, especialmente frente a receita bruta anual de R$ 10.077.975,14, o que, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, deverá ser objeto de detalhada análise em autos apartados.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto a Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento ao recurso interposto por I. F. M., X Tabelião de Notas da Comarca de R. P. e, “ex officio”, tornar líquida a pena de multa imposta, fixando-a no valor de R$ 20.408,65, extraindo-se cópias dos dados de produtividade do Portal do Extrajudicial, autolançados pela recorrente, referentes ao ano de 2019, ensejando a autuação e distribuição de pedido de providências autônomo para melhor análise.

Sub censura.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2021.

LETICIA FRAGA BENITEZ

Juíza Assessora da Corregedoria

(assinado digitalmente)

CONCLUSÃO

Em 19 de fevereiro de 2021, conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador RICARDO ANAFE, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso interposto por I. F. M., 5 Tabelião de Notas da Comarca de R. P., e, “ex officio”, torno líquida a pena de multa imposta, fixando-a no valor de R$ 20.408,65, extraindo-se cópias dos dados de produtividade do Portal do Extrajudicial, autolançados pela recorrente, referentes ao ano de 2019, ensejando a autuação e distribuição de pedido de providências autônomo par a melhor análise.

Publique-se.

São Paulo, 19 de fevereiro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça

Assinatura Eletrônica

(DJe de 25.02.2021-SP)