1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Escritura de Divórcio e Partilha – Excesso de meação – Quinhões igualados por valor de bens móveis e com valor em conta bancária – Legislação municipal que determina a tributação do excesso de valor nos bens imobiliários – Impossibilidade de afastar a lei – Dúvida procedente.
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1073633-52.2022.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: Décimo Cartório de Registro de Imóveis
Suscitado: Luis Claudio dos Reis
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Luis Cláudio dos Reis diante da negativa em se proceder ao registro de escritura de divórcio e partilha de bens lavrada em 11/11/2021 pelo 14º Tabelião de Notas da Capital, que envolve o imóvel da matrícula n.120.826 daquela serventia.
O óbice registrário decorre da não comprovação do recolhimento do imposto de transmissão sobre o excesso de meação, uma vez que houve partilha desigual do patrimônio imobiliário, diferença esta que foi igualada por bens móveis, incluindo valores mantidos em contas bancárias e aplicações financeiras.
Documentos vieram às fls.04/40.
A parte suscitada apresentou impugnação às fls.41/51, sustentando que não há hipótese de incidência tributária, já que o acervo patrimonial foi dividido de forma igualitária, sem reposição onerosa ou gratuita, e que o excesso de meação deve levar em consideração todo o conjunto de bens integrantes do patrimônio do casal, móveis e imóveis, conforme entendimento jurisprudencial.
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 59/61).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.
De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
No caso concreto, verifica-se que a partilha realizada em razão do divórcio cuidou de diversos imóveis pertencentes ao casal ao lado de outros bens, de modo que o seu conjunto foi partilhado de forma igualitária uma vez considerados os valores atribuídos (itens IV e XIII, fls.16 e 26/27).
Todavia, quando se analisa apenas o patrimônio imobiliário (item X, 1 a 9, fls.17/23), constata-se a existência de excesso de meação, o que configura hipótese de incidência do imposto de transmissão: os imóveis foram a avaliados em R$6.070.843,10, dos quais foram atribuídos à divorcianda, com exclusividade, aqueles que alcançam o valor de R$5.543.769,78, o que corresponde a 82,63% do patrimônio imobiliário.
De fato, a legislação municipal considera, para efeitos de partilha e incidência do imposto de transmissão, somente os bens imóveis.
É o que se extrai do artigo 2º, VI, da Lei Municipal n. 11.154/91:
“Art.2º – Estão compreendidos na incidência do imposto: (…)
VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”.
Em havendo, assim, previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, não cabe ao Oficial de Registro nem a este juízo administrativo entender pela não tributação.
Neste sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – ITBI – Excesso de meação em favor da apelante – Legislação municipal que apenas considera os bens imóveis para fins de partilha e incidência de ITBI – Impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal em sede de qualificação registral ou de recurso administrativo – Cabimento da discussão da questão em ação jurisdicional ou recolhimento do imposto – Recurso não provido” (CSM – Apelação n. 1043473-49.2019.8.26.0100 – Relator Des. Pinheiro Franco – j. 1º/11/2019).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – ITBI – Legislação municipal que apenas considera os bens imóveis para fins de partilha e incidência de ITBI – Impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal em sede de qualificação registral ou de recurso administrativo – Cabimento da discussão da questão em ação jurisdicional ou recolhimento do imposto – Recurso não provido” (CSM – Apelação n. 1025490-37.2019.8.26.0100 – Relator Des. Pinheiro Franco – j. 12/09/2019).
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 19 de agosto de 2022.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juíza de Direito
(DJe de 23.08.2022 – SP)