1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Escritura de conferencia de bens – Necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI sobre a parcela do valor do imóvel que superou o montante do capital integralizado – Valor inferior ao valor venal de referência – Valor da transação que constou na escritura de venda e compra foi também utilizado na declaração de ITBI apresentada ao ente fiscal – Valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante das teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.1.937.821/SP (processo paradigma do Tema n.1.113) – Título formalmente hígido e declaração do ITBI, eventual irregularidade deve ser apurada pelo ente tributante, com discussão na via adequada, que não esta – Dúvida improcedente.
Processo nº: 1089011-48.2022.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: P&L Assessoria de Cobrança S/S Ltda.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de P&L Assessoria e Cobrança Ltda, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de escritura de conferência de bem, por meio da qual o imóvel da matrícula n.495 daquela serventia foi incorporado ao patrimônio da parte suscitada para integralização do capital subscrito pela empresa Câmara Paulista de Avaliações e Perícias Ltda.
O Oficial informa que a negativa foi motivada pela necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI sobre a parcela do valor do imóvel que superou o montante do capital integralizado, uma vez que a lei impõe aos registradores controle rigoroso do recolhimento de tributos, sob pena de responsabilidade pessoal.
Documentos vieram às fls.09/34.
A parte suscitada apresentou impugnação às fls.35/41, alegando que o imposto não pode ser exigido antes de configurado o fato gerador, o que somente ocorre com o registro; que não compete ao registrador definir a base de cálculo a ser utilizada, conforme orientação firmada no REsp n.1.937.821, e que não há saldo a ser recolhido, já que a transmissão é feita pelo valor de R$303.325,00, o que se enquadra na faixa de isenção conforme declaração prestada à Fazenda Municipal.
O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice (fls.45/47).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n.8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No mérito, porém, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.
Primeiramente, cumpre destacar que o valor que excede o limite do capital integralizado está sujeito à incidência do ITBI, conforme tese firmada pelo STF para o tema n.796 de Repercussão Geral, nos seguintes termos:
“A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
No julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo – ARE n.1.264.969, o Supremo Tribunal Federal também firmou a seguinte tese sob a sistemática de Repercussão Geral:
Tema 1124: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.
A questão então controvertida ficou assim delimitada no relatório do Ministro Luiz Fux:
“Possibilidade de incidência do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de propriedade pelo registro imobiliário”.
Ou seja, o debate tratou do alcance do artigo 156, II, da Constituição Federal, no que diz respeito à cobrança do ITBI sobre a cessão de direitos de compra e venda de imóvel sem ingresso em Cartório de Registro de Imóveis.
A conclusão alcançada é que a ocorrência do fato gerador do ITBI depende de registro, já que apenas por meio dele há efetiva transmissão de direitos reais sobre imóvel (artigo 1.227 do Código Civil).
Tal conclusão também preserva o princípio da instância ou da rogação, segundo o qual todo procedimento de registro público somente se inicia a pedido do interessado (artigo 13 da Lei n. 6.015/73).
Em outras palavras, o ITBI incide no momento em que o título hábil à transferência da propriedade imobiliária é apresentado para registro na matrícula, como acontece na hipótese.
Outrossim, não se desconhece que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n.8.935/1994).
Entretanto, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).
Nesse sentido, os seguintes julgados do E. Conselho Superior da Magistratura:
“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).
“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).
“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).
Nessa mesma linha, este juízo vem decidindo pela insubsistência do óbice quando não caracterizada flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo (processo de autos número 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100, 1059178-53.2020.8.26.0100, 1079550-52.2022.8.26.0100, 1063599-18.2022.8.26.0100, 1039109-29.2022.8.26.0100 e 1039015-81.2022.8.26.0100).
No caso concreto, verifica-se que o bem foi conferido na escritura pelo valor de R$303.325,00, embora seu valor venal de referência para o exercício de 2022 seja de R$2.174.687,00 (fl.20).
O preenchimento da declaração de isenção do ITBI tomando por base o valor da transação (fl.23) não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante das teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.1.937.821/SP (processo-paradigma do Tema n.1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral:
“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.
Nesse contexto, de título formalmente hígido e declaração de isenção, eventual irregularidade deve ser apurada pelo ente tributante, com discussão na via adequada, que não esta.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, em consequência, determinar o registro do título.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 16 de setembro de 2022.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juíza de Direito
(DJe de 20.09.2022 – SP)