Existe separação depois da Emenda Constitucional nº 66/10?
Por Karin Regina Rick Rosa*
A Emenda Constitucional nº 66, publicada no dia 14 de julho de 2010, deu nova redação ao parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolução do casamento civil pelo divórcio.
A redação revogada estabelecia como condição para o divórcio a prévia separação judicial por mais de um ano, nos termos do artigo 1.580, do Código Civil, ou a comprovação da separação de fato por mais de dois anos, conforme parágrafo 2º do mesmo dispositivo legal.
A nova redação do parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal dispõe: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.” Resta, portanto, inequívoco, que no texto constitucional a exigência da separação, judicial ou de fato, como pressuposto para o divórcio, deixa de existir, podendo o casal se divorciar, tanto pela via administrativa, neste caso devendo observar os requisitos do artigo 1.124-A do Código de Processo Civil, quanto pelo processo judicial, independentemente de prévia separação.
No entanto, cumpre responder ao questionamento que é imperativo: a separação continua existindo?
Antes de responder, convém mencionar rapidamente algumas opiniões já manifestadas a respeito da repercussão da Emenda Constitucional nº 66.
Há quem entenda que a nova redação do artigo da Constituição Federal em nada modifica os requisitos para o divórcio, presentes no artigo 1.580 do Código Civil. E que, de fato, o legislador teria apenas feito uma correção ao excluir da Constituição matéria que não lhe pertence, posto que os pressupostos para separação e para o divórcio devem ser fixados em legislação infraconstitucional. Para os que adotam tal entendimento, o fato de o parágrafo 6º limitar-se a dizer que o casamento se dissolve pelo divórcio, não significa que a separação prévia deixou de ser condição para sua realização.
Na verdade, não é esta a correta interpretação do novo texto. Uma interpretação histórica, plausível diante da atualidade da mudança, apoiada nos pareceres e relatórios que levaram à aprovação da proposta de emenda à Constituição, revela que os argumentos utilizados são justamente a maturidade da sociedade brasileira para decidir sobre sua própria vida e o princípio da proporcionalidade. Ou seja, a finalidade era suprimir o requisito da separação como condição para o divórcio, o que na prática implica redução de custos e facilidade para os cônjuges que não mais desejam manter o vínculo matrimonial.
Outro entendimento é no sentido de que a separação foi retirada do ordenamento jurídico em decorrência da nova redação dada ao artigo 226, parágrafo 6º da Constituição Federal, posição com a qual, salvo melhor juízo, também não se pode concordar.
Logo, é possível afirmar que a separação continua existindo no ordenamento jurídico brasileiro. Mas o que justifica a manutenção de sua existência?
Primeiro, a Emenda Constitucional nº 66 não revogou os artigos 1.571 a 1.578 do Código Civil, que tratam da separação. Se assim quisesse o legislador, deveria ter redigido outro texto. Por outro lado, um casal pode ter interesse em desfazer a sociedade conjugal por meio da separação, mas não dissolver o vínculo matrimonial, o qual, nos termos do § 1º do artigo 1.571, somente dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. E por que razão um casal teria tal interesse? Pelo menos um motivo jurídico pode ser apontado, qual seja, a possibilidade de restabelecimento, a qualquer tempo, da sociedade conjugal desfeita pela separação, conforme disposto no artigo 1.577 do Código Civil, o que é impossível caso a opção tenha sido pelo divórcio, sendo necessária a realização de novo casamento.
A conclusão a que se chega neste breve processo de hermenêutica é no sentido de que a separação não constitui mais condição para a realização do divórcio. Contudo, a separação permanece no ordenamento jurídico, como opção aos cônjuges que não têm interesse na manutenção da sociedade conjugal, mas que por qualquer razão também não desejam dissolver o vínculo matrimonial pelo divórcio.
*A autora é advogada, assessora jurídica do CNB Conselho Federal, mestre em Direito Público, professora de direito civil e direito notarial e registral na Unisinos e coordenadora do curso de pós graduação em direito notarial e registral da Unisinos.
Fonte: Grupo Serac | Data de publicação 28/07/2010.