CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Carta de sentença – Divórcio consensual – Inexistência de ofensa aos princípios da continuidade e da especialidade objetiva – Dever de fiscalização do registrador que não ultrapassa a aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo – Dúvida improcedente – Apelo provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006959-64.2022.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante ROSANA VEIGA DOS SANTOS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 12 de dezembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006959-64.2022.8.26.0562

APELANTE: ROSANA VEIGA DOS SANTOS

APELADO: 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS

VOTO Nº 38.862

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Carta de sentença – Divórcio consensual – Inexistência de ofensa aos princípios da continuidade e da especialidade objetiva – Dever de fiscalização do registrador que não ultrapassa a aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo – Dúvida improcedente – Apelo provido.

Cuida-se de apelação interposta por Rosana Veiga dos Santos em face da r. sentença de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o acesso ao registro imobiliário da carta de sentença extraída dos autos do divórcio consensual nº 1031923-97.2017.8.26.0562 que tem por objeto o imóvel matriculado sob o n.º 82.304 (fls. 181/185).

Da nota devolutiva de fls. 143, que qualificou negativamente o título, constou a seguinte exigência:

“1) Aditar a Carta de Sentença para constar a partilha sobre a totalidade do imóvel objeto da matrícula nº. 82.304 e não na proporção constante às fls.88/92 de 62,83% uma vez que o imóvel foi adquirido na totalidade em comum pelo casal, por força do Instrumento Particular de Compra e Venda firmado aos 09 de janeiro de 2015.

2) Título sujeito a novas exigências.”

Sustenta a apelante, em suma, que do título restou claro que 100% do imóvel ficará para si, inexistindo ofensa ao princípio da continuidade registral.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 213/217).

É o relatório.

Cuida-se de registro de carta de sentença extraída dos autos do divórcio consensual (Processo n.º 1031923- 97.2017.8.26.0562), em que foram partes Nélio Lima Souza e Rosana Veiga dos Santos, ora apelante.

Dentre os bens partilhados, consta o imóvel matriculado sob o n.º 82.304, do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos.

Expedida a nota devolutiva de fls. 143, foi suscitada dúvida, julgada procedente nos termos da r. sentença de fls. 181/185, ora recorrida.

Respeitado o entendimento do I. Registrador e do MM. Juiz Corregedor Permanente, a dúvida é improcedente.

A mencionada matrícula tem por objeto o apartamento sob n.º 261, do Edifício Céu e Mar, Torre A, do empreendimento denominado Condomínio Bossa Nova, situado na Avenida Dr. Moura Ribeiro n.º 97.

Aos 10 de março de 2015, por instrumento particular de compra e venda e constituição de alienação fiduciária, firmado em Peruíbe, aos 09 de janeiro de 2015, Nélio Lima Souza e sua mulher Rosana Veiga dos Santos, casados no regime da comunhão parcial de bens, adquiriram da então proprietária, Kirra Investimentos Imobiliários Ltda., o imóvel telado pelo preço de R$ 803.210,23.

Do preço total pago pelo imóvel, foi financiada a importância de R$ 310.000,00, garantindo o seu pagamento através da alienação fiduciária do bem adquirido em favor da Caixa Econômica Federal CEF.

Aos 30 de novembro de 2021, o regime fiduciário foi cancelado, em virtude da averbação da quitação dada pela credora, sendo desta forma consolidada a propriedade plena em favor de Nélio Lima Souza e Rosana Veiga dos Santos.

Do título judicial – carta de sentença – constou que configuram bens comunicáveis: 62,83% do imóvel objeto da matrícula n.º 82.304 e o imóvel matriculado sob o n.º 10.838 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Peruíbe, e, incomunicável, a fração de 37,17% do imóvel matriculado sob o n.º 82.304 do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos.

Restou do título esclarecido que, até o divórcio, 62,83% do preço do bem foi pago pelo extinto casal e que após a dissolução do vínculo matrimonial a apelante pagou, com recursos próprios, 37,17%.

Do título também constou, expressamente, que a integralidade do imóvel objeto da matrícula n.º 82.304 ficará pertencendo à divorcianda, ora apelante, enquanto o imóvel objeto da matrícula n.º 10.838, do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Peruíbe, ficará para o divorciando (fls. 64).

Daí decorre, pois, que, a despeito da menção aos percentuais comunicáveis e incomunicáveis, houve a partilha de 100% do imóvel matriculado sob n.º 82.304, inexistindo, pois, ofensa ao princípio da continuidade.

Não é demais lembrar que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (art. 112 do Código Civil).

Apesar da confusa redação da petição de fls. 60/68, devidamente homologada em Juízo, não há dúvidas de que o título apresentado contempla a totalidade do imóvel e do pretendido registro constará que 100% do imóvel matriculado sob n.º 82.304 caberá à apelante.

Os percentuais mencionados como comunicáveis e incomunicáveis não serão publicizados pelo registro, sendo irrelevantes para análise do título apresentado.

Não há, pois, ofensa à continuidade e à especialidade objetiva.

Não se pode olvidar, finalmente, que houve o recolhimento do ITCMD, devidamente homologado pela Fazenda Estadual (fls. 100), inexistindo flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo.

Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento segundo o qual a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Neste sentido:

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9 – CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento apelo, a fim de julgar improcedente a dúvida suscitada.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 03.03.2023 – SP)