CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida inversa – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada – Inexistência de impedimento à escrituração ordinária para a transmissão imobiliária com o recolhimento dos tributos devidos – Inteligência do artigo 13, § 2º, do provimento CNJ 65/2017 – Extinção do processo extrajudicial – Apelação a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1066509-18.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes CLÁUDIO DE MOURA e ANDREA CARLA DE MENEZES, é apelado 9º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 27 de janeiro de 2023.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça
Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1066509-18.2022.8.26.0100
APELANTES: Cláudio de Moura e Andrea Carla de Menezes
APELADO: 9º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
VOTO Nº 38.886
Registro de imóveis – Dúvida inversa – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada – Inexistência de impedimento à escrituração ordinária para a transmissão imobiliária com o recolhimento dos tributos devidos – Inteligência do artigo 13, § 2º, do provimento CNJ 65/2017 – Extinção do processo extrajudicial – Apelação a que se nega provimento.
Trata-se de apelação interposta por Cláudio de Moura e Andréa Carla de Menezes, em procedimento de dúvida inversa, visando a reforma da r. sentença (fls. 916/921) que manteve a rejeição ao pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel objeto da matrícula nº 191.513 (apartamento 23, localizado no 2º andar do Bloco B do Condomínio Residencial Pêssego, situado na Rua Baixada Santista, 796), do 9º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, com a consequente extinção do processo e cancelamento da respectiva prenotação.
Aduzem os apelantes, em suma, que os requisitos necessários para a usucapião foram preenchidos, fazendo jus ao reconhecimento da aquisição do domínio. Apesar dos esforços encetados, mesmo depois de anos de disputas judiciais, não conseguiram a outorga da escritura pública de quem de direito, daí porque a usucapião extrajudicial revelou-se como o único meio capaz para a regularização da propriedade (fls. 927/934).
A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 953/958).
É o relatório.
Trata-se de pedido extrajudicial de Usucapião Extraordinária, fundado em alegação de posse mansa e pacífica há mais de quinze anos, sobre o imóvel descrito na matrícula nº 191.513 do 9º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.
Sustentam os recorrentes que firmaram “Termo de Adesão e Compromisso de Participação” com a cooperativa vendedora APCEF-COOP para aquisição do seu apartamento no Empreendimento Residencial Pêssego; que as unidades autônomas foram edificadas em imóvel cujos titulares de domínio são Dante Mestieri e esposa, os quais firmaram compromisso de compra e venda com a mencionada cooperativa.
Após o pagamento final das parcelas avençadas, contudo, receberam da BANCOOP (Cooperativa Habitacional dos Bancários BANCOOP) cobrança para pagamento de saldo residual do contrato. Juntamente com os demais adquirentes das unidades autônomas, então, associaram-se para ajuizamento de ação coletiva, que foi julgada procedente com a declaração de nulidade de cláusulas contratuais e a inexigibilidade da cobrança, além da condenação da APCEF-COOP e da BANCOOP à outorga de escritura definitiva das unidades autônomas aos associados adimplentes.
A associação recolheu o ITBI, mas o registro da carta de sentença não foi realizado por constarem como titulares de domínio dos imóveis o Senhor Dante Mestieri e sua esposa, inexistindo continuidade.
Em 2015, firmou-se acordo para outorga das escrituras públicas, mas a procuradora dos herdeiros do Senhor Dante Mestieri não compareceu ao Tabelião de Notas.
Diante disso, o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião referente ao imóvel descrito na matrícula n.º 191.513 do 9º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, foi deduzido e remanesceu rejeitado, dando azo à suscitação da dúvida inversa.
Pois bem.
O recurso não comporta provimento.
A dúvida foi suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial, com fulcro no art. 17, § 5º do Provimento CNJ nº 65/2017:
“Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.
§ 5º A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP.”
O imóvel telado é de propriedade de Dante Mestieri e sua mulher Amália Cláudia Santelli Mestieri (fls. 278/279) e foi prometido à venda à Cooperativa Habitacional dos Associados da APCEF/SP.
Todos impugnaram o pedido sustentando a necessidade de escrituração ordinária para a transmissão almejada.
A existência de impugnações ao pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião faz com que se aplique o disposto no §10 do artigo 216-A, da Lei nº 6.015/1973:
“Art. 216-A. (…) § 10. Em caso de impugnação justificada do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum, porém, em caso de impugnação injustificada, esta não será admitida pelo registrador, cabendo ao interessado o manejo da suscitação de dúvida nos moldes do art. 198 desta Lei.” (Redação dada pela Lei nº 14.382/2022).
Ou seja, a impugnação fundamentada ao pedido de reconhecimento de usucapião afasta a via extrajudicial para o alcance da pretensão deduzida. E a impugnação impertinente ou protelatória, na esteira do já previsto no item 420.5, do Capítulo XX, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, impõe a sua rejeição, prosseguindo no processo extrajudicial.
Confira-se:
“420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação.”
E, no caso, as impugnações são fundamentadas.
Consoante dispõe o artigo 13, §2º do Provimento CNJ 65/2017:
“Art.13. Considera-se outorgado o consentimento mencionado no caput do art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo.
§ 2º. Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei”.
Os documentos acostados aos autos indicam que as tratativas para a obtenção da transmissão ordinária estavam em curso. Um dos empecilhos alegados como intransponíveis era a falta da escritura definitiva em nome da APCEF/SP, compromissária compradora do imóvel.
Ocorre que dita providência foi sanada com a lavratura da escritura pública de venda e compra datada de 28/08/2020, pelo 2º Tabelião de Notas de São Paulo SP, Livro 2969, fls. 33/36 (fls. 695/698), inclusive já registrada em outras unidades do mesmo empreendimento.
Relevante frisar que a Cooperativa APCEF/SP afirmou em sua impugnação que apresentou dito ato notarial a registro na matrícula telada (n.º 191.513) obtendo, contudo, qualificação negativa em razão da prioridade conferida ao pedido de usucapião extrajudicial telado.
Nesta ordem de ideias, forçoso reconhecer que o óbice à correta transmissão do imóvel não mais existe e o reconhecimento da usucapião extrajudicial implicaria em ofensa ao citado artigo 13, §2º, do Provimento CNJ 65/2017.
A usucapião não pode substituir a escritura pública essencial à transferência do direito real sobre o imóvel, da qual decorre imposto devido ao erário público.
Em suma, acolhidas as impugnações, o que torna despiciendo imiscuir-se na avaliação do cumprimento dos requisitos legais da usucapião extraordinária, a extinção do processo extrajudicial era mesmo de rigor.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça
Relator.
(DJe de 05.04.2023 – SP)