CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura pública de cessão de direitos de unidade autônoma – Desqualificação do título – Contrato de permuta de coisa presente (terreno) por coisa futura (unidades autônomas a serem edificadas no imóvel) – Direito real inscrito em nome da ex-titular de domínio – Possibilidade de cessão dos direitos referentes aos apartamentos em construção, recebidos em permuta pelo terreno vendido à incorporadora – Óbice afastado – Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000104-59.2022.8.26.0533, da Comarca de Santa Bárbara D Oeste, em que é apelante MARIA GABRIELA FRATA RODRIGUES LIBONI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA BÁRBARA D’OESTE.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e julgaram improcedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 16 de fevereiro de 2023.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000104-59.2022.8.26.0533
APELANTE: Maria Gabriela Frata Rodrigues Liboni
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Bárbara D’Oeste
VOTO Nº 38.923
Registro de imóveis – Escritura pública de cessão de direitos de unidade autônoma – Desqualificação do título – Contrato de permuta de coisa presente (terreno) por coisa futura (unidades autônomas a serem edificadas no imóvel) – Direito real inscrito em nome da ex-titular de domínio – Possibilidade de cessão dos direitos referentes aos apartamentos em construção, recebidos em permuta pelo terreno vendido à incorporadora – Óbice afastado – Apelação provida.
Trata-se de apelação interposta por Maria Gabriela Frata Rodrigues Liboni contra a r. sentença, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Jurídicas e Protesto de Letras e Títulos de Santa Bárbara d’Oeste, que manteve a recusa ao registro de escritura pública de cessão de direitos de fração ideal de 0,188% do imóvel objeto da matrícula no 74.245, correspondente à futura unidade autônoma identificada como apartamento nº 125, Torre 02, do empreendimento residencial denominado Condomínio Residencial Portal dos Ipês (fls. 116/118). Sustenta a apelante, em síntese, que a empresa Petre Empreendimentos e Participações Ltda. recebeu cinquenta unidades autônomas em pagamento do preço do terreno em que será edificado o empreendimento. Aduz que referidas unidades estão identificadas como frações ideais da área total do imóvel matriculado sob nº 74.245, até que sejam abertas as respectivas matrículas individualizadas. Afirma que, após o registro da incorporação e até a emissão do “habite-se”, as averbações e registros que envolvam o empreendimento serão realizados na matrícula de origem, na forma do art. 237-A da Lei nº 6.015/1973, inexistindo, pois, óbice ao registro pretendido. Entende ser desnecessária a abertura de matrícula da unidade autônoma para registro da cessão de direitos, o que deve ocorrer na matrícula mãe, assim como vem ocorrendo em relação às vendas e compras de unidades autônomas realizadas diretamente pela incorporadora a outros adquirentes. Alega que a empresa Petre Empreendimentos e Participações Ltda. recebeu as unidades autônomas da incorporadora, todas perfeitamente individualizadas e identificadas, na forma da Lei nº 4.591/1964, razão pela qual pode ceder os direitos referentes a esses apartamentos ainda que não terminada a construção do edifício e não abertas as matrículas individualizadas correspondentes. Nega a existência de cláusula condicional, pois a empresa Petre Empreendimentos e Participações Ltda. transferiu a posse e a propriedade do imóvel à incorporadora de forma irretratável e irrevogável, ficando consignado, como forma de quitação, a dação empagamento das unidades identificadas no futuro empreendimento, assim denominado porque, à época, ainda não havia ocorrido o registro da incorporação. Com o registro da incorporação e a identificação das cinquenta unidades dadas em pagamento à empresa Petre Empreendimentos e Participações Ltda., nos termos do artigo 237-A da Lei nº 6.015/1973, entende que não há condição resolutiva no negócio estabelecido entre a incorporadora e a ex-titular de domínio, cedente dos direitos adquiridos em relação à unidade autônoma identificada como apartamento nº 125 da Torre 2 do Condomínio Residencial Portal dos Ipês. Ressalta que a averbação do patrimônio de afetação, ao garantir o recebimento das unidades imobiliárias pelos adquirentes, dentre eles a Petre Empreendimentos e Participações Ltda., autoriza que esta possa ceder um dos apartamentos recebidos em pagamento, com o respectivo registro da cessão de direitos junto à matrícula de origem (fls. 133/156).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 211/213).
É o relatório.
Por meio de escritura pública de cessão de direitos lavrada em 30 de agosto de 2021 (fls. 07/09), a empresa Petre Empreendimentos e Participações Ltda. cedeu para Maria Gabriela Frata Rodrigues Liboni, ora apelante, os direitos e obrigações relativos à fração ideal de 0,188% do imóvel objeto da matrícula nº 74.245 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Jurídicas e Protesto de Letras e Títulos de Santa Bárbara d’Oeste, correspondente à futura unidade autônoma identificada como apartamento nº 125, Torre 2, do Condomínio Residencial Portal dos Ipês.
Da análise da matrícula no 74.245 (fls. 31/46), é possível constatar que a empresa Petre Empreendimentos e Participações Ltda. transmitiu a propriedade do imóvel para a incorporadora Portal dos Ipês SPE Ltda., pelo valor de R$ 8.715.147,43, recebendo, em pagamento do preço, cinquenta unidades autônomas a serem construídas no empreendimento (R-01/74.245).
O negócio jurídico celebrado entre as partes encontra-se perfeito e acabado, sendo irrevogável e irretratável, de maneira que não há que se falar em existência de cláusula contratual condicional. Frise-se que a referência à conclusão das obras do condomínio e obtenção do “habite-se” foi feita, certamente, porque as unidades autônomas ainda não estavam edificadas e tampouco havia sido registrada a incorporação, à época da celebração do referido negócio jurídico.
Por outro lado, em momento algum os contratantes se obrigaram a declarar vontade futura ou celebrar outro contrato, características básicas de um contrato preliminar. Na hipótese em análise, pretendeu-se, em caráter definitivo, a alienação do terreno à incorporadora e o recebimento pela ex-titular de domínio, para quitação do preço, de unidades autônomas certas e identificadas.
E ainda que tenha havido referência à dação em pagamento, é sabido que a natureza e o tipo do contrato são fixados por seu conteúdo e não, pela denominação que lhes deram as partes.
Daí porque é possível afirmar que, in casu, está-se diante de verdadeira permuta de terreno por unidades a serem nele construídas (artigo 32, “a”, Lei nº 4.591/1964).
Com efeito, tendo os contratantes se obrigado a prestar uma coisa por outra diversa de dinheiro, isto é, ocorrendo a alienação de uma coisa por outra, que não pecúnia, mostra-se configurado o contrato de permuta de coisa presente (terreno) por coisa futura (unidades autônomas a serem edificadas no imóvel).
Consumada a permuta e, depois, registrada a incorporação (R-02/74.245), é indubitável que as futuras unidades autônomas se tornaram passíveis de alienação (Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, art. 32, caput e § 2º), pois se constituiu, em favor da ex-proprietária do terreno, direito real de aquisição, que é passível de cessão.
Nesse cenário, não há dúvidas de que a empresa Petre Empreendimentos e Participações Ltda. pode ceder os direitos referentes ao apartamento em construção (i. e., nº 125, da Torre 2, do Condomínio Residencial Portal dos Ipês), recebido em permuta pelo terreno vendido à incorporadora.
Daí porque o óbice levantado pelo Oficial de Registro deve ser afastado, a fim de que se proceda ao registro da escritura pública de cessão de direitos celebrada entre a ex-titular do imóvel matriculado sob nº 74.245 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Jurídicas e Protesto de Letras e Títulos de Santa Bárbara d’Oeste e a cessionária, ora apelante.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, a fim de julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça
Relator
(DJe de 25.04.2023 – SP)