1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião Extrajudicial – Notificação dos proprietários tabulares do imóvel usucapiendo é necessária e, em caso de falecimento, do representante do espólio ou, se não aberto o inventário, de seus herdeiros – Os quais devem ser perfeitamente identificados e sua localização deve ser informada – Se desconhecido seu paradeiro, devem ser esgotadas as providências possíveis para localização (incumbência exclusiva da parte interessada) – Somente se não forem encontrados nos endereços alcançados para notificação pessoal ou se estiverem em lugar incerto ou não sabido, será possível notificação por edital – Dúvida julgada da procedente.  

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1044540-10.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Primeiro Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Flavia Pereira Fernandes

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Flávia Pereira Fernandes à vista de exigência feita em procedimento pelo reconhecimento extrajudicial de usucapião do imóvel objeto da transcrição n. 63.690, de 11/08/1969, daquela serventia (prenotação n. 393.013).

O Oficial esclarece que, na forma da lei, a notificação dos proprietários tabulares do imóvel usucapiendo é necessária e, em caso de falecimento, do representante do espólio ou, se não aberto o inventário, de seus herdeiros (artigo 12 do Provimento CNJ n. 65/17); que, no caso em tela, os proprietários tabulares são Jacintho dos Santos Netto e sua esposa, Gilda dos Santos, já falecidos; que, de suas certidões de óbito (fls. 23 e 24), constam três filhos: Armando dos Santos Netto, casado com Romilda Vieira dos Santos, Orley dos Santos, casado com Lúcia Maria Fiúsa dos Santos, e Márcia dos Santos Baptista Oliveira, casada com Luiz Antonio Baptista Oliveira; que a parte suscitada adquiriu direitos possessórios sobre o imóvel por meio de instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel com cessão e sub-rogação de direitos hereditários firmado com os herdeiros dos proprietários tabulares.

O Oficial noticia, ainda, que todos os sucessores dos titulares do domínio foram devidamente notificados ou apresentaram declaração de anuência, com exceção de Orley dos Santos (dispensada a notificação de sua esposa por incomunicabilidade do bem fl. 255); que a parte requereu notificação por edital do herdeiro faltante, alegando que restaram infrutíferas as diligencias para sua localização, o que foi indeferido, gerando a presente dúvida.

Documentos vieram às fls. 04/424.

Em manifestação dirigida ao Oficial e em impugnação (fls. 415/416 e 425/428), a parte suscitada alega que requereu ao Oficial do 1º Registro de Imóveis que realizasse pesquisas Bacenjud, Renajud, Infojud e Serasajud, com expedição de oficios ao TRE e ao INSS, para localização do herdeiro faltante, o que foi indeferido por falta de competência; que diligenciou juntou ao TJSP e à JUCESP, mas Orley dos Santos não foi encontrado nos endereços localizados; que, conforme consta dos autos do inventário de Gilda dos Santos, o notificando Orley foi removido do cargo de inventariante por abandono do processo, tendo sido substituído por inventariante dativo. Ao final, no caso de manutenção da exigência, solicitou a expedição de ofícios de praxe na tentativa de localização do herdeiro.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 431/432).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n.6.015/73, pelo Provimento n.65/17 do CNJ e pela Seção XII do Cap.XX das NSCGJ.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

No caso, o que se pretende é o reconhecimento de usucapião extraordinária com fundamento no artigo 1.238 do Código Civil: a parte suscitada alega posse há mais de quinze anos e por justo título (desde 23/06/2005).

O imóvel usucapiendo é aquele descrito na transcrição n. 63.690 de 11/08/1969 do 1º Registro de Imóveis da Capital: apartamento n. 32 (trinta e dois), localizado no 3º andar ou 8º pavimento do “EDIFÍCIO MÔNACO”, rua Doutor Siqueira Campos, n. 299, 2º Subdistrito Liberdade, São Paulo.

De acordo com a transcrição, os proprietários tabulares do imóvel usucapiendo são Jacintho dos Santos Netto e sua esposa, Gilda dos Santos (fls. 21), falecidos, havendo notícia de que deixaram três filhos: Armando dos Santos Netto, Orley dos Santos e Márcia dos Santos Baptista Oliveira (fls. 23/24).

No processo extrajudicial de usucapião, como regra geral, não se pode dispensar a notificação de titulares de direitos que não tenham dado prévia anuência à pretensão do interessado usucapiente.

Nesse sentido a redação do parágrafo 2º, artigo 216-A, da Lei n.6015/73:

“§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância”.

Assim, independentemente do tempo alegado de posse, em nenhuma modalidade de usucapião há previsão legal para dispensa das notificações exigidas, ressalvada a demonstração de consentimento expresso pelos titulares dos direitos, conforme hipóteses previstas nos artigos 10 e 13 do Provimento CNJ n. 65/2017.

Eventual dificuldade ou morosidade não justifica que se dispensem notificações de quem vier a ser afetado pela usucapião, pois a regra fundamental em qualquer procedimento realizado em contraditório é de que seja dada ciência a quem quer que possa ser atingido pela decisão final.

O artigo 10 do Provimento CNJ n. 65/2017 impõe a notificação pessoal dos titulares de direitos que não assinarem a planta que instrui o pedido de usucapião nem fornecerem anuência expressa.

Já o seu artigo 13 faz presumir a outorga do consentimento quando apresentado justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova de quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível demonstrando a inexistência de ação judicial contra o requerente ou cessionários. Neste mesmo sentido, o item 419, Cap. XX, das NSCGJ.

A parte suscitada, entretanto, não dispõe de título ou documento que demonstre relação jurídica com os titulares do domínio.

Ademais, verifica-se que houve notificação ou concordância de todos os herdeiros dos proprietários tabulares, com exceção de Orley dos Santos.

A anuência dos herdeiros de proprietário somente será eficaz se apresentada por escritura pública declaratória de herdeiros únicos, com nomeação de inventariante, não bastando notificação ou eventual consentimento, ainda que expresso.

É o que se extrai do artigo 12 do Provimento CNJ n. 65/17, cuja redação identifica-se integralmente com o contido no item 418.14, Cap. XX, das NSCGJ (destaque nosso):

“418.14. Na hipótese de algum titular de direitos reais e de outros direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula do imóvel confinante ter falecido, poderão assinar a planta e memorial descritivo os herdeiros legais, desde que apresentem escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação do inventariante“.

A exigência normativa pela nomeação de inventariante se justifica pela necessidade de se conhecer a exata situação sucessória e para que se possa confirmar que o consentimento foi legitimamente prestado.

Caso os herdeiros não manifestem sua anuência, deverão ser notificados pelo Oficial registrador. Para tanto, identificação e localização necessitam ser fornecidas.

A notificação por edital, por sua vez, é autorizada em apenas duas hipóteses no procedimento administrativo: para ciência de terceiros eventualmente interessados e para ciência de notificandos que não tenham sido encontrados pessoalmente ou que estejam em lugar incerto ou não sabido (§§ 4º e 13, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73; artigos 11 e 16 do Prov. CNJ n. 65/17; e itens 418.16 e 418.21, Cap. XX, das NSCGJ):

“418.16. Caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, ou inacessível, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância.

(…)

418.21. Após as notificações dos titulares do domínio do imóvel usucapiendo e dos confrontantes, o oficial de registro de imóveis expedirá edital, que será publicado pelo requerente e às expensas dele, na forma do art. 257, III, do CPC, para ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão manifestar-se nos quinze dias subsequentes ao da publicação…”.

No caso em apreço, a parte interessada alega que diligenciou junto ao TJSP e à JUSCESP. Porém, nos endereços encontrados, o notificando não foi localizado, pelo que requerer notificação por edital.

Contudo, como bem colocado pelo Oficial, há possibilidade da obtenção de outros endereços por vários sistemas e mecanismos, tais como Serasa, Boa Vista, Receita Federal, Tribunal de Regional Eleitoral, dentre outros, remanescendo, inclusive, a possibilidade de notificação pela via judicial, nos moldes do artigo 726 do Código de Processo Civil.

Esta conclusão se reforça pelo seguinte fato: a parte suscitada já obteve as declarações de anuência de Sandra dos Santos Netto Grapella, Silvia dos Santos Netto Campos, Simone dos Santos Netto Natel e Suzane dos Santos Netto, as quais são sobrinhas de Orley dos Santos (fls. 357/360), o que demonstra que possui contato com familiares do notificando.

A exigência formulada, portanto, se justifica.

Note-se que a incumbência de identificação e localização dos notificandos, na via extrajudicial, é toda da parte interessada, o que afasta qualquer responsabilidade do Oficial ou deste juízo pelo acionamento de órgãos fornecedores de dados.

Em suma, podemos concluir o seguinte: há necessidade de concordância ou notificação dos titulares de direitos registrados. Caso falecidos e na falta de anuência pela via adequada, então seus herdeiros deverão ser notificados. Para isso, deverão ser perfeitamente identificados e sua localização deve ser informada. Desconhecido seu paradeiro, devem ser esgotadas as providências possíveis para localização (incumbência exclusiva da parte interessada). Somente se não forem encontrados nos endereços alcançados para notificação pessoal ou se estiverem em lugar incerto ou não sabido, será possível notificação por edital (item 418.16, Cap.XX, das NSCGJ), o que será avaliado oportunamente pelo Oficial competente.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 20 de abril de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito.

(DJe de 25.04.2023 – SP)