1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Usucapião Extrajudicial – Impugnação genérica – Desprovida de qualquer suporte probatório – Ata notarial que demonstra a atestação da posse, inclusive com fotos – Impugnação rejeitada.
SENTENÇA
Processo nº: 1032941-74.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 11º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: S. E. G. Ltda e outro
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 11º Registro de Imóveis da Capital em decorrência de impugnação contra requerimento de S. E. G. E. pelo reconhecimento extrajudicial de usucapião de terreno inserido em área maior matriculada sob n. 206.653 naquela serventia (prenotação n. 1.400.441, de 14 de março de 2022).
A parte suscitada aduz que, quando da aquisição dos imóveis das matrículas n. 150.231 (lote 02), 150.232 (lote 04) e 150.233 (lote 03) por escritura pública devidamente registrada em 05 de maio de 2008, assumiu a posse da área usucapienda, sem qualquer impugnação.
Iniciada a fase de notificação, houve impugnação por parte de S. M. M. B., a qual aduz ser proprietária do bem desde 02/11/2005 (partilha em virtude do falecimento de seus genitores); que o imóvel está locado a terceiro e que desconhece contrato celebrado em 2008.
A parte interessada foi intimada a se manifestar e reiterou a tese de posse mansa e pacífica, sendo infundada a impugnação, notadamente porque genérica.
Tentativa de acordo não possível.
Na sequência, o Oficial reputou a impugnação infundada, haja vista que vincula matéria estranha à usucapião e não se encaixa nas hipóteses do item 429.2, Cap. XX, das NSCGJ, encaminhando os autos a juízo (item 429.4, Cap. XX, das NSCGJ).
Houve notícia, ainda, de impugnação intempestiva apresentada pelo coproprietário J. M., nos mesmos moldes da impugnação de S. M. M. B. (fls. 135/137).
Documentos vieram às fls. 06/173.
A decisão de fls. 174/175 determinou a correção do rito de acordo com o item 420.3, Cap. XX, NSCGJ, o que foi cumprido, com apresentação de recurso por S. M. e contrarrazões pela parte suscitada (fls. 180/182 e 183/195).
A parte recorrente alega que é a proprietária, que exerce posse mansa e pacífica desde novembro de 2005; que o imóvel está alugado; que desconhece contrato celebrado em 2008; que falta prova do preenchimento dos requisitos legais da usucapião (pagamento de tributos); que se faz necessária a notificação dos demais proprietários do imóvel; que são os proprietários que pagam o IPTU sobre o imóvel; que a audiência de tentativa de conciliação é nula pela ausência de participação dos demais proprietários; que há controvérsia fática, o que torna necessária prova técnica e impede o acolhimento do pedido (fls. 190/195).
A parte recorrida, por sua vez, reiterou a tese de que a impugnação é genérica e desprovida de provas, além de contrária a toda a evidência que produziu.
O Ministério Público opinou pelo reconhecimento de que a impugnação é infundada (fls. 198/200).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
O procedimento de usucapião extrajudicial tem como principal requisito a inexistência de lide, de modo que, apresentada qualquer impugnação, a via judicial se torna necessária, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do §10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73.
As Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiando a qualificação do Oficial de Registro e a importância do procedimento extrajudicial, trouxeram pequena flexibilização a tal regra no item 420.5 de seu Capítulo XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória:
“420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.
(…)
420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.
Como bem esclarece a norma, tal julgamento deve se dar de plano ou após instrução sumária, não cabendo ao juiz corregedor permitir a produção de prova para que se demonstre a existência de óbice ao reconhecimento da usucapião.
É dizer que, apresentada impugnação, deve-se apenas verificar se seu caráter é meramente protelatório ou completamente infundado.
Havendo qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (item 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).
No caso em tela, ambas as impugnações são no sentido de que S. M. é a proprietária, a qual exerce posse mansa e pacífica sobre o bem desde que o recebeu por sucessão.
Entretanto, não vieram acompanhadas de qualquer evidência neste sentido.
Note-se que não se comprovou nem ao menos a alegação de que o imóvel está alugado, o que seria bastante simples mediante apresentação de contrato e recibos de aluguel, ou de que são os proprietários os responsáveis pelo pagamento dos tributos incidentes sobre ele, o que poderia se dar pela apresentação dos comprovantes de quitação.
Já a parte suscitada demonstrou, por meio de ata notarial, ter assumido a posse do terreno após a aquisição de imóveis vizinhos no ano de 2008 (fls. 73/84).
Na ata em questão, há referência sobre apresentação de contas de água, luz e telefone em nome da parte interessada no período de setembro de 2008 a agosto de 2021, além do lançamento de IPTU para o ano de 2022, e sobre a constatação pelo Tabelião de uso do terreno pela empresa requerente para a prática de suas atividades, inclusive com fotos.
Há que se confirmar, portanto, como infundadas as impugnações na medida em que genéricas e desprovidas de qualquer suporte probatório.
Note-se, ainda, que a parte recorrente ventila matéria estranha à usucapião, sustentando irregularidade no procedimento extrajudicial e necessidade de perícia.
De fato, o imóvel está bem identificado, não havendo qualquer dúvida quanto à sua delimitação (fls. 73/84 e 85/88). A contratação noticiada pela parte suscitada, outrossim, não se deu com os proprietários: o requerimento é claro no sentido de que, após a aquisição de imóveis vizinhos, a empresa requerente assumiu a posse da área em questão e passou a utilizá-la com animus domini (fls. 59/72), o que se confirma pelas fotos citadas (fls. 79/84).
Não bastasse isso, constata-se que não há qualquer irregularidade ou invalidade a ser reconhecida no procedimento extrajudicial, que ainda não se encerrou: alguns dos proprietários puderam ser notificados, mas outros ainda não (fls. 02/03 e 103/126); a tentativa de conciliação foi corretamente realizada entre a coproprietária que impugnou tempestivamente o pedido e a parte suscitada, sem qualquer prejuízo para qualquer dos interessados.
Diante do exposto, RATIFICO a decisão do Oficial, REJEITANDO as impugnações e o recurso apresentados, de modo que o procedimento extrajudicial possa ter regular prosseguimento.
Sem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 05 de maio de 2023.
(DJe de 09.05.2023 – SP)