1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Adjudicação compulsória extrajudicial – Inexistência de promessa de compra e venda – Requerente que já possui a escritura pública definitiva – Manejo do procedimento que não se destina para a resolução de exigência realizada pelo Oficial – Dúvida procedente.

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1044960-15.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 12º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Jose Francisco Saraiva Filho

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de José Francisco Saraiva Filho à vista de indeferimento do pedido de adjudicação compulsória extrajudicial do imóvel objeto das transcrições n. 26.697 e 12.117 daquela serventia (prenotação n. 624.398).

O Oficial informou que o imóvel não foi corretamente identificado, já que se encontra no lote 20, mas a parte suscitada alega que tal lote é designado como lote 08; que a quadra fiscal do município não pode ser usada como validação de designação de número de lote; que os dados de qualificação e de representação da empresa proprietária do imóvel não foram informados, mas são necessários para a expedição de notificação, nos termos do item 466, Cap. XX, das NSCGJ; que a justificativa da parte suscitada para a apresentação do requerimento de adjudicação compulsória do imóvel, no sentido de que as escrituras definitivas são similares ao instrumento particular de compromisso de compra e venda e não foram registradas, não tem amparo legal; que as quitações e o recolhimento de ITBI são inerentes à escritura definitiva.

Esclareceu, ainda, que as exigências relativas à medida de um dos lados do imóvel e à apresentação das certidões dos distribuidores cíveis foram sanadas.

Documentos vieram às fls. 04/73.

Em manifestação dirigida ao Oficial e em impugnação, a parte suscitada aduz que as escrituras públicas não foram registradas em virtude da ausência de menção da metragem dos fundos do imóvel (prenotação n. 310.995, de 08/12/2005); que a exigência não foi atendida porque os vendedores se mudaram para outro Estado e não foram encontrados, o que impossibilitou a retificação da escritura; que o vendedor, Manoel Borges dos Santos, faleceu; que o ITBI foi devidamente recolhido; que o lote 08 foi originariamente identificado como lote 20, mas houve unificação, pelo que restou sem efeito o cadastro anterior; que a unificação é resultado da soma dos demais lotes de sua propriedade, incluindo-se o lote em questão; que a adjudicação compulsória extrajudicial é possível pela semelhança entre o compromisso de compra e venda e a escritura pública não registrada, conforme artigos 216-B, § 2º, e 176, § 15, da Lei n. 6.015/73, súmula 239 do STJ e processo de autos n. 066.663.0021/2021 (fls. 06/08, 61/66 e 74/79). Juntou documentos às fls. 81/99.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 102/103).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da adjudicação compulsória administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-B da Lei n. 6.015/73, incluído pela Lei n. 14.382/2022, e pela Seção XVI do Cap. XX das NSCGJ.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

No caso, vê-se que a proprietária tabular, Peagri Comercial LTDA, vendeu o imóvel a Manoel Borges dos Santos, já falecido (fl. 99), e sua mulher, Rosa Gomes dos Santos, mediante escritura pública de compra e venda lavrada em 15/12/1965 pelo 15º Tabelião de Notas da Comarca da Capital (fls. 87/88).

Por sua vez, Manoel Borges dos Santos e sua mulher venderam o imóvel à parte suscitada mediante escritura pública de compra e venda lavrada em 22/08/2005 pelo 2º Tabelião de Notas da Comarca de Piracicaba (fls. 95/98).

O imóvel adjudicando é aquele descrito nas transcrições n. 12.117 e 26.697 do 12º Registro de Imóveis da Capital: lote de terreno n. 20 do Jardim Zélia, localizado na avenida José Arthur da Nova ou José Artur Nova, antiga rua ou estrada do Arujá, no Distrito de São Miguel Paulista, nesta Capital (fls. 36/39).

A pretensão é de adjudicação compulsória: a parte suscitada alega que, para que seja possível o registro da escritura de compra e venda, é necessária a sua retificação tendo em vista exigência feita pelo Oficial em 08/12/2005, quando apresentou o documento para ingresso no fólio real, o que não pode ser cumprido.

O artigo 216-B, § 1º, da Lei n. 6.015/73, incluído pela Lei n. 14.382/2022, e o item 464, Cap. XX, das NSCGJ, estabelecem que o pedido de adjudicação compulsória extrajudicial deverá ser instruído com determinados documentos, dentre eles os seguintes (destaques nossos):

I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;

II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;

III – ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade (…).

Assim, a adjudicação compulsória é cabível quando as partes celebram compromisso de compra e venda, mas, mesmo após a quitação do negócio, há recusa do alienante na outorga da escritura pública definitiva, nos termos do artigo 1.418 do Código Civil.

Nota-se, portanto, que os principais requisitos da adjudicação compulsória não restaram preenchidos nos autos: não há instrumento de promessa de compra e venda nem inadimplemento da obrigação de outorgar o título de propriedade, notadamente porque as escrituras públicas definitivas já foram lavradas, conforme demonstrado pela própria parte suscitada (fls. 76, 87/88 e 95/98).

Além disso, não restou comprovado que as escrituras não foram registradas pela impossibilidade de cumprimento de exigência feita pelo Oficial à época (2005).

Ainda que tivesse produzido prova nesse sentido, a parte não poderia usar a adjudicação compulsória extrajudicial para deixar de cumprir eventual exigência necessária ao registro da escritura. Se existe qualquer exigência, por óbvio, não diz respeito à recusa da lavratura do título definitivo.

Observe-se que, diferentemente do alegado pela parte, o compromisso de compra e venda e a escritura pública não se confundem: o registro do primeiro gera o direito real de aquisição do bem ao compromissário comprador do imóvel, ou seja, o direito à escritura (artigo 1.225, inciso VII, do Código Civil), enquanto o registro da escritura implica a aquisição do direito real de propriedade (artigo 1.225, inciso I, do Código Civil).

Também não é possível aplicar ao caso o artigo 216-B, § 2º, da LRP, que reproduziu o entendimento firmado na súmula 239 do STJ: ambos se referem somente ao compromisso de compra e venda, o qual não precisa estar registrado perante o Registro de Imóveis para possibilitar a adjudicação.

Correta, portanto, a rejeição do pedido de adjudicação extrajudicial (fls. 51/55), de modo que ambas as escrituras devem ser apresentadas para registro, considerando que a parte interessada não adquiriu o imóvel diretamente da proprietária (item “g” da escritura fls. 97/98).

Vale ressaltar ainda que, se fosse possível a adjudicação compulsória, a expedição de notificação para que a parte requerida impugnasse o pedido ou demonstrasse a outorga do título dependeria da apresentação de seus dados de qualificação, na forma do item 466, Cap. XX, das NSCGJ.

A correta identificação do imóvel também seria imprescindível, o que não se verifica na hipótese: de acordo com o próprio requerimento inicial apresentado pela parte suscitada, com a ata notarial lavrada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de São Miguel Paulista, com as transcrições e com as escrituras públicas produzidas, a área transmitida se identifica com o lote 20, não havendo menção quanto à existência de lote 08 (fls. 07, 22, 36, 38, 67, 87 e 96).

Vale acrescentar, por fim, que o § 15 do artigo 176 da LRP, incluído pela Lei n. 14.382/22, não se aplica ao caso, uma vez que tratou da possibilidade de o Oficial da circunscrição onde situado o imóvel proceder à abertura de matrícula na forma prevista pelo § 14 do mesmo artigo, “ainda que ausentes alguns elementos da especialidade objetiva e subjetiva, desde que haja segurança quanto à localização e à descrição do imóvel“.

Neste caso, porém, não há omissão na descrição do imóvel, mas divergência quanto ao lote correspondente ao imóvel adjudicando.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter os óbices.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 04 de maio de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito

(DJe de 08.05.2023 – SP)