1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Instrumento particular de constituição sociedade empresária unipessoal, por meio do qual houve integralização do capital social mediante conferência de diversos imóveis – Incidência do ITBI somente sobre o valor que excede o limite do capital integralizado – Fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro – Dúvida improcedente.
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1040495-60.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: Primeiro Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Território Administração de Bens Ltda.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Território Administração de Bens Ltda, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de instrumento particular de constituição sociedade empresária unipessoal, por meio do qual houve integralização do capital social mediante conferência de diversos imóveis, inclusive aquele objeto da matrícula n.101.416 daquela serventia (prenotação n.430.807).
O Oficial informa que a negativa foi motivada pela necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI sobre a parcela do valor do imóvel que superou o montante do capital integralizado e pela necessidade de aditamento da declaração de imunidade de ITBI (data correta do fato gerador), notadamente porque a lei impõe aos registradores controle rigoroso do recolhimento de tributos, sob pena de responsabilidade pessoal.
Documentos vieram às fls.05/120.
A parte suscitada apresentou impugnação às fls.121/131, alegando que o capital social da empresa foi integralizado mediante a conferência de diversos imóveis, sendo que sete já foram transferidos para a sociedade mediante registro nas respectivas matrículas; que a transferência dos imóveis para a sociedade ocorreu efetivamente em 05/12/2022, quando houve o registro público e o arquivamento do ato societário na JUCESP; que o sistema eletrônico da municipalidade não permite aditamento da declaração de isenção; que não cabe ao Oficial analisar os dados inseridos na declaração; que o parecer normativo expedido pela Secretaria Municipal da Fazenda somente é aplicável aos casos em que o valor do capital social da empresa é inferior ao valor total dos bens imóveis conferidos à sociedade e a diferença é contabilizada sob rubrica diversa do capital social, tal como precedente do STF que deu origem ao tema de Repercussão Geral n.796; que, no caso concreto, não houve excedente, sendo atribuído valor aos imóveis conforme autorizado pelo artigo 23 da Lei n.9.249/1995. Juntou documentos às fls.132/180.
O Ministério Público opinou pela improcedência (fls.183/186).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n.8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No mérito, porém, os óbices apontados devem ser afastados. Vejamos os motivos.
Não se desconhece que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n.8.935/1994).
Entretanto, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).
Nesse sentido, os seguintes julgados do E. Conselho Superior da Magistratura:
“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).
“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).
“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480-97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).
Nessa mesma linha, este juízo vem decidindo pela insubsistência do óbice quando não caracterizada flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo (processo de autos número 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100, 1059178-53.2020.8.26.0100, 1079550-52.2022.8.26.0100, 1063599-18.2022.8.26.0100, 1039109-29.2022.8.26.0100 e 1039015-81.2022.8.26.0100).
No caso concreto, verifica-se que parte do capital social da empresa foi integralizado pelo sócio único mediante conferência do imóvel objeto da matrícula n.101.416 do 1º RI da Capital, pelo valor de R$1.604.399,96 (fls.15/16), valor esse que foi informado à municipalidade conforme declaração de isenção de fls.35/38.
Ainda que a parte suscitada não tenha demonstrado que a transferência do imóvel para a pessoa jurídica observou o valor constante da declaração de bens da pessoa física, conforme autorizado pelo artigo 23 da Lei n.9.249/95, o preenchimento da declaração de isenção do ITBI tomando por base o valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante das teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.1.937.821/SP (processo-paradigma do Tema n.1.113), sob a sistemática dos Recursos Repetitivos:
“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.
Cumpre destacar que somente o valor que excede o limite do capital integralizado está sujeito à incidência do ITBI, conforme tese firmada pelo STF para o tema n.796 de Repercussão Geral, nos seguintes termos:
“A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
Nesse contexto, incumbe à municipalidade questionar as informações prestadas pelo contribuinte isento e exigir o que entender devido pela via adequada, se o caso.
Outrossim, quanto à data do fato gerador informada na declaração de imunidade, deve-se atentar que a hipótese de incidência surge justamente na ocasião do registro do título, como reconheceu o STF no julgamento de mérito do Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.294.969/SP, com repercussão geral (processo-paradigma do Tema n. 1124 – ITBI – Ausência – Registro – Cartório):
“O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.
As exigências formuladas na nota de devolução de fl.77 devem, portanto, ser afastadas.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar os óbices registrários e, consequentemente, determinar o registro do título.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 04 de maio de 2023.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juíza de Direito
(DJe de 08.05.2023 – SP)