1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dívida – Escritura de Venda e Compra – Exigência de apresentação da inicial e da decisão que determinou o recolhimento do ITBI sobre o valor do negócio – Dados informados na guia gerada pela municipalidade para o recolhimento do ITBI podem ser conferidos pelo ente tributante, permitindo sua atuação na hipótese de incongruência – Caso o contribuinte se entenda beneficiado por decisão judicial, informa tal condição ao ente tributante e a própria Fazenda Pública emite guia para recolhimento sem apuração mais cautelosa das informações declaradas – Eventuais diferenças deverão ser perseguidas pela parte credora na via própria, com base nos dados de que dispõe – Dúvida improcedente.

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1042911-98.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Décimo Cartório de Registro de Imóveis

Suscitado: Eneida Regina Belluzo Godoy Heck e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Eneida Regina Belluzzo Godoy Heck e Tiago Heck diante da negativa em se proceder ao registro de escritura pública de venda e compra na matrícula n. daquela serventia (prenotação n.593.387).

O Oficial informa que o ingresso foi adiado em razão da necessidade de apresentação de cópia da inicial e da decisão judicial que determinou o cálculo do ITBI sobre o valor do negócio jurídico objeto da escritura (mandado de segurança de autos n.2243516-62.2017.8.26.0000), conforme indicado na guia de recolhimento, o que não foi atendido; que o Oficial deve realizar rigorosa fiscalização dos impostos devidos, notadamente quando configurada flagrante irregularidade, como na hipótese (preenchimento da guia com base em decisão proferida em ação não promovida pela parte); que o ITBI deve ser recolhido com base no valor venal de referência, regra que só pode ser afastada por decisão judicial expressa e específica transitada em julgado.

Documentos vieram às fls. 04/42.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que, segundo a lei e a jurisprudência, a fiscalização registral deve se restringir à verificação sobre a existência ou não do recolhimento do tributo e não sobre a correção do valor recolhido, o qual, no caso, observou as condições do negócio realizado (fls. 10/13). Impugnação em juízo, porém, não foi apresentada (fl. 43).

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 47/49).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é improcedente.

De fato, em que pese a cautela do Oficial, o título apresentado não possui vício formal que obste registro, sendo que houve recolhimento do ITBI conforme comprovante que instruiu a apresentação (fls. 36/37).

Não se desconhece que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Todavia, acerca desta matéria, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Nesse sentido, os seguintes julgados do E. Conselho Superior da

Magistratura:

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480-97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Nessa mesma linha, este juízo já decidiu em casos análogos que também versavam sobre a exigência do correto recolhimento de ITBI (autos de número 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100 e 1059178-53.2020.8.26.0100).

No caso concreto, a escritura indica que o negócio foi realizado pelo valor total de R$ 1.403.332,00 (fls. 31/34), com recolhimento, a título de ITBI, da quantia de R$ 42.099.96 (fls. 36/37), que corresponde à aplicação da alíquota de 3% sobre o valor negociado, nos termos do artigo 10, II, da Lei n.11.154/91.

O recolhimento do ITBI tomando por base o valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante das teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.1.937.821/SP (processo-paradigma do Tema n.1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral:

“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);

c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.

Nesse contexto, a exigência por decisão judicial específica autorizando o cálculo com base diversa do valor venal de referência pode ser afastada, notadamente porque todos os dados informados na guia gerada pela municipalidade para o recolhimento do ITBI podem ser conferidos pelo ente tributante, permitindo sua atuação na hipótese de incongruência.

Com efeito, caso o contribuinte se entenda beneficiado por decisão judicial, informa tal condição ao ente tributante e a própria Fazenda Pública emite guia para recolhimento sem apuração mais cautelosa das informações declaradas.

Não se pode exigir do Registrador, por isso mesmo, uma prudência maior na fiscalização dessas mesmas informações, sendo suficiente a demonstração do recolhimento por meio da guia própria para que se admita o registro.

Eventuais diferenças deverão ser perseguidas pela parte credora na via própria, com base nos dados de que dispõe.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, em consequência, determinar o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 11 de maio de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito.

(DJe de 15.05.2023 – SP)