CSM|SP: Registo de imóveis – Desapropriação de imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA – Cadastro Ambiental Rural-CAR – Exigências mantidas, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva – Dúvida procedente – Apelação a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001730-28.2021.8.26.0120, da Comarca de Cândido Mota, em que é apelante CONCESSIONARIA AUTO RAPOSO TAVARES S.A. (CART), é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CÂNDIDO MOTA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO).
São Paulo, 13 de abril de 2023.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça
Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001730-28.2021.8.26.0120
APELANTE: Concessionaria Auto Raposo Tavares S.A. (cart)
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cândido Mota
VOTO Nº 38.972
Registo de imóveis – Desapropriação de imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA – Cadastro Ambiental Rural-CAR – Exigências mantidas, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva – Dúvida procedente – Apelação a que se nega provimento.
Trata-se de apelação interposta pela Concessionária Auto Raposo Tavares S.A. contra a r. sentença (fls. 212/215) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registros de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Cândido Mota, mantendo a recusa ao registro de carta de adjudicação extraída dos autos de ação de desapropriação n.º 3001120-07.2013.8.26.0120.
Aduz a apelante, em síntese, que a desapropriação, como forma originária de aquisição da propriedade, dispensa, para o registro do título, o georreferenciamento e a sua certificação pelo INCRA. Ademais, a área desapropriada, destinada ao prolongamento de uma rodovia, não tem mais características de um imóvel rural, de modo que não há que se falar em sua inscrição no Cadastro Ambiental Rural CAR. Afastadas as exigências, o título deve ingressar no fólio real (fls. 222/232).
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 262/266).
É o relatório.
A apelante, concessionária de serviço público, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de partes do imóvel objeto da matrícula n.º 7.297 do Oficial de Registros de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Cândido Mota.
Contudo, a carta de adjudicação expedida nos autos da ação de desapropriação (nº 3001120-07.2013.8.26.0120, da 2ª Vara Cível da Comarca de Cândido Mota), apresentada a registro pela apelante, foi negativamente qualificada pelo Oficial que apresentou as seguintes exigências (fls. 190/192):
“(1) em atendimento ao princípio da especialidade objetiva, e na consideração de que, neste caso concreto, a ação de desapropriação tem por objeto imóvel rural (parte) e tendo em vista que o ajuizamento da aludida ação expropriatória se deu após o dia 1º de novembro de 2005, data da publicação do Decreto Federal n. 5.570 no Diário Oficial da União, tem-se que a especialização das duas áreas desapropriadas, uma com 1.010,14m² e a outra com 1.666,13 m², devem ostentar a forma georreferenciadas pelo sistema geodésico brasileiro, com certificação expedida pelo INCRA de que não há sobreposição com outro imóvel de seu cadastro e que os memoriais atendem às exigências técnicas, conforme expressamente explicitam os §§ 3º, 4º e 5º, do art. 176 e o §3º do artigo 225 da Lei Federal n.º 6.015/73, o §1º do artigo 9º do Decreto Federal n.º 4.449/2002, e os incisos I e II do artigo 2º do Decreto n.º 5.570/2005.
(…)
2. Tendo em vista as recentes decisões do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, necessidade ainda de comprovar a inscrição das duas áreas desapropriadas no Cadastro Ambiental Rural CAR/SICAR, nos termos dos itens 123.2 e 123.2.1, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, e ainda em atendimento ao princípio da especialidade objetiva”.
Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).
Fixada esta premissa, indiscutível que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação judicial encerra forma originária.
No entanto, a despeito de referido caráter originário, a partir da redação dos arts. 176, § 3º e 225, § 3º, da Lei n.º 6.015/73 infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, observados, por certo, os prazos constantes do art. 10 do Decreto nº 4.449/2002, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.
“Art. 176, § 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” (g.n.)
“Art. 225 § 3º- Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”
Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho:
“(…) o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro”. [1]
E a necessidade de sua certificação pelo INCRA consta do art. 9º do Decreto nº 4.449/2002:
“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 225 da Lei nº 6015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.
§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”
Não se olvida dos prazos de carência estabelecidos no mencionado art. 10 de referido Decreto, que, no caso em testilha, ocorreria em vinte e dois anos.
“Art. 10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§3º e 4º do art. 176 da Lei nº 6015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9o, somente após transcorridos os seguintes prazos:
VII – vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares.”
Mas ainda que não expirado o prazo de carência, de rigor a apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado e da certificação expedida pelo INCRA de que não há sobreposição com outro imóvel rural, tudo a fim de se evitar o ingresso de identificação incompleta no fólio real.
Nestes moldes foi o parecer de lavra do então Juiz Assessor da Corregedoria Dr. José Antônio de Paula Santos Neto, nos autos do processo nº. 24066/2005, aprovado pelo, à época, Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale:
“Foi questionado, outrossim, se ‘aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02, ou poderão fazê-lo dentro do prazo que for entendido como aplicável’. Obviamente, a providência deverá ser imediata. A obtenção do certificado de não sobreposição emitido pelo INCRA é parte integrante e relevante do sistema de individualização imobiliária disciplinado no dito decreto.
Logo, não é de se admitir o ingresso, no fólio real, de identificação truncada; incompleta. Nem parceladamente, a prestações. Configura a certificação verdadeiro requisito a ser observado. Aliás, sua exigência é um dos aspectos essenciais do mapeamento cadastral que se almeja erigir. Destarte, a bem da própria higidez do Registro Imobiliário, deverá ser desqualificado o ingresso da nova descrição quando o memorial não vier devidamente certificado. Do contrário, ferirse- ia a lógica da estrutura concebida e se correria o risco, até, de permitir a vulneração da tábua por modificação aventureira das características da área rural, uma vez que sem a chancela de segurança do órgão oficial responsável. Além disso, a certificação diferida para o futuro poderia nunca chegar, criando-se perplexidade acerca do destino a ser dado àquela descrição precipitadamente abrigada.”
Não colhe, ademais, a alegação da apelante no sentido de que o imóvel em questão perdeu o status de rural.
Com efeito, nos termos do art. 53, da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.
E não há demonstração de manifestação do INCRA e tampouco comprovação de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel desapropriado.
Neste sentido já se manifestou, também, este C. Conselho Superior da Magistratura:
“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido” [2]
De outra parte, mesmo que dispensada a reserva legal (art. 12, §8º, da Lei n.º 12.651/12), em virtude da área desapropriada encerrar imóvel rural para fins de registro imobiliário, compete exigir o Cadastro Ambiental Rural CAR, nos termos do art. 29 da Lei n.º 12.651/12:
“Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
(…)
§ 3º – A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais.”
Assim tem decidido este C. Conselho Superior da Magistratura:
“Registro de Imóveis Desapropriação Parcial de Área Rural Aquisição originária da propriedade Rodovia em área rural Modificação geodésica do imóvel Cabimento do registro no CAR, nos termos do Código Florestal e das NSCGJ Recurso não provido”. [3]
Frise-se que a natureza originária da aquisição pela desapropriação não descaracteriza a submissão dessa situação jurídica à hipótese de desmembramento de imóvel rural, porquanto a área desapropriada foi destacada de imóvel rural com área maior, daí a necessidade do cumprimento das exigências.
A propósito, decisão recente do C. Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Carta de Adjudicação. Qualificação registral. Aquisição originária da propriedade, Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento, em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, §1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º e 225, §3º) e ao Princípio da Especialidade Objetiva. Cabimento do registro no CAR. Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). Recurso não provido, com observação.” [4]
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à
apelação.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça
Relator
Notas:
[1] Registro de Imóveis, pág. 206.
[2] Apelação nº 790-6/6, Relator Desembargador. Ruy Camilo, julgado em 27/5/2008.
[3] Apelação n° 1034507-89.2018.8.26.0114, Desembargador Relator e Corregedor Geral da Justiça, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, julgado em 27 de agosto de 2019.
[4] Apelação n.º 1001639-44.2018.8.26.0539, Desembargador Relator e Corregedor Geral da Justiça Geraldo Francisco Pinheiro Franco, jugado em 25 de junho de 2019.
(DJe de 14.06.2023 – SP)