Uma historinha de divórcio

Por Antonio Carlos Parreira

JOSÉ ajuizou em junho de 2010 um pedido de separação litigiosa contra sua mulher MARIA, imputando-lhe infidelidade e culpa pela separação.

Na audiência preliminar MARIA compareceu com seu advogado e concordou em realizar a separação amigável, sem discutir a culpa, pois embora negasse o fato não queria expor sua vida íntima em Juízo, sendo que JOSÉ não concordou pois queria provar a CULPA de Maria e, em consequência não pagar-lhe pensão alimentícia ou fazê-lo em pequeno valor.

MARIA então apresentou defesa negando a infidelidade, porém manifestando a concordância com a separação por ser insuportável a vida em comum, decorrente do ciúme doentio de JOSÉ. Disse mais necessitar da pensão alimentícia pois não teve oportunidade para trabalhar fora do lar, impedida pelo Autor, não tendo condições de adentrar no mercado de trabalho, não podendo sustentar a si e aos filhos do casal.

Com a vigência da Emenda Constitucional nº 66 de 13 de julho de 2010, MARIA peticionou ao Juiz que ouvisse o Autor e que, uma vez ele concordando, fosse o processo convertido em DIVÓRCIO imediato, sem discussão de culpa, salientando, mais, que diante da nova ordem constitucional não foram recepcionados os dispositivos do Código Civil a respeito da separação legal, mantidas apenas as situações já existentes.

Ouvido, JOSÉ não concordou com a conversão, insistindo no prosseguimento do processo de separação judicial para provar a culpa.

O JUIZ, por se filiar à corrente dos que entendem ainda persistir a separação judicial e o direito da parte de discutir a culpa para fins de alimentos, indeferiu o pleito da mulher e designou audiência de instrução e julgamento para novembro de 2010.

MARIA então ajuizou duas ações contra JOSÉ: a primeira postulando pensão alimentícia para si; a segunda apenas de divórcio com base na Emenda Constitucional 66, pela impossibilidade de vida em comum do casal.

Na ação de alimentos o Juiz designou nova audiência de tentativa de conciliação para agosto, mas no tocante ao processo de divórcio determinou a citação de JOSÉ para contestá-la em 15 dias.

JOSÉ contestou o pedido de divórcio dizendo que não poderia ser acolhido, uma vez que tramitava a separação judicial na qual era indispensável a prova da culpa.

O Promotor de Justiça opinou pelo acolhimento do pedido de divórcio e sua decretação, posto não existir litispendência e ser direito da mulher a dissolução do matrimônio a qualquer tempo, independentemente de prévia separação legal ou de fato, ou da existência do requisito subjetivo da culpa ou do requisito objetivo de tempo de matrimônio.

Conclusos os autos para o Juiz passou ele a examinar os argumentos das partes e a rever seus conceitos.

Concluiu que de fato assistia a MARIA o direito de pedir o divórcio, não havendo litispendência em relação ao pedido de separação.

Concluiu, mais, que em conformidade com a nova ordem constitucional vigente o Judiciário somente pode negar o divórcio se o requerente não for casado, posto não persistir mais qualquer requisito objetivo ou subjetivo para a sua concessão, a não ser o mencionado estado civil.

Concluiu, ainda, que uma vez decretado o divórcio, prejudicado ficará o pedido de separação judicial cuja audiência estava prevista para novembro, por total perda do objeto, decorrente de fato superveniente mais amplo.

E quanto a culpa pela ruptura da vida em comum, que em tese poderia JOSÉ discutir na ação de alimentos, pensando melhor entendeu o Juiz que a verba alimentar, por ser indispensável à sobrevivência de quem a pede, diz respeito à própria dignidade da pessoa humana, de modo que absolutamente inconstitucional se mostra o dispositivo do Código Civil que tenta interferir na sua fixação com base na culpa, por violar o art. 1º, inciso III, da Constituição da República.

E indo além, verificou o Magistrado que a obrigatoriedade de se examinar a culpa na separação para fins de fixação da verba alimentar invade a vida íntima das partes, de modo que também por esse motivo se mostra flagrantemente inconstitucional o § 2º do artigo 1.694 do Código Civil, ao afrontar o inciso X do art. 5º da Carta Magna.

Por fim, entendeu o Juiz que mesmo fechando os olhos para a Constituição, se torna inaplicável o tabelamento da pensão alimentícia com base na culpa de um dos ex-cônjuges, por entrar em choque com outras normas preponderantes, dentre elas com o próprio art. 1.694 e seu § 1º do Código Civil, os quais estabelecem que a verba alimentar deve levar em conta a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante, não podendo a culpa ser motivo para reduzir a necessidade abaixo da própria necessidade.

CONCLUSÃO:

Entendeu aquele Juiz inicialmente arredio à mudança da nova ordem, sem necessitar se socorrer à doutrina dos mais abalizados mestres e doutores, ou sequer deitar os olhos sobre as razões históricas que levaram o IBDFAM a advogar a causa e sobre as justificativas dos Deputados Sérgio Barradas Carneiro e Antônio Carlos Biscaia na apresentação da proposta de Emenda Constitucional, que definitivamente não mais persiste o instituto da separação legal (em juízo ou cartório) e muito menos a discussão de culpa para fixação dos alimentos.

Fonte: Jus Navigandi | Elaborado em 07/2010.