STJ: Direito civil. Alienação em duplicidade. Promessa de compra e venda. Interpretação dos negócios jurídicos. Transmissão de propriedade imóvel. Código civil de 1916. Transcrição. Segurança jurídica. Boa-fé.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.113.390 – PR (2009/0059414-3)

RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETI

RECORRENTE: NELLI APARECIDA DEQUECH E OUTRO

ADVOGADO: ALEXANDRE DE SALLES GONÇALVES E OUTRO(S)

RECORRIDO: ARMANDO CAPRIOTTI E OUTRO

ADVOGADO: CLÁUDIO MELO COLAÇO

INTERES.: JOÃO BATISTA SILVEIRA MELLO E OUTROS

EMENTA

DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO EM DUPLICIDADE. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS. TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE IMÓVEL. CÓDIGO CIVIL DE 1916. TRANSCRIÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ.

1.- Tem-se, na hipótese, alienação de imóvel em duplicidade. No caso dos autos, deve-se manter o acórdão que decidiu pela manutenção da segunda alienação porque o título correspondente está transcrito há mais de duas décadas, sendo que os primeiros adquirentes tinham apenas direito decorrente de compromisso de compra e venda que, embora com preço pago no ato e devidamente averbado, não teve seguimento providenciado pelos promitentes compradores.

2.- Anote-se que nada impedia, aliás, ao contrário, tudo aconselhava, a imediata lavratura da escritura definitiva e respectivo registro, em região cheia de questões registrarias — contra as quais a prudência mandava acautelar-se.

Recurso especial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 02 de março de 2010 (Data do Julgamento)

Ministro SIDNEI BENETI, Relator

RELATÓRIO

O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

1.- NELLI APARECIDA DEQUECH e OUTRO interpõem recurso especial com fundamento nas alíneas “a” e “c” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Relator o Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA, cuja ementa ora se transcreve (fls. 512):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL FIRMADA COM TERCEIROS. IMÓVEL ANTERIORMENTE COMPROMETIDO À VENDA AOS AUTORES DA AÇÃO. AUSÊNCIA, TODAVIA, DE TRANSCRIÇÃO DO TÍTULO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. BOA-FÉ DOS TERCEIROS QUE ADQUIRIRAM O IMÓVEL, PROCEDERAM A TRANSCRIÇÃO DO TÍTULO TRASLATIVO DE DOMÍNIO JUNTO À MATRÍCULA DO IMÓVEL E DESDE ENTÃO EXERCEM SUA POSSE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.

‘Ensina a doutrina que na compra e venda de imóvel a transcrição no registro imobiliário do titulo translativo da propriedade apenas completa, ainda que necessariamente, a operação iniciada com o contrato, ou qualquer outro negocio translativo. O modus é condicionado pelo titulus. O registro é ato automático, independente de providências do transmitente’ (STJ/RESP 5801/SP).

2.- Os embargos de declaração interpostos (fls. 528/533) foram rejeitados (fls. 538/541).

3.- Os recorrentes alegam que à época da celebração do contrato de  compra e venda, em 1957, ainda não estava em vigor a Lei de Registros Públicos, de modo que a aquisição da propriedade imóvel se dava pela simples transcrição na matrícula do imóvel. Nesses termos, tendo sido transcrito o contrato de promessa de compra e venda com pagamento integral do valor acordado, teria se operado a transferência válida e eficaz da propriedade.

4.- Uma vez reconhecida essa circunstância, não seria possível que o contrato de compra e venda posteriormente celebrado pelos proprietários originários com os ora recorridos, fosse objeto de registro e transcrição sem anuência dos ora recorrentes, legítimos proprietários do bem, sob pena de ofensa aos artigos 190, 195 e 197 da Lei 6.015/73 e 83 e 89 do Código Civil de 1916.

5.- Acrescentam que a alienação levada a efeito pelos proprietários originais contou com uma anuência simulada dos ora recorrentes, prestada por meio de mandatário constituído em procuração falsa. O Tribunal de origem não reconhecendo essa simulação e, bem assim, os seus efeitos sobre o negócio jurídico, teria malferido os artigos 102, I e II, 103, 104 e 105 do Código Civil de 1916.

6.- Consignam que, ao contrário do que afirmado no Acórdão recorrido, não é possível falar que a compra e venda não foi completada por falta de “registro”, porque o documento de fls. 292 comprova, conforme exigido pelos artigos 530, I, e 531 do Código Civil de 1916, a averbação e a transcrição da escritura respectiva.

7.- Apontam dissídio jurisprudencial, colacionando precedentes inclusive deste Tribunal.

8.- Não admitido na origem (fls. 616/624), o Recurso Especial teve seguimento por força de agravo de instrumento a que se deu provimento (fls. 651).

É o breve relatório.

VOTO

O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

9.- JONAS SALOMÃO DEQUECH e sua mulher, NELLI DE OLIVEIRA DEQUECH, moveram, com distribuição de 1.3.90 (fls. 2v), ação declaratória de nulidade de ato jurídico, com fundamento nos arts. 145, II e V, do Cód. Civil/1916, visando ao imóvel urbano consistente no Lote de Terreno nº 10, Quadra I, do Balneário Flórida, em Paranaguá-PR, propondo a ação contra contra ARMANDO CAPRIOTTI e sua mulher, ELZA RODRIGUES CAPRIOTTI, e  JOÃO BATISTA DA SILVEIRA MELLO, estado civil ignorado, e GERALDO JOSÉ DA SILVEIRA e sua mulher, CLEUSA DA SILVEIRA.

Alegaram os autores, ora Recorrentes, que adquiriram o imóvel dos anteriores proprietários, HIDEO TANAKA e MARIA TANAKA, por compromisso de compra e venda de 25.6.57, averbado no Cartório do Registro de Imóveis de Paranaguá sob protocolo de 1º,7.1957 (Averbação nº 11, Fls. 98, Livro 8 B, apontado sob nº 20881, Fls. 154, Protocolo 1-D, de 1º.7.1957).

Esse imóvel teria sido fraudulentamente alienado aos acionados, ora Recorridos, ARMANDO CAPRIOTTI e sua mulher, ELZA RODRIGUES CAPRIOTTI, pelos anteriores proprietários, Hideo Tanaka e sua mulher, por meio de compromisso de compra e venda, que veio a ser devidamente quitado, mediante anuência dos autores, no Compromisso de Compra e venda, por intermédio do suposto procurador, Onofre Soares, por procuração falsa (datada de 17.11.86), que jamais teriam outorgado, falsamente lavrada, para a anuência, no dia 17.11.86, no Cartório Distrital de Guararamirim-SC.

10.- Deve prevalecer o julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, porque:

a) O título está transcrito em nome dos Recorridos, há mais de duas décadas,  e não dos Recorrentes, que tinham apenas direito decorrente de compromisso de compra e venda, com preço pago no ato, o qual, embora registrado, não teve seguimento providenciado pelos promitentes compradores. Anote-se que nada impedia, aliás, ao contrário, tudo aconselhava, a imediata lavratura da escritura definitiva e respectivo registro, em região cheia de questões registrarias — contra as quais a prudência mandava acautelar-se.

Em verdade, não se entende o porquê da não-lavratura imediata de escritura e não realização de transcrição.

b) Sem qualquer dúvida, os Reclamantes agiram na mais absoluta boa-fé na celebração do negócio, tanto que em nenhum momento contra eles foi alegada má-fé, e não se havendo detectado nenhuma razão para que pudessem desconfiar dos procuradores que intervinham nos atos jurídicos que se realizavam.

Nos autos estão provados a oferta do imóvel em jornal, a cujo anúncio os Recorridos acudiram, a celebração do compromisso de compra e venda e o pagamento em prestações. Em nenhum momento transparece que os ora Recorridos tivessem conhecimento de algum defeito na procuração pela qual terceiro veio anuir em nome dos Recorrentes, anteriores promitentes-compradores.

c) A interpretação da sentença e do Acórdão que deu por válida a anuência, via reconhecimento de anterior alienação do imóvel pelos Recorrentes à Gralha Azul – Sociedade Agrícola Comercial Imobiliária Ltda cf. certidão n. 1465/88 (fls. 324), é matéria fática, vale dizer, essa conclusão definitivizou-se no âmbito da Jurisdição do Tribunal de origem, não podendo a matéria ser reaberta para reanálise por este Tribunal, em virtude da Súmula 7 desta Corte.

d) Nenhum dos argumentos do Recurso Especial possui o condão de infirmar esses pontos, suficientes à conclusão do julgado, de maneira que desnecessário o enfoque em pormenores para a manutenção do julgado do Tribunal de origem.

Ressalte-se que a sentença proferida pelo E. Juiz …, e o Acórdão, de que Relator o E. Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA  constituem peças jurisdicionais de excelente qualidade, lavradas com cuidado e busca da melhor solução para o caso, cuja existência vem   de há vinte anos (inicial de 1.3.90, fls. 2v) e urge terminar.

13.- Pelo exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial, mantida, em todos os seus termos, o Acórdão que confirmou a improcedência da ação, com a observação de que já houve acordo para a dispensa de honorários advocatícios (fls. 647/648).

Ministro SIDNEI BENETI, Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2009/0059414-3 / REsp 1113390 / PR

Números Origem:  3443489  344348902

PAUTA: 02/03/2010 / JULGADO: 02/03/2010

Relator: Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

Secretária: Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: NELLI APARECIDA DEQUECH E OUTRO

ADVOGADO: ALEXANDRE DE SALLES GONÇALVES E OUTRO(S)

RECORRIDO: ARMANDO CAPRIOTTI E OUTRO

ADVOGADO: CLÁUDIO MELO COLAÇO

INTERES.: JOÃO BATISTA SILVEIRA MELLO E OUTROS

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Obrigações – Espécies de Contratos – Compra e Venda

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 02 de março de 2010.

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA, Secretária

(D.J. de 15.03.2010)