STJ: Civil e Processual Civil. Divórcio. Fixação de pensão alimentícia. Pedido do cônjuge credor de conversão da pensão alimentícia em usufruto sobre bem do devedor. Possibilidade.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL Nº 602.238 – SP (2003/0191140-5)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: M. L. A. S.

ADVOGADO: NORMA JORGE KYRIAKOS E OUTRO

RECORRIDO: O. J. S.

PROCURADOR: MÁRCIA COLI NOGUEIRA E OUTRO(S)

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIVÓRCIO. FIXAÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. PEDIDO DO CÔNJUGE CREDOR DE CONVERSÃO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA EM USUFRUTO SOBRE BEM DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE.

1. A separação de fato do casal ocorreu em 1976, conforme indicado pela sentença, antes, portanto, da entrada em vigor do novo Código Civil, motivo pelo qual inaplicáveis os arts. 1.694, § 1º, e 1.701, parágrafo único, do CC/2002.

2. Ainda que assim não fosse, a revisão dos valores fixados pelo Tribunal de origem a título de pensão alimentícia demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é defeso em sede de recurso especial. Incidência da súmula 7/STJ.

3. No caso, a melhor solução é a conversão da pensão alimentícia fixada pelas instâncias ordinárias em usufruto da parte ideal do imóvel pertencente ao cônjuge devedor. É que resta incontroverso que a ré usufruía e morava na casa, sem qualquer oposição,  durante o longo período de separação de fato, além do que o requerimento da recorrente, para que a pensão alimentícia arbitrada seja convertida em usufruto, na verdade não agrava a situação do cônjuge devedor.

4. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,  A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 1º de dezembro de 2009 (Data do Julgamento).

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Cuida-se de ação de divórcio direto ajuizada por O.J.S em face de M.L.A.S. Narra o autor que casou com a ré em 22 de março de 1965, sob o regime de comunhão universal de bens, advindo dessa união quatro filhos, que já alcançaram a maioridade civil. Aduz que, desde fevereiro de 1986, o casal encontra-se separado, motivo pelo qual pretende ver decretado o divórcio e partilhado o único bem imóvel adquirido na constância do casamento, uma casa localizado na Rua Elieze de Souza Lima, n. 06, Santo Amaro, São Paulo. Alega, também, que a esposa possui meios próprios que lhe asseguram o sustento, motivo pelo qual dispensável a fixação de pensão alimentícia.

A ré apresentou contestação e reconvenção, atribuindo ao autor a culpa pela separação e requerendo a condenação no pagamento de pensão, a partir da separação de fato, além da constituição de garantia real sobre o imóvel, ou fixação de usufruto da parte ideal do imóvel objeto da partilha.

A Juízo de primeira instância julgou procedente o pedido e improcedente a reconvenção, sob o argumento de que durante o longo período da separação de fato, a ré jamais contou com a ajuda do autor, sendo “patente a sua independência financeira, mesmo que às duras penas”. Decretou, ainda, o divórcio do casal, declarando dissolvido o vínculo matrimonial e condenando a ré reconvinte aos pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa . Determinou, também, a partilha do imóvel do casal na proporção de 50% para cada uma das partes (fls. 222/224).

Oposto embargos de declaração (fls. 226/229), foram rejeitados (fls. 231).

A ré apelou (fls. 233/240). O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao recurso, estabelecendo o pensionamento para a recorrente, restando o aresto assim ementado:

Ação de divórcio litigioso

Dever de mútua assistência reconhecido. Inadmissibilidade da conversão de pensão em usufruto, em favor da alimentária, sobre o único imóvel comum. Pensão arbitrada na base de um salário mínimo, a partir da citação.

Apelação parcialmente provida. (fl. 269)

Ainda inconformada, a ré interpôs recurso especial, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, alegando, em síntese:

a) violação aos arts. 1.694, § 1º, 1.701, parágrafo único, do CC/2002, tendo em vista a incompatibilidade da pensão alimentícia fixada com as necessidades da recorrente.

b) violação ao art. 21, § 1º, da Lei 6.515/77, pois cabe determinar, a fim de garantir a execução do pagamento da pensão alimentícia, garantia real, ou converter a pensão em usufruto da parte do imóvel que coube, na partilha, ao cônjuge varão.

Contrarrazões às fls. 289/296.

Deferido o seguimento do recurso pelo Tribunal de origem (fls. 302/303), subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal apresentou parecer (fls. 310/312), opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Primeiramente, em relação à alegada violação aos arts. 1.694, § 1º, e 1.701, parágrafo único, do CC/2002, não merece conhecimento o recurso.

A separação de fato do casal ocorreu em 1976, conforme indicado pela sentença, antes, portanto, da entrada em vigor do novo Código Civil, motivo pelo qual inaplicáveis, ao caso, os dispositivos pugnados, vez que não se admite sua aplicação retroativa, conforme o art. 2° da LICC.

Ademais, ainda que assim não fosse, o recurso ainda não poderia ser conhecido quanto ao ponto.

O Tribunal de origem, ao estabelecer os valores fixados, esclarece que:

Consideradas as possibilidades do alimentante, barbeiro aposentado, e as necessidades da alimentária, arbitro pensão alimentícia equivalente à um salário Mínimo, devida a partir da citação. (fls. 272/273)

O Juízo de primeiro grau, ao analisar as condições do autor, também refere que:

O quadro probatório evidencia, á saciedade, que a separação do casal ocorreu há mais de vinte e cinco (25) anos e que o autor, hoje com sessenta e oito (68) anos de idade, enfrenta grave moléstia, recebendo diminuto rendimento como barbeiro. (fl. 223)

Ao assim decidir, os julgadores analisaram as provas coligidas.

Dessa forma, a revisão dos valores fixados pelo Tribunal de origem à título de pensão alimentícia demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é defeso em sede de recurso especial, face a incidência da súmula 7/STJ.

3. Por outro lado, tem razão a recorrente quanto à suscitada violação ao art. 21, § 1º, da Lei 6.515/77.

O referido dispositivo prevê que:

Art. 21 – Para assegurar o pagamento da pensão alimentícia, o juiz poderá determinar a constituição de garantia real ou fidejussória.

§ 1º – Se o cônjuge credor preferir, o juiz poderá determinar que a pensão consista no usufruto de determinados bens do cônjuge devedor.

3.1. Verifica-se, pois, que o art. 21, § 1º da Lei do Divórcio, aplicável ao caso ora em análise, autoriza o cônjuge credor a optar pelo usufruto de determinados bens do cônjuge devedor, em substituição à pensão. Não pode se falar, portanto, em usufruto de bens cumulado à pensão alimentícia.

Nesse sentido o seguinte precedente:

CIVIL. DIVÓRCIO. O artigo 21, § 1º, da Lei do Divórcio autoriza o cônjuge credor a optar pelo usufruto de bens do cônjuge devedor; não a se valer desse direito cumulativamente com a pensão. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 93.253/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2000, DJ 12/06/2000 p. 103)

3.2. A doutrina, analisando o dispositivo invocado, estabelece as condições para o acolhimento do pleito.

Yussef Sahid Cahali refere que:

Há uma certa contradição entre os dois parágrafos do art. 21 da Lei do Divórcio: enquanto o primeiro deixa à preferência do credor a constituição do usufruto a ser determinada pelo juiz, no segundo o legislador condiciona à justificativa do credor a possibilidade de não ser paga regularmente a pensão.

(…)

Na especificação de Limongi França, aqui se cuida de constituição de usufruto, por preferência do cônjuge credor (§ 1º), constituição do usufruto, por justificação do cônjuge credor (§ 2º).

Ressalta, porém, que ‘ (…) A única interpretação plausível, que vai como ratio legis do preceito, será o fato de o § 1º dizer respeito á constituição ab initio e o § 2º, à constituição do curso da prestação do dever alimentar. Há também uma outra diferença: a fundamentação do § 2º é específica, baseando-se na ‘possibilidade de não-recebimento regular da pensão”

A dicotomia, porém, revela-se despicienda, quando se considera que, em qualquer caso, mesmo para a imposição da garantia real ou fidejussória, o juiz deverá agir com o máximo de prudência no âmbito de seu poder discricionário quase absoluto, pois, a exemplo do que acontece nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, ‘não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente e oportuna’ (CPC, art. 1.109); assim, somente determinará a constituição de vínculo Real de garantia ou de gozo se houver indícios expressivos e circunstância evidentes de que, sem a oneração a se constituir, pesará sobre o credor a ameaça de ver frustrados os pagamentos regulares da pensão devida.

(CAHALI, Yussef Sahid. Dos Alimentos. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2002. p. 992-993)

De fato, Áurea Pimentel Pereira, ao comentar o art. 21, § 1º, da Lei 6.515/77, explica:

A expressão ‘preferir, inserida pelo legislador no § 1º do art. 21, não parece feliz, na medida em que pode dar a impressão primeira de que ao capricho ou arbítrio do cônjuge credor possam ficar subsumidos os bens do cônjuge devedor, o que se verdadeiro seria injusto e antijurídico.

Mas, na realidade, não é assim, devendo-se entender, antes, que a preferência manifestada pelo cônjuge credor – que deve estar identificada sempre como uma relevante conveniência – está sujeita sempre ao crivo da prudente apreciação do juiz, para evitar a consecução de abusos ou, muitas vezes, de atitudes exclusivamente caprichosas.

(PEREIRA,  Áurea Pimentel. Divórcio e Separação Judicial; comentários à Lei n. 6.515, de 26/12/77 à luz da Constituição de 1988. Rio de janeiro: Renovar, 1989. p. 88-89)

Com efeito, compete ao juiz, observado o preenchimento dos requisitos, determinar a forma como se dará o cumprimento da prestação estabelecida (art. 403, parágrafo único, do CC/1916).

3.3. Dessa forma, considerando que, no caso ora em análise, resta incontroverso nos autos que, durante o longo período da separação de fato, a ré “continuou residindo, juntamente com os filhos, no único imóvel do casal, o qual foi parcialmente locado e a renda aplicada na subsistência da família” (fl. 271), é nítido que a ré residia e usufruía da parte do imóvel pertencente ao cônjuge devedor, sem qualquer oposição, o que consistia, por si só, uma forma de pensionamento.

Parece claro, portanto, que o requerimento da esposa para que a pensão alimentícia arbitrada seja convertida em usufruto, não agrava a situação do cônjuge devedor – que, segundo manifestação em contrarrazões (fls. 289/296), possui dificuldades em realizar o pagamento da pensão alimentícia fixada em um salário mínimo – e ainda possibilita a manutenção do cônjuge credor no imóvel e a sua subsistência.

Diante disso, a melhor solução para o caso concreto é a conversão da pensão alimentícia fixada pelas instâncias ordinárias em usufruto da parte ideal do imóvel objeto da presente ação, pertencente ao cônjuge devedor, restando a propriedade do imóvel dividida em 50% para cada uma das partes.

4. Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, dou provimento, para determinar a conversão da pensão alimentícia fixada pelas instâncias ordinárias em usufruto da parte ideal pertencente ao cônjuge credor, relativa ao imóvel adquirido pelo casal na constância do casamento.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2003/0191140-5 / REsp 602238 /SP

Números Origem:  268239  70512699

PAUTA: 19/11/2009 – JULGADO: 01/12/2009

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relator: Exmo. Sr. Ministro  LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária: Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: M. L. A. S.

ADVOGADO: NORMA JORGE KYRIAKOS E OUTRO

RECORRIDO: O. J. S.

PROCURADOR: MÁRCIA COLI NOGUEIRA E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Família – Casamento – Dissolução

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília, 01 de dezembro de 2009.

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI, Secretária

(D.J. de 14.12.2009)